A guerra fiscal produziu no Grande ABC uma versão econômica da racial Lista de Schindler da Segunda Guerra Mundial. Presidente e diretor-geral da Bridgestone Firestone do Brasil, o norte-americano Mark Emkes recebeu no ano passado até homenagem do belicoso Sindicato dos Borracheiros, algo absolutamente inédito na história das relações sempre tormentosas entre capital e trabalho no Grande ABC.
Da lista de Emkes constam três mil empregos diretos dessa multinacional de capital japonês. São os funcionários da fábrica de Santo André, que contribuem para equilibrar a apertada disputa do mercado nacional da Bridgestone Firestone com outros dois pesos pesados mundiais, a italiana Pirelli e a norte-americana Goodyear.
Se tivesse cedido à tentação de participar da guerra fiscal, a empresa já teria colocado um dos pés no Rio Grande do Sul, onde as concorrentes estão se expandindo. A decisão provocaria gradual refluxo de investimentos em São Paulo e sacramentaria irreversível processo de evasão industrial, rotina que outras grandes e médias empresas promoveram ao longo das duas últimas décadas na região.
A diferença entre a Lista de Schindler com a qual Steven Spielberg arrematou recorde de estatuetas do Oscar e a lista de Emkes de que só agora o Grande ABC toma conhecimento está no próprio símbolo da operação de salvamento. Enquanto o industrial alemão Oskar Schindler transformou dispendiosa fábrica de utensílios domésticos em reduto humanitário de judeus para impedir que o nazismo fizesse outros milhares de vítimas, o executivo norte-americano está reestruturando uma fábrica inteira para lhe dar a única arma racionalmente capaz de competir no mercado globalizado e assegurar empregos — produtividade, muita produtividade.
O desafio de assegurar a capacidade de competição internacional à fábrica da Bridgestone Firestone em Santo André é responsabilidade que Mark Emkes chamou para si com a certeza de que sairá vitorioso, mas ele sabe que a tarefa não depende apenas da direção da companhia. Divide-a com os funcionários e também com a rede de 500 revendedores, que garantem 50% dos US$ 500 milhões faturados no ano que acabou de se encerrar.
As montadoras de veículos ficaram com 20% das receitas e os 30% restantes foram contabilizados com exportações. No total, a produção nacional é uma montanha de 36 milhões de pneus, com 10 milhões distribuídos às montadoras de veículos, 16 milhões de reposição e 10 milhões de exportação.
A opção preferencial e única por Santo André não decorre de qualquer gesto de paternalismo desse executivo que comanda a unidade desde julho de 1997, quando deixou a presidência da companhia no México. Seus argumentos tiveram ressonância junto ao sindicato dos trabalhadores. Sem a colaboração do sindicato, a Bridgestone Firestone teria tomado outros rumos. “Arrumaria as malas se o sindicato não quisesse colaborar” — garante Emkes.
E olha que para tomar outros rumos não é preciso mais que um impulso de pragmatismo, que os resultados dos balanços costumam pressionar. Num mercado onde cada ponto percentual de participação nas vendas significa milhões de dólares, é preciso reunir muita sensibilidade social e confiança nas interrelações entre capital e trabalho para não se deixar seduzir pela guerra fiscal.
A diferença entre a média salarial dos funcionários da Bridgestone Firestone de Santo André e de seus concorrentes favorecidos por incentivos fiscais no Rio Grande do Sul — que começarão a produzir juntamente com as novas montadoras de veículos — chegará a 50%.
Para compreender o que significam 50% de diferença no custo com mão-de-obra basta simples operação aritmética. A média de custo da folha de pagamentos no setor de pneumáticos é de 20% das despesas gerais. Isto quer dizer que a multiplicação desses 20% pelos 50% de acréscimo com os custos trabalhistas do Grande ABC resultam em 10% de desvantagem em relação aos custos totais dos outros competidores.
Nos tempos inflacionários, 10% poderiam ser parcial ou integralmente eliminados com aplicações financeiras mais espertas e uma série de alternativas fora do espectro convencional de administração.
Em tempos de estabilidade monetária, não resta saída senão rebaixar os custos de produção com metodologia, novos processos e equipamentos, organização, empenho, reciclagem profissional, planejamento estratégico, engenharia de vendas e outras alternativas. É isso que a Bridgestone Firestone de Mark Emkes está realizando.
A homenagem prestada pelo Sindicato dos Borracheiros ao executivo é apenas um retalho do imenso tecido cooperativista que tem envolvido empresa e trabalhadores. A própria circunstância em que se deu a inusitada premiação retrata a proximidade entre um capital pressionado por competitividade e um trabalho inquieto com o quadro de desemprego. O encontro de negócios deveria reunir apenas executivos da Bridgestone Firestone e representantes da rede de centros automotivos na paradisíaca Ilha de Comandatuba, na Bahia. Para surpresa dos lojistas, eles dividiram a atenção da empresa com um grupo de sindicalistas especialmente convidados.
Mark Emkes trouxe mais que boas lembranças da Bahia. No amplo gabinete da fábrica da Avenida Queirós dos Santos ele aponta para dois troféus — um entregue pelos revendedores e outro pelos sindicalistas — que simbolizam as marcas mais profundas de seus 18 meses de gestão à frente da Bridgestone Firestone. Num português suficientemente limpo, diz com ênfase, ao segurar à mão o prêmio do sindicato: “Isto vale muito mais que uma bonificação de milhares de dólares eventualmente conquistada por resultados operacionais”. Ao se referir à outra lembrança, falou com simplicidade: “São nossos parceiros indispensáveis, tanto quanto os trabalhadores”.
A popularidade de Mark Emkes entre os funcionários facilita as negociações sindicais. “Temos diferenças com o sindicato, mas nada que não seja contornável” — explica, para desfazer eventual interpretação de que o contraponto da tradicional beligerância entre empresa e trabalhadores na região seja um rasga-seda enfadonho. Mas que Mark Emkes e o sindicato trocam olhares mais que respeitosos, não se pode negar. Tanto que — mais uma vez algo inédito na história sindical da região — até cafezinho o executivo da Bridgestone Firestone tomou no sindicato, convidado que fora para conhecer a sede dos trabalhadores.
Na realidade, o convite para conhecer o sindicato foi um gesto de respeito e de reciprocidade do qual Mark Emkes se fazia merecedor. Ou não é digno de encontros mais amenos, mais descontraídos, mais amistosos, um executivo que tem a sensibilidade de, mês sim, mês sim, receber em seu gabinete um grupo de trabalhadores sorteados no chão de fábrica para falar pessoalmente com o presidente da companhia sobre tudo que quiserem, inclusive de trabalho? E sempre acompanhados por pelo menos um dos integrantes do comitê de fábrica, ligado oficialmente ao sindicato.
Mark Emkes não prescinde de visitas surpresas às linhas de produção, mas são esses encontros mensais com trabalhadores que alimentam sua preocupação em saber com quem está dividindo a responsabilidade de alcançar as metas planejadas.
Essas reuniões são tão informais, tão descontraídas, que até fotos do grupo são distribuídas pelo presidente da companhia. Cada participante ganha uma cópia, que passa a constar do álbum de família. Em todas as poses Mark Emkes tem sempre sorriso nos lábios. Só não se pode dizer que sua presença entre os operários cai naturalmente do ponto de vista estético, porque o estereótipo norte-americano e o terno de executivo o colocam em evidente contraste com os uniformizados e tropicais trabalhadores. É exatamente essa contradição visual que engrandece a lembrança numa folha colorida de papel.
Mark Emkes tem mantido praticamente intacta a lista de trabalhadores da Bridgestone Firestone. Nada mal diante do quadro de demissões que pipocam na economia brasileira. A empresa está numa fase de absorção da cultura de competitividade internacional que se intensificou a partir de 1997, com a chegada de Emkes. Foram alguns anos de preparação para o enfrentamento dos produtos importados e da concorrência interna com grandes investimentos nas linhas de produção.
O executivo lembra que 60% dos trabalhadores já demonstraram empenho e dedicação às novas atribuições que lhes são exigidas. Espera, confiante, que o índice suba a 90%. Quem não se enquadrar, certamente não terá as mordomias oferecidas por esse Schindler do Grande ABC porque, nesse caso, em vez de poupar almas, estaria sacrificando trabalhadores dedicados com a perda de competitividade.
Um relacionamento fundamentado em confiança mútua. É assim que Terezinho Martins da Rocha, presidente do Sindicato dos Borracheiros, define o grau de entendimentos na gestão de Mark Emkes à frente da Bridgestone Firestone. Terezinho está há 12 meses no cargo, mas tem 11 anos de atuação sindical e fala com entusiasmo da aproximação entre empresa e trabalhadores na multinacional de capital japonês.
Bem diferente de outros tempos em que greves eram constantes. “Ele é humilde, respeita o ser humano e com isso conquistou os trabalhadores” — afirma Terezinho. Frase impensável em outros tempos envolvendo um sindicalista para definir um executivo de grande empresa.
O dirigente do sindicato nem se lembra mais da última greve na Bridgestone Firestone. “Acho que aconteceu em 1995, bem antes da chegada do senhor Emkes” — diz.
É equívoco condicionar o clima amistoso entre sindicato e empresa à situação macroeconômica, que ameaça redução do quadro de funcionários nas indústrias. O próprio Terezinho descarta a conjuntura com o argumento de que greves não caíram em desuso no movimento sindical dos borracheiros. “Não fizemos um pacto para evitar greves porque o momento é delicado. Tudo depende da responsabilidade dos empresários. Quem mente para o trabalhador, quem tenta enganar o sindicato, quem quebra a relação de confiança sabe que continuamos decididos a colocar as coisas em ordem. Com a Bridgestone Firestone só temos tido parceria” — garante.
Terezinho Martins lembra a perda de 24 mil postos de trabalho nos últimos seis anos na Grande São Paulo, base territorial do sindicato. Eram 50 mil trabalhadores contra 26 mil de agora, espalhados por 500 empresas das quais metade com mais de 100 funcionários. O Sindicato dos Borracheiros mantém-se politicamente independente. Não se juntou à CUT (Central Única dos Trabalhadores) nem à Força Sindical. Faz críticas e elogios às duas centrais.
As críticas estão direcionadas à pauta política que afirma prevalecer tanto em uma quanto em outra central, em detrimento do dia-a-dia do trabalhador. Os elogios, paradoxalmente, têm origem na razão das críticas e pode levar seu sindicato a decidir-se por uma das duas centrais sindicais: é preciso que os trabalhadores do setor tenham também representatividade junto a escalões de decisões da política econômica para atingir resultados inviáveis isoladamente entre os sindicatos.
O dirigente do Sindicato dos Borracheiros ressalta a importância das relações com a Bridgestone Firestone como farol de novas ações entre capital e trabalho. O entendimento é facilitado pela representação sindical no chão de fábrica e pela disposição ao diálogo revelada desde que Mark Emkes chegou à fábrica: “Ele fez o que nenhum outro se dispôs, isto é, ouvir o trabalhador, conhecer o sindicato, expor idéias e planos. Não é à toa que os trabalhadores resolveram prestar-lhe homenagem. Não foi propriamente uma premiação do sindicato; foi das bases, da comissão de fábrica, o que é muito mais importante” — afirma o sindicalista.
A fórmula compensatória de Mark Emkes para os custos adicionais de produção da fábrica de Santo André em relação à concorrência, e que fortalece sua filosofia de responsabilidade social, é reproduzida pelo próprio executivo: “Se um trabalhador chega em casa e diz para a mulher que seu salário vai ser cortado em 30%, certamente ela vai cortar a cabeça dele. Então a única saída é trabalhar mais, é aumentar a produtividade para compensar esse desequilíbrio” — metaforiza.
É esse o discurso simples e direto que tem transmitido aos trabalhadores e representantes sindicais. É justamente essa meta de produtividade — 30% de ganhos entre 1998 e 2001 — que se torna o desafio de eficiência na empresa. Ainda falta quase toda uma caminhada nesse sentido, porque o aumento da produtividade não teria superado 5% desde as mudanças a partir de julho de 1997.
Mark Emkes é originariamente um profissional de vendas com sensibilidade para lidar com pessoas. Sejam funcionários administrativos e operacionais, sejam empreendedores das revendas autorizadas. Nada escapa a observações. É extremamente prático.
O recrutamento da própria secretária, uma nissei trilingue, foi decidido numa simples apresentação do organograma da empresa. A outra moça que esperava pela entrevista nem foi ouvida depois que a primeira pretendente ao cargo não teve dúvidas em apontar o quadradinho que simbolizava os clientes como foco mais importante para a visão estratégica da companhia. Inclusive acima do espaço reservado ao próprio presidente.
O cuidado dispensado à rede de distribuição está reajustando as linhas de escoamento dos produtos. Ao eliminar grande número de intermediários de vendas entre a fábrica e o varejista, a empresa beneficiou tanto o empreendedor de menor porte quanto o consumidor. “Nosso cliente tem de ter lucro, por isso estamos incentivando que ele seja ao mesmo tempo atacadista e varejista em sua região de atuação” — afirma Emkes, referindo-se aos revendedores. “Quando se depende demais do atacado, se correm mais riscos de perder participação no mercado, porque o varejista sempre tem para quem vender, enquanto o atacadista perde vendas por causa de um centavo” — explica o executivo.
A marca de inovação do presidente da Bridgestone Firestone no Brasil já é visível em 30% da rede de revendedores, inclusive nas nove lojas autorizadas do Grande ABC. As unidades têm formatos fisicamente semelhantes e padronizados. Lojas nas cores vermelho e branco, equipamentos modernos, sala de recepção com monitores de televisão, limpeza, higiene e tratamento cavalheiresco detalham os cuidados da empresa com a agregação de valor a um produto plasticamente idêntico ao oferecido pela concorrência.
Até o ano 2001 a expectativa do dirigente da companhia é contar com toda a rede de centros automotivos estruturalmente harmonizada com o conceito de qualidade total e de sedução ao consumidor.
Mas essa é apenas uma metade da reforma varejista. A outra é que os chamados clientes são tratados como parceiros de verdade. A Bridgestone Firestone fez emergir em seu organograma o gerente de Desenvolvimento dos Revendedores depois que Mark Emkes assumiu a presidência. Seminários, palestras, workshop, tudo que se imagina para levar mais e mais conhecimento sobre o que Emkes chama de negócio de vender pneus faz parte da missão do departamento. “De nada adianta uma revolução interna, com cooperação de todos os trabalhadores, se não estabelecermos uma ponte de conhecimentos com nossos clientes” — explica.
A implantação de novo visual das revendas da Bridgestone Firestone no Brasil é resultado da inauguração de uma loja na Cidade do México, em 1992. A mulher de um lojista sugeriu a Emkes o fim daquele aspecto pouco nobre e dispersivo das fachadas, das paredes e dos equipamentos. Arriscou o aproveitamento das cores-padrão da Bridgestone Firestone de forma criativa e chamativa. Emkes providenciou testes. Uma mesma loja foi pintada várias vezes em vermelho e branco até se encontrar o padrão adequado. “Sugerimos um ambiente de inspiração, não de intimidação” — resume o executivo. Resultado dessa iniciativa: em 1998 os varejistas aumentaram em 10% a participação no mercado de reposição.
A padronização visual invade as ruas de todos os cantos do País onde há a duplicidade da logomarca Bridgestone Firestone, mas não é tudo para Mark Emkes. Ele quer mais. Tanto que a fábrica em Santo André foi inteiramente pintada por dentro e está em fase final a pintura externa, com as mesmas cores e estilo dos centros automotivos. A explicação do comandante da companhia é simples: ele quer que os revendedores, agora com presença constante na empresa, se sintam absolutamente em casa quando chegarem à fábrica.
É por dar ouvidos a todo tipo de idéia que Mark Emkes garante que a porta de seu gabinete está aberta para todos. Recebe pessoalmente os revendedores, além de sistematicamente visitá-los em incursões que lembram suas aparições no chão de fábrica. Quer ouvir queixas, propostas, projetos. Fortalecê-los em suas respectivas regiões comerciais, eliminando o atravessador, foi uma das iniciativas após essas entrevistas.
Emkes parte do princípio acaciano de que a Bridgestone Firestone só será mais forte no mercado de reposição se os responsáveis pela comercialização dos produtos praticarem preços competitivos, se derem atendimento diferenciado, se tratarem cada vez melhor as mulheres que invadiram redutos antes só frequentados por marmanjos, como os centros automotivos.
O relacionamento da Bridgestone Firestone com seus revendedores vai de melhor a melhor, garante Emkes. A premiação recebida na Bahia é prova disso. O crescimento das vendas do varejo num mercado que não avançou uma vírgula no ano passado é outra prova. Estuda-se agora a outorga de certificado de qualidade a todos os centros automotivos que seguirem a filosofia da empresa. Seria uma versão do certificado ISO, mas cujo estofo extrapolaria aspectos meramente técnicos e abrangeria detalhamentos do negócio. Aliás, é para transmitir a experiência do negócio de fabricar e vender pneus que a empresa estreita laços com os revendedores.
A experiência que Mark Emkes vive num Brasil sem inflação e de moeda estável nada tem de parecida com a rápida passagem pela mesma fábrica entre 1989 e 1990, logo depois de a japonesa Bridgestone incorporar a norte-americana Firestone por US$ 2,6 bilhões. Emkes atuou como diretor de vendas, mas aquele foi um período do qual prefere não falar. Trocou o Brasil pelo cargo de presidente da Bridgestone Firestone do México, até que em julho de 1997 foi requisitado a comandar a fábrica de Santo André.
Se Mark Emkes não soubesse o que o esperava no Grande ABC, onde a tradição sindical é uma fonte de interpretações variadas, o carregador de malas do hotel em São Bernardo, onde se hospedou nos primeiros tempos, seria um tradutor catastrófico. “Vixe, o senhor vai trabalhar na Firestone? Te cuida porque o sindicato lá é brabo!” — disse o serviçal em tom de alerta.
Mark Emkes sorri e muda de assunto. Prefere falar sobre o novo Brasil que encontrou, sem inflação e de moeda forte. E resume bem o que muitas vezes diferencia o sucesso do fracasso empresarial: “Antes, com a crise inflacionária, quem se dava melhor era o mais esperto. Muita gente fez dinheiro com os olhos fechados. Não era tão difícil obter lucro. Os níveis de estoques eram estratégicos para render faturamento. Hoje é bem mais difícil. É indispensável saber quanto custa, por quanto pode ser vendido. Tornou-se mais fácil conhecer os custos, mas muito mais difícil rebaixá-los. Quem não tem custos competitivos se complica” — ensina.
A Bridgestone Firestone tem participação de 28% no mercado nacional. Porção idêntica à da Pirelli e da Goodyear. Nem mais nem menos que há 18 meses, quando Emkes chegou a Santo André. Já a fatia do conglomerado multinacional de 41 fábricas no mercado internacional é mais restrita. São 19%. A compra da Firestone fortaleceu a Bridgestone, já que em 1988, quando o negócio foi fechado, as duas empresas acumulavam vendas de 14% do mercado global. À época o negócio foi surpreendente porque não faltava tradição à Firestone, fundada em 1900. Os japoneses da Bridgestone, criada em 1937, sabiam o que queriam.
Competitividade se faz com ganho de escala de produção, com interatividade comercial, com racionalidade de custos em investimentos tecnológicos, entre tantos armamentos defendidos à exaustão por estrelas de administração e que são levadas a sério por empresas de todos os portes, decididas a não naufragar nos mares da internacionalização dos negócios.
O que poderia representar o fim da Firestone em Santo André, uma fábrica caminhando para o obsoletismo tecnológico, traduziu-se em revigoramento com a chegada da Bridgestone e a gestão de Mark Emkes. Investimentos de US$ 30 milhões iniciaram o processo de modernização da linha de produção da Firestone e permitiram o lançamento da primeira unidade produtiva da Bridgestone, de pneus de passeio. Até o final do ano 2000 nova linha de produção Bridgestone estará sendo inaugurada em Santo André. Serão pneus de carga com tecnologia japonesa, da matriz.
Na mesma fábrica de Santo André coexistem dois tipos de produtos. A Bridgestone exala tecnologia de ponta, enquanto a Firestone transpira robustez. Essa diferenciação, um dos fundamentos que nortearam o negócio há 10 anos, acaba por determinar mixagem de conhecimentos e aplicativos simbolizados na participação dos pneus Bridgestone na requintada Fórmula-1 e da Firestone na exigente Fórmula Mundial.
Até o ano 2001 mais US$ 100 milhões serão investidos na Bridgestone Firestone de Santo André. Aí a fábrica terá capacidade adicional de 30%. A modernização nas linhas de produção dos pneus Firestone equilibrou as receitas da empresa no Brasil no ano passado, salvando-a da drástica queda de pedidos das montadoras. Foram exportados dois milhões de pneus de carga e passeio para os Estados Unidos e parte da América do Sul, principalmente para o Mercosul. Esses negócios representaram crescimento da carteira de exportações de 20% para 30% do total do faturamento bruto. A globalização, como se vê, neste caso salvou empregos diretos e indiretos na região.
Investimentos em novos produtos e atualização tecnológica são antídotos eficazes contra recessão no mercado interno quando combinados com ações simultâneas que gerem eficiência, mas Mark Emkes sabe que os números de exportação são o oxigênio de empresas globalizadas. Não fosse assim, não teria por que serem globalizadas. Por isso, a fábrica de Santo André dividirá com a da Argentina, localizada na Grande Buenos Aires, a missão de especializar-se em itens de produção. A ordem é reduzir as modalidades de pneus fabricados em cada unidade. O resultado disso, como se sabe, é a multiplicação da escala de cada produto e, evidentemente, a queda do custo unitário pelo princípio regenerador da produtividade.
Os estudos para a nova engenharia de produção já foram encerrados e ainda neste primeiro trimestre de 1999 a fábrica de Santo André, cuja capacidade é quatro vezes superior à da Argentina, vai se concentrar em pneus de passeio radial, agrícola traseiro, camionete radial e carga radial. Os argentinos vão cuidar de passeio radial, camionete diagonal, carga diagonal e agrícola dianteiro.
Enfim, o que se tem hoje em Santo André é uma fábrica tecnologicamente mundializada ou a caminho da mundialização. Algo de que Mark Emkes fala com orgulho sem, entretanto, afastar-se um milímetro sequer dos compromissos inerentes de um executivo que tem contas a prestar aos acionistas de uma multinacional que faturou em 1998, em todo o mundo, perto de US$ 18 bilhões.
Mark Emkes lembra que a aposta da Bridgestone Firestone em Santo André não desconsiderou a cultura da mão-de-obra no setor de pneumáticos, mesmo diante da realidade de que, por trabalhar anos a fio com máquinas, equipamentos e processos desatualizados em relação ao que se encontrava em mercados abertos, os trabalhadores exigiriam persistente reciclagem.
Mas o executivo também conta com políticas e instrumentos públicos que ajudam a diminuir a desvantagem do custo da mão-de-obra de quem insiste em permanecer na região. Afinal, é impossível desfazer tanta diferença do custo do trabalhador no preço final do produto — aqueles 10% de cálculos aritméticos aparentemente complexos — apenas com produtividade. Até porque a concorrência também está ligada no assunto.
Por isso, os novos investimentos contam com o benefício tributário municipal da chamada Loto Fiscal. Trata-se de versão regional sem o mesmo arranque monetário da guerra fiscal. Pelo sistema, é devolvida à empresa uma pequena parte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) originário da expansão produtiva. Também as obras da Avenida dos Estados, que possibilitaram melhora do recebimento de matérias-primas e do escoamento de produtos acabados, contribuíram para amenizar comprometedores estorvos de infraestrutura. Outra medida que deixa Emkes feliz com a opção por Santo André é a estação aduaneira criada na mesma Avenida dos Estados, que desburocratiza os entraves de importação e exportação.
Cortar despesas onde for possível, em decisões sempre amarradas a uma visão sistêmica da empresa, é o desafio que Mark Emkes e seus colaboradores mais próximos praticam sem cerimônia. O departamento de vendas está se transferindo para Santo André não só porque é muito mais inteligente ter o grupo mais próximo do comando estratégico da companhia, como porque o imóvel alugado em bairro nobre da Capital custa R$ 30 mil por mês. Uma simples conta de multiplicação desse valor e a conversão do final em dólares dá a dimensão do olhar de médio e longo prazo do executivo. Em três anos, serão economizados US$ 900 mil.
Tudo isso conta pontos valiosos junto à base de acionistas para quem desafiou a lógica de lutar pela manutenção de três mil empregos em Santo André. Mark Emkes, 45 anos, metabolizou de tal forma São Paulo e o Grande ABC que transmite a impressão de que não arredará pé daqui tão facilmente.
Chefe de família multinacional, na qual sua nacionalidade norte-americana de Illinois se mistura à espanhola da mulher e às mexicana e brasileira do casal de filhos, Mark Emkes dá prova definitiva de que se sente tão bem por aqui que não lhe resta outra saída senão tornar a Bridgestone Firestone cada vez mais competitiva. Ele decidiu, ao desembarcar em Cumbica, que torceria para valer pelo time do motorista que o conduziria ao hotel. Não deu outra. O motorista era um fanático corintiano.
Mas a paixão por pneus e veículos é mais antiga. Embora tenha nascido em Champagne, Illinois, Emkes se criou no Estado de Indiana, não muito longe do legendário circuito de Indianápolis. Formado em Economia pela Universidade de Depauw, em Indiana, com mestrado em Comércio Exterior pela Escola Americana de Administração Internacional do Arizona, Emkes iniciou carreira internacional na Firestone Internacional em 1976, depois de administrar por dois anos revendas próprias da marca nos Estados Unidos. Durante uma década ele construiu carreira como executivo de vendas tanto no âmbito doméstico americano como na área de exportação, com passagens pelos Emirados Árabes Unidas e Espanha.
Além de presidente da Bridgestone Firestone brasileira, Emkes responde pela vice-presidência corporativa da Bridgestone Firestone Inc., nos Estados Unidos, é membro do conselho de diretores da unidade da Costa Rica e integra uma organização de jovens presidentes de empresas.
Instalada desde 1934 no Brasil, a Bridgestone Firestone acumula produção de 200 milhões de pneus no País. O primeiro pneu fabricado pela empresa em território brasileiro ocorreu apenas em 1941. Era um Brasil muito diferente do atual, com perfil econômico fortemente baseado na agricultura. A urbanização em massa apenas se desenhava e a industrialização era incipiente. Os poucos milhares de automóveis em circulação eram importados. Mesmo assim, a empresa resolveu acreditar no País. A origem de atuação visava o mercado de reposição de pneus para veículos importados. Depois, na década de 50, estabeleceu laços comerciais com as primeiras montadoras que se instalaram no País, iniciando novo ciclo de desenvolvimento econômico que alçou o acanhado Grande ABC à liderança industrial brasileira.
Os investimentos da Bridgestone Firestone não estão circunscritos à fábrica de Santo André e à parceria com revendedores. Um valioso instrumento para otimizar a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos ganha formas em São Pedro, Município do Interior de São Paulo a 200 quilômetros de Santo André, onde está sendo construída uma pista de testes, a oitava da companhia ao redor do mundo.
É o que Mark Emkes chama de um parque de testes projetado para oferecer respostas tecnológicas efetivas às solicitações específicas em matéria de condições climáticas, topografia e vias de rodagem. Quem ganhará com isso serão as montadoras que enxergam muito além das fronteiras brasileiras. Afinal, serão produzidos cada vez mais pneus rigorosamente adequados às necessidades internacionais, principalmente do Mercosul.
O complexo de testes ocupará área superior a 500 mil metros quadrados e estará equipado para averiguar dirigibilidade, aderência, frenagem, quilometragem, níveis de ruído e medições de quaplanagem. As pistas retas, curvas, circulares e em declive permitirão avaliar o desempenho de pneus em piso seco e molhado, com respaldo de sofisticados equipamentos de medição instalados nos veículos. As pistas de testes são complementos importantes dos centros técnicos que a Bridgestone Firestone mantém espalhados pelo mundo. São quatro unidades, uma das quais na fábrica de Santo André.
A Bridgestone Firestone também não se descuida de causas comunitárias. O Teatro Carlos Gomes, em Santo André, patrimônio histórico com arquitetura de rara beleza e que vinha sendo utilizado como estacionamento de veículos, contou com o socorro da companhia. Além disso, a região dispõe do primeiro jornal eletrônico, um painel de prestação de serviços por meio do qual a população acompanha as principais notícias do dia, cotações da Bolsa de Valores, hora certa, temperatura e informações de utilidade pública. Estrategicamente instalado sobre a sede da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), o jornal eletrônico é visto por milhares de pessoas a cada hora.
A ecologia também faz parte do mundo Bridgestone Firestone. Tanto que a empresa se juntou aos movimentos da sociedade em defesa da Represa Billings e marcou presença na Eco 92, ao editar campanha institucional em que borboletas simbolizavam a preservação da vida. Por isso, nada mais natural que a conquista do prêmio Destaque Ecológico 1993, concedido pela Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, a primeira entidade ecológica não-governamental instituída no País há mais de 35 anos.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES