Imprensa

LivreMercado jamais caiu na
enrascada de "The Economist"

DANIEL LIMA - 25/01/2017

Os atuais prefeitos da Província do Grande ABC têm muito a aprender caso se dediquem à leitura obrigatória da retrospectiva mensal de 20 anos da melhor revista regional que este País já conheceu. LivreMercado, que criei e dirigi por duas décadas, é antecessora desta revista digital. Começamos nesta semana a destrinchar LivreMercado. Garanto aos leitores em geral e aos agentes públicos em particular que todos terão muito a somar para aplicação nas próximas temporadas. 

Tenho um compromisso comigo mesmo de jamais omitir qualquer matéria relevante publicada na revista LivreMercado. Sei que vou me defrontar com equívocos. Entretanto, como tenho reiterado, nossos foram registrados quando baixamos a guarda da desconfiança que deve prevalecer na prática de jornalismo e, com isso, nos deixamos levar por promessas mirabolantes, principalmente de agentes públicos. 

Cumprimos àquelas ocasiões o dever de produzir informação. Como não temos poderes mediúnicos e tampouco qualquer relação mais direta com o todo-poderoso a ponto de nos cochichar aos ouvidos o futuro, caímos do cavalo. 

Escorregadela histórica

Mas jamais caímos no enrosco daquela revista britânica – The Economist – que elevou o governo Lula da Silva literalmente às alturas, na força de um foguete, e tempos depois, com a continuidade do governo petista, agora com a intrépida Dilma Rousseff, voltou a registrar em Reportagem de Capa o fracasso daquele foguete, agora em parafuso.

Sim, em novembro de 2009 a revista britânica estampava na capa a imagem de Cristo Redentor alçando voo do Corcovado, abaixo de uma chamada de dar orgulho a qualquer brasileiro: “O Brasil decola”. Quatro anos depois, a publicação já via dúvidas sobre a decolagem brasileira. A nova edição da revista trouxe na capa “O Brasil estragou tudo”. Cristo apareceu caindo, depois de fazer um voo torto pelos céus. 

LivreMercado jamais deixou escapar entre os dedos da inquietação permanente qualquer boa notícia que merecesse Reportagem de Capa sem que contrapusesse o quadro histórico de desindustrialização comprometedora. Não derrapamos uma vez sequer em quase 20 anos na casca de banana da macroeconomia e da microeconomia e seus efeitos regionais. 

Erramos no varejo e acertamos sempre, sempre e sempre no atacado. Fomos nós que descobrimos a desindustrialização, da qual não arredamos pé jamais porque a desindustrialização se aprofundou com seus danos colaterais subestimados pelos mandachuvas e mandachuvinhas -- inclusive da Imprensa regional, encabrestada pelas forças de pressão. 

Ambiente diferente 

A edição de janeiro de 1997 de LivreMercado, que reproduzimos em texto específico nesta semana, é simbólica do quanto acreditávamos nas diretrizes desenhadas para que a Província do Grande ABC (então apenas Grande ABC) se mobilizasse em direção a um futuro que jamais chegou. 

Outras edições dessa retrospectiva seguirão as mesmas pegadas. Mas também não faltarão textos mais diretamente analíticos -- produzidos pela equipe de jornalistas que dirigia e também por mim, a quem cabia a retaguarda conceitual -- os quais lançavam interrogações e também respostas aos então agentes públicos e privados que dominavam a região. 

O que tornou LivreMercado a melhor publicação regional do País não foi a plástica de diagramação supostamente moderna e tampouco o acabamento gráfico. LivreMercado sempre se caracterizou pela sisudez e até mesmo pela falta de sofisticação física, ingredientes que, quando abundantes, geralmente procuram esconder deficiências de conteúdo. Há revistas que têm parentesco com árvore de Natal mas são vazias, provincianas. 

Tínhamos um orçamento curto. Priorizávamos investimentos  na produção editorial e mesmo assim com comedimento. A área editorial de LivreMercado custava bem menos que a Editoria de Economia do Diário do Grande ABC, por exemplo. E dávamos um show de bola neles. Seguíamos à risca a demanda dos leitores -- quem procura uma publicação  quer mesmo é saber dos insumos editoriais. Esses jamais se desidratam. Principalmente nestes tempos de digitalização. Tanto que o conteúdo de LivreMercado está aí ao escrutínio dos leitores.

Frustração inegável 

Por isso, inclusive, estou a resgatar a cada dia todas as matérias que considero importantes para quem estuda a região mais detalhadamente. É um trabalho que exige disciplina, determinação e renúncia a muitos atrativos do cotidiano. Mas que vale a pena. 

Quando alguém disser que LivreMercado jamais terá concorrente, não se tratará de bravata. Bastará procurar estas páginas. Os textos estão sendo transpostos metodicamente a este endereço editorial. Mas é a coleção física, de que disponho em meu arquivo, que dá a exata dimensão daquela publicação. Folhear cada edição é imergir no que há de mais encantador no jornalismo regional. 

Um encantamento que se mistura a decepções, claro. O futuro da retrospectiva a qual estamos a nos dedicar para trazer ao presente os 20 anos passados vai desencadear sentimento enorme de frustração. Somos todos frustrados, nós que vivemos a explosão do Fórum da Cidadania na ultima década do século passado, nós que vimos Celso Daniel criar o Clube dos Prefeitos, a Câmara Regional, a Agência de Desenvolvimento. Nós que vimos uma montanha de agentes sociais dispostos a mudar o ritmo da chuva. 

Sugerir aos prefeitos atuais (e também aos agentes públicos em geral, sobretudo os secretários de Desenvolvimento Econômico) que leiam todos os meses a retrospectiva que estamos publicando é mais que um convite, é uma imposição de pauta que os beneficiariam tremendamente. 

Não repitam no presente os erros do passado. Não industrializem soluções de papel. Conheçam a fundo os motivos dos fracassos do passado para não transformarem as novas gerações em novas cobaias de desilusões. 

Projetos desfeitos 

A matéria que publiquei esta semana e que resume a edição de janeiro de 1997 da revista LivreMercado mostra objetivamente que vivíamos um ambiente regional de esperança razoavelmente encaminhadora à consecução de grandes inovações na esfera pública e também no setor privado. 

A vitória eleitoral de Celso Daniel no ano anterior e a criação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, imitada pelos demais eleitos na região, convergiam a uma perspectiva mais que interessante. 

O então badalado Nelson Tadeu Pereira, egresso de um Grupo Rhodia poderosíssimo, transmitia a sensação de que finalmente teríamos encontrado um ponto catalizador de grandes mudanças econômicas. 

Tínhamos naquela reta de chegada da última década do século passado o entusiasmo de quem apostava tudo na reviravolta regional, apesar das perdas continuadas da indústria. 

Tínhamos, portanto, um campo aberto a conjecturas. Hoje, 20 anos depois, somos completamente dominados pelo desânimo institucional. Perdemos o eixo que nos conduziria a um futuro menos sombrio. 

Se os atuais agentes públicos, empreendedores e sociedade em geral pretenderem vivenciar ou legar a seus filhos e netos uma Província do Grande ABC menos negativamente impactante do que hoje em relação a 20 anos passados, é obrigatória a incursão mensal à retrospectiva de LivreMercado. 

São ensinamentos que jamais poderão ser desprezados. Os personagens da vida regional nas ultimas décadas estão em cada parágrafo daquele material jornalístico. Eles construíram a recente história da região. Eles sentiram na pele a dor do esvaziamento econômico e da quebra da mobilidade social. 

Nenhum outro veículo de comunicação da região, absolutamente nenhum, além de LivreMercado, retratou tão bem e com ampla independência as fundas transformações por que passamos.

Mais que declarações 

Jamais abdicamos do jornalismo moderno que ainda não foi captado pelos veículos locais e de tantas outras fronteiras igualmente retrógradas. Entenda-se como jornalismo moderno, inquestionavelmente moderno, o jornalismo que não se resume jamais a transferir para o papel ou para as telas de plataformas digitais declarações de terceiros sem contextualizá-las. E, mais que isso, um jornalismo que faz proposta, que idealiza um futuro factível, um jornalismo que não se contenta em ser mero reprodutor de informações de terceiros. 

A criação de um espaço editorial chamado “Entrevista Indesejada” nesta revista digital é o paroxismo da interpretação dos fatos. O ambiente de torcida organizada que invariavelmente contamina a mídia regional nas relações com os mandachuvas e mandachuvinhas de plantão faz muito mal à cidadania. 

Portanto, os 20 anos de LivreMercado que estamos a resgatar não são, como os ignorantes imaginam, apenas a transposição mecânica e acrítica do que vivemos no passado que embalava sonhos de mudanças que jamais chegaram. Trata-se de compromisso com o futuro de sustentar um jornalismo sempre prospectivo na idealização de uma região menos fragmentada e jogada às traças da responsabilidade social.

LivreMercado e CapitalSocial são irmãos siameses de uma provocação contínua – é indispensável que se respire indignação, inconformismo, rebeldia, para evitar que se acentue ainda mais a farra do individualismo numa Província que perdeu o rumo e o prumo, além da vergonha, claro. 



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