Pretendia iniciar os registros e a contagem da segunda edição do Observatório de Promessas e Lorotas em duas ou três semanas, mas não dá mais para esperar. O secretário de Desenvolvimento Econômico de Santo André, Ailton Lima, está chutando a jaca de especulações e coloca a Administração do tucano Paulinho Serra em situação delicada.
Pouco mais de um mês após tomar posse, Paulinho Serra contabiliza três registros de lorotas. Já tem passivo de 60 pontos. Se não cortar as penas da autonomia declaratória sem limites do secretário que está de olho nas urnas eleitorais em 2018, Paulinho Serra se verá em maus lençóis.
O antecessor de Paulino Serra, petista Carlos Grana, seguiu o receituário de liberalidade total e se deu muito mal. Tornou-se campeão de promessas entre os sete prefeitos que dirigiram os municípios da região até dezembro do ano passado. Luiz Marinho, então prefeito de São Bernardo, foi o campeão de lorotas. Marinho propagou em manchetíssima de primeira página do Diário do Grande ABC de outubro de 2011 a construção de um aeroporto internacional em plena área de proteção ambiental.
Decidi começar agora os registros de promessas e lorotas da nova edição desse observatório que é uma novidade no jornalismo brasileiro (seguido agora pela Folha de S. Paulo, que vai monitorar os anúncios do marqueteiro João Doria, prefeito da Capital do Estado). Não dá mais para esperar, como pretendia inicialmente. Ailton Lima está a exagerar no direito de livre expressão do pensamento e de um planejamento ao que tudo indica rastaquera.
Dose tripla de lorotas
O secretário de Desenvolvimento Econômico escolhido pelo prefeito Paulinho Serra não se deu conta de que pode proporcionar espetáculos midiáticos cada vez mais desclassificatórios caso imagine que suas declarações serão intocáveis junto à sociedade. Não é assim que se prepara o futuro. Não vamos lhe dar trégua da mesma forma que não demos a tantos outros secretários de tantas pastas que atuaram até dezembro na região.
Decidi enquadrar como lorotas as três propostas anunciadas nos últimos dias por Ailton Lima ao invés de cadastrá-las como promessas (que custam 10 pontos negativos individualmente) porque não existe fundamentação técnico-legislativa a econômico-financeira a avaliá-las de maneira menos drástica.
O que Ailton Lima preparou para consumo dos leitores do Repórter Diário de anteontem foi amplamente superado pelo que disse hoje ao Diário do Grande ABC, mas as três iniciativas têm o mesmo padrão: o ex-vereador de Santo André parece disposto a ocupar espaço na mídia a qualquer custo. Talvez não se tenha dado conta de que está a flertar com o ridículo, compartimento no qual inserimos as propostas que ganham o rótulo de “lorotas”.
Olha a legislação
A primeira proposta que virou lorota no Observatório criado por este jornalista em agosto de 2013 refere-se à iniciativa de atrair investimentos a Santo André com base na redução dos valores do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).
Primeiro é preciso levar em conta que isoladamente ou mesmo em conjunto com algumas outras medidas tópicas o IPTU não sustentaria a recuperação econômica de Santo André. Os valores supostamente descartados pelo Poder Público são baixíssimos demais em relação ao conjunto de medidas que os municípios de maneira geral oferecem para atrair empresas produtivas. Trata-se, portanto, de espalhafato sem densidade à reorganização e repotencialização da economia de Santo André.
Mas há ponderação ainda mais grave: nenhum Município pode abrir mão de receitas tributárias sem correspondente compensação, sob pena de infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. No caso de redução de valores do IPTU, a proposta do secretário Ailton Lima tem altíssimo potencial de infringir a legislação. Tanto é verdade que se fosse prática viável, teria virado lugar-comum entre os gestores públicos municipais.
Concorrência pode judicializar
Há também uma terceira vertente que dinamita a proposta do secretário de Desenvolvimento Econômico de Santo André. Qualquer iniciativa para minimizar o custo de imposto municipal na grade de novos investimentos poderá ser judicializada pelos concorrentes. Afinal, os supostos beneficiários passariam a deter vantagem competitiva -- mesmo sem grande expressividade -- em relação aos empreendimentos já instalados e que não se encaixariam nos procedimentos legais para gozarem de política tributária de exceção.
É muito provável que o secretário Ailton Lima tenha ouvido o galo de benefícios tributários cantar em outra freguesia e não se tenha dado conta de contextualizar estruturas geoeconômicas distintas, empacotando-as. Num Município sem grande massa de empreendedorismo ou que tenha determinadas atividades econômicas de precária representação é possível aplicar políticas tributárias seletivas que não afetem a base instalada em termos de competitividade, bem como de recursos públicos já contabilizados.
Pequenas cidades do Interior de São Paulo aplicaram medidas que estimularam a ocupação principalmente industrial porque não criaram embaraços legais aos próprios cofres públicos como também a empresas do mesmo setor. Não seria o caso de Santo André ou de qualquer Município da região, que já contemplam gama imensa de empreendimentos cujos interesses conflitariam se houvesse carga de privilégios fiscais.
Polo de parcerias?
As outras duas lorotas já catalogadas no Observatório de Promessas e Lorotas foram publicadas na edição de hoje do Diário do Grande ABC, sob o título “Sto. André prevê PPP para salvar parque tecnológico”. “Antes de explicar as razões que me levaram à “lorotização” das propostas, reproduzo os principais trechos da matéria do Diário do Grande ABC”:
A Prefeitura de Santo André tornou oficial a possibilidade de realização de PPP (Parceria Público-Privada) como alternativa para viabilização do parque tecnológico cujo projeto está parado há pelo menos sete anos. Secretário Municipal (...). Ailton Lima revelou ao Diário que a alternativa está sendo estudada diante do risco de a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, ligada ao Consórcio Intermunicipal e gestora do projeto, não ter recursos para tirar o empreendimento do papel. (...) “A Prefeitura tem responsabilidade e compromisso em tirar o parque do papel. Para que isso ocorra, o governo tem de ser protagonista nesse processo. Os formatos para construção de parques como este não estão mais presos aos modelos antigos, que dependiam de recursos públicos. Hoje há muitas possibilidades como a participação da indústria privada, através de PPP”, explicou Ailton, ao completar que a Administração ficar “esperando quando vai ter verba para gastar, acaba não fazendo nada”. (...) Futuro responsável pelo turismo na cidade – a pasta será alocada à Secretaria de Desenvolvimento – Ailton também prevê crescimento turístico da Vila de Paranapiacaba. “As ações que envolvem a região, como os festivais de Inverno e do Cambuci, são corriqueiras, mas ainda são pequenas. É preciso dar uma chacoalhada e implantar, por exemplo, redes hoteleiras para atrair as pessoas a visitarem e se hospedarem lá”—publicou o Diário do Grande ABC de hoje.
Modelo improvável
Também enquadrei as duas propostas como lorotas porque não passam mesmo disso. Até prova em contrário. E prova em contrário quando se trata de diagnosticar o que é promessa e o que é lorota não é tarefa fácil. Nenhuma das propostas que constaram da primeira edição do Observatório de Promessas e Lorotas ultrapassou o terreno de promessa ou lorota. Pode parecer repetição de palavras, e deve mesmo parecer, mas é o martelar de uma e de outra que consolida o resultado final.
Sobre a Parceria Público-Privada para o Polo Tecnológico de Santo André, nada mais ilusionista. Não é esse o modelo adotado pelo governo do Estado porque as respostas dos empresários são sempre reticentes ante tentativas de sensibilização.
No caso específico de Santo André e da região, que há mais de uma década debatem o assunto, tudo parece ainda mais desestimulante. Estamos fora da rota de investimentos das companhias privadas por série de razões sobre as quais já escrevi dezenas de artigos. Em resumo, não temos competitividade sistêmica. Ailton Lima desconsidera tudo isso e simplifica o que é complexo. Típico de quem não é do ramo.
Anedota e lorota
Já a constituição de uma rede hoteleira na Vila de Paranapiacaba é uma proposta que tanto pode ser chamada de estapafúrdia como de fantasiosa. Não tem viabilidade econômica. A Vila de Paranapiacaba é um cantinho importante na história regional mas sem musculatura para despertar turismo de massa que compense investimentos hoteleiros. Basta perguntar aos donos das modestas pensões da Vila o quanto sofrem com o pinga-pinga inexpressivo de turistas.
Também por conta de enorme feixe de ramificações estruturais, as quais passam inclusive pela própria posição geográfica e as dificuldades logísticas, a Vila de Paranapiacaba não exerce qualquer interesse dos donos do dinheiro na área de hotelaria.
A proposta do secretário Ailton Lima poderia ser admitida a numa roda de amigos em forma de anedota. Como peça de projeto de secretário municipal, entretanto, só pode ser compreendida como lorota. A diferença entre anedota e lorota é que a primeira provoca gargalhadas saudáveis e a segunda certa dose de indignação.
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