Sociedade

Batida mais
que perfeita

FERNANDO STELLA - 27/07/2005

Em 1976 um jovem de apenas 14 anos colocou anúncio no quadro da escola onde estudava, na Irlanda. O aviso dizia que estava cansado de tocar bateria sozinho e procurava outros músicos para formar uma banda. Após anos de dedicação às baquetas e de persistência para encontrar companheiros ideais, Larry Mullen transformou o U2 em uma das maiores bandas de todos os tempos, com mais de 100 milhões de discos vendidos ao longo de quase três décadas. Caminho semelhante poderá ser trilhado por jovem de São Caetano também aficcionado pelo instrumento composto por caixa, bumbo e pratos. Coincidentemente com a mesma idade, Elóy Casagrande Lopes acaba de ser eleito o melhor baterista do planeta na categoria até 18 anos pela revista Modern Drummer, considerada a principal publicação do gênero no mundo.

O título é resultado de mínimo de três horas diárias de ensaio e teve como complemento a apresentação em maio para platéia de seis mil apaixonados por bateria na cidade norte-americana de Newark, em New Jersey, durante o festival Modern Drummer in Undiscovered Contest 2005. Nesse dia, Elóy dividiu o palco com bateristas consagrados como Ian Pace, do Deep Purple, e Chad Smith, do Red Hot Chilli Peppers. Um estranho no ninho, já que o adolescente foi o primeiro não-americano a conquistar o prêmio. “Isso só aumenta minha energia para me dedicar cada vez mais à música” — garante Elóy Casagrande, que conquistou o festival graças a vídeo de dois minutos gravado na Capital e enviado aos editores da revista americana no começo deste ano.

Mais sucesso 

A rápida turnê em solo americano não se resumiu aos cinco minutos de apresentação em Newark. Três dias após ser aplaudido de pé em um teatro lotado, Elóy mostrou toda a habilidade em lançamento de nova linha de pratos para bateria de uma empresa especializada de Nova York. Ele foi o único músico convidado. “Recebi e-mails de parabenização de locais como Suíça, Japão e Canadá” — comemora.

O início do reconhecimento internacional, entretanto, por pouco não foi adiado. Incentivado a participar do festival norte-americano por meio do amigo e baterista argentino Gustavo Meli, achou que seria complicado conseguir algo tão grandioso para quem ainda está no início da carreira. Elóy havia vencido o nacional Batuka Internacional Drummer Fest, evento idealizado pela baterista Vera Figueiredo, que, entre outros trabalhos, toca na banda Altas Horas, da TV Globo, mas se sentia inseguro. 

O empurrão foi dado pela mãe Maria Lídia, pianista e apaixonada por música clássica. “Ela me incentivou muito. Deu certo” — recorda Elóy. Durante a entrevista, ele fez da mesa uma espécie de bateria e simulou inúmeros exercícios com os pés. 

Herança de família 

O envolvimento com a música não vem apenas do lado materno. Apesar de não tocar nenhum instrumento, o pai Valdir Lopes sempre idolatrou grupos sessentistas como Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath. 

Por isso, Elóy Casagrande cresceu com mistura nada convencional para os padrões musicais. Ele mesclava bandas de rock clássico cultuadas até hoje e que contavam com bateristas acima da média, com temas da Xuxa e do Sítio do Pica Pau Amarelo. 

Isso foi o suficiente para que o estudante da oitava série do Ensino Fundamental do Colégio Arbos se apaixonasse por percussão. A mãe Maria Lídia lembra que quando criança ele só almoçava se fosse permitido usar pratos, talheres e outros objetos para produzir som. Elóy nunca gostou de brinquedos próprios da idade, como as peças de montar Lego. O negócio era mesmo batucar, em qualquer lugar da casa. O pai até o colocou numa escolinha de futebol para conter a hiperatividade. O menino não tinha aptidão para os dribles e chutes ao gol. “Eu corria da bola. O esporte nunca foi o meu forte” — diz.

Primeira bateria 

Aos seis anos ganhou a primeira bateria. Não desgrudou mais das aulas semanais e do treino diário. Um ano depois já tinha bateria profissional, que mantém até hoje montada no escritório da família no Bairro Santa Maria. Nessa mesma época, foi convidado a encerrar a apresentação dos alunos do professor Lenílson da Silva e se animou com os aplausos. Foram os primeiros, antes de a mãe o levar para tocar bateria no coral da instituição Padre Léo Comissari, de São Bernardo. Foi ali que conheceu outros músicos jovens e formou a primeira banda da carreira: o Devans. O nome deriva do fato dos integrantes sempre se locomoverem até os locais de show em uma van.  

Enquanto ensaia os primeiros passos na carreira internacional, o adolescente se adapta aos holofotes do sucesso em solo brasileiro. Aparição em programas de TV não é novidade para Elóy. Ele foi vencedor há dois anos do quadro Se Vira nos 30, do programa Domingão do Faustão da Rede Globo, onde tocou em bateria de apenas 20 centímetros de altura por 13 centímetros de largura. 

Antes havia participado do extinto Eliana & Alegria, da TV Record, Superpop, da Rede TV!, e Domingo Legal, do SBT. Isso sem contar as aparições nos inúmeros workshops para bateristas em cidades como Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e Atibaia e Suzano, em São Paulo. “Também participei de apresentações de empresas como Basf, General Motors e Grow Brinquedos” — acrescenta Elóy.

Treinamento diário 

Elóy Casagrande não se enquadra no padrão de sua geração. Enquanto a maioria dos jovens está antenada em jogos de video-game e computadores, ele foca no treino diário de três horas de bateria. Em vez de gibis, somente revistas de todos os cantos do mundo sobre o instrumento. Nada de Sandy & Júnior, Detonautas ou CPM 22. No CD Player, somente as bandas internacionais Rush ou Dream Theater e a nacional Angra. Desenho animado nem pensar. A TV de Elóy exibe DVDs sobre os melhores bateristas do planeta. “Não posso perder tempo. Preciso aprender mais a cada dia” — fala Elóy, que passa horas na Galeria do Rock, na Capital, para escolher um CD. De percussão, claro!

Além do Ensino Médio, Elóy frequenta semanalmente aulas de inglês. O restante do tempo é dedicado às aulas com o baterista da banda brasileira Angra, Aquiles Priester. Elóy está nas mãos do baterista do grupo segundo colocado em vendagens de CDs no Japão e o considera responsável pela melhoria de postura, de leitura musical e até por tocar com mais firmeza. 

O Angra é uma banda de heavy metal melódico e, além da batida comum nesse estilo de música, o jovem aprende baião, maracatu e samba. “O bom baterista precisa conhecer todos os ritmos” — define Elóy Casagrande, que por causa da idade assistiu apenas cinco shows até hoje, três dos quais do Angra.



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