Imprensa

Quando o Água Santa vai ser
um clube profissional de fato?

DANIEL LIMA - 03/02/2017

Não tenho simpatia pela direção do Água Santa de Diadema, clube tão enigmático quanto surpreendente. Enigmático na porção que lhe compete de demonstrar o aparato organizacional que garante autonomia econômica e financeira tão grande que é capaz de construir um estádio num piscar de olhos. Surpreendente porque subiu como meteoro na hierarquia do futebol paulista em anos seguidos de vitórias e conquistas, até chegar à Série A, de onde foi devolvido à Série B na primeira temporada de que participou sem, contudo sugerir que deixará de lutar para voltar logo-logo ao topo. 

A direção do Água Santa não preza os jornalistas, mas os jornalistas temem criticar a direção do Água Santa. Não só os jornalistas temem o Água Santa. Não conheço uma viva alma no futebol paulista que não se refira ao Água Santa como algo estranho, do qual o melhor mesmo é se afastar. O Água Santa conta com imunidade crítica corporativa fora de campo e benevolência dentro de campo. 

Agora mesmo na Copa São Paulo de Futebol Júnior, o presidente do Água Santa, que não é flor que se cheire quando se mete nas vestimentas de cartola, agrediu o árbitro por não concordar com a anulação de um gol irregular. Está suspenso por 180 dias, mas a equipe, ameaçada com cinco anos de eliminação, disputará aquela competição sem contratempos.  A direção do Água Santa precisa compreender que futebol não é um jogo em que as leis são subjugadas a interesses particulares. O ambiente de terror no Inamar quando o Água Santa enfrenta adversários que lhe opõem resistência, e mesmo o superem, é surradíssima arma que não cabe no futebol profissional. 

Caldeirão ilhado 

Tenho restrições ao presidente Paulo Sirqueira porque ele chutou quase que literalmente vários jornalistas e radialistas que, ano passado, ousaram ocupar uma cabine supostamente destinada aos profissionais de comunicação. Estava eu entre os profissionais de mídia. O jogo programado contra o São Caetano numa tarde de um dia de semana foi uma odisseia antes mesmo de começar. Chegar ao Estádio Distrital do Inamar, onde o Água Santa manda jogos, é uma loucura. 

Recomenda-se o uso de taxi. Quem decidir ir de veículo próprio vai encontrar dificuldades incontornáveis. Não há estacionamento nas dependências do estádio e tampouco no entorno.  O estádio do Água Santa é uma espécie de caldeirão cercado de casas por todos os lados. 

A retirada dos profissionais de comunicação da cabine supostamente reservada à categoria foi proposta de forma coercitiva pelo próprio presidente. Estávamos todos prontíssimos para acompanhar a disputa quando ele apareceu com gestos e vocabulário autoritários. Se engrossássemos certamente pagaríamos caro. O presidente falou com a convicção de que contava com aparato de auxiliares prontos para que a determinação fosse cumprida. Só faltou nos chutar os fundilhos. Argumentou o presidente que amigos e convidados tinham prioridade.  

Medidas desprezadas 

Pensei que o presidente do Água Santa houvesse tomado medidas para melhorar as instalações à Imprensa e o comportamento pessoal após o Estádio do Inamar passar por reestruturação física à disputa da Série A, ano passado. Companheiros da Imprensa regional apontam que nada mudou. Quem foi ao jogo do meio de semana entre Água Santa e Juventus, pela Série B do Paulista, voltou indignado. Um assessor direto do presidente do clube de Diadema usou a mesma diplomacia de brutamontes daquela tarde em que ali estive. 

Jurei por todos os juros que jamais voltaria ao Estádio do Inamar. Espero honrar a palavra. Não só a palavra. Também confesso publicamente que não tenho a menor simpatia pelo clube. Respeito sua fiel e barulhenta torcida, mas não sou hipócrita. Quero que o Água Santa se exploda dentro de campo. Até o dia em que o presidente compreenda que a Imprensa não é peteca que ele pode jogar para um canto e outro, ao sabor dos amigos que o visitam em dias de jogos.

Infelizmente, não se fazem mais radialistas e jornalistas como antes. Ou a maioria ficou covarde ou não conta com respaldo das respectivas corporações que representam. Talvez as duas coisas. Não é possível calar-se ante reincidentes arbitrariedades do presidente todo-poderoso e seus asseclas. 

Até que ponto vamos continuar a assistir um festival de conformismo ante informações que colocam a direção do Água Santa em desconfortável patamar de respeito às regras do jogo dentro e fora de campo? 

Por que tanto temor? 

Quando ainda outro dia o presidente do Sindicato dos Árbitros de Futebol do Estado de São Paulo afirmou oficialmente que não temia a direção do Água Santa, no desabafo contra a agressão física a um de seus associados. Por que é necessário ter coragem para contrapor-se ao mandonismo daquele dirigente?

Gostaria imensamente de poder torcer pelo Água Santa de Diadema, mas não o faço mesmo porque não sou exemplo de incoerência e insensatez. Um dirigente máximo de um clube insensível  às funções de profissionais de comunicação não pode contar com uma extensão mesmo que contida de torcedores, por mais que o jornalismo nos ensine a separar uma coisa da outra, ou seja, torcida e crítica. 

Quem é do ramo e faz do ramo algo sério sabe é perfeitamente possível essa separação de corpos. Tenho minhas torcidas, mas meu lado profissional me açoita caso transija. A missão de ver o jogo como crítico e não como torcedor é impositiva. Dolorida, claro, mas impositiva. Com o Água Santa meu sentimento é sempre de torcer contra.  

Também não sou muito chegado ao São Bernardo, mas aí a história é outra. Não me conformo ao ver a equipe destinar ao camisa 13 para o ex-presidente Lula da Silva, numa das maiores bobagens de marketing que uma diretoria poderia ter cometido em troca do apoio do PT. 

O então presidente Luiz Fernando Teixeira, deputado estadual petista e presidente oculto porque é seu filho que oficialmente comanda a equipe, não sabe o tamanho da barbeiragem que cometeu. O São Bernardo poderia ser um time de toda São Bernardo, mais virou o time do Partido dos Trabalhadores. A estupidez é maior ainda quando se sabe que a agremiação é uma empresa privada, embora o interesse que a enfeixe seja público. E sentimental, claro. 

Torcer e analisar 

Não voltei ao Estádio Primeiro de Maio desde que, num jogo contra adversário que não resgato na memória, as cabines de imprensa estavam coalhadas de políticos e assessores de políticos, todos petistas. Não havia lugar para jornalista trabalhar. Possivelmente o Água Santa, por motivo diverso, tenha feito pós-graduação com a direção do São Bernardo. 

Também não torço contidamente ou não pelo São Bernardo, mas sei separar as coisas. Quem tiver a curiosidade de ler o que escrevi durante a Série A e a Série B do Campeonato Paulista do ano passado (veja um link abaixo) vai notar que elegi o São Bernardo o melhor representante da região daquela temporada e também escolhi quase toda a Seleção Regional tendo os jogadores do São Bernardo como base. 

Sei que idiotas juramentados são incapazes de entender como alguém pode desgostar de um time como pessoa física ou mesmo como pessoa jurídica e, mesmo assim, separar os sentimentos e analisar os jogos com isenção. Muitos não entenderão exatamente porque não são jornalistas de verdade, não arremedos sob controle de cartolas. 

Para valer mesmo, torço por dois representantes da região no futebol profissional: o Santo André que acompanho desde quando cheguei do Interior de São Paulo, e o São Caetano de extraordinária história durante um período em que transformou times grandes brasileiros em coadjuvantes. 

Entretanto, não foram necessariamente apenas os valores tangíveis e intangíveis dentro de campo que me levaram a apreciar o Ramalhão e o Azulão. Pesa sobretudo o conjunto de dados, de informações, de emoções e de sentimentos que formam o enredo de cada clube. 

Dirigentes do Santo André e do São Caetano sabem o quanto são valiosos os espaços jornalísticos. O São Bernardo e o Água Santa ainda têm muito a aprender. O São Bernardo, a começar, ao extinguir essa burrice de camisa 13 de Lula da Silva. Poderia ser de qualquer outro político, de qualquer cor política, que seria estupidez. O Água Santa, claro, a tratar os jornalistas e os radialistas com educação. A fama de violento que gerou o que muitos chamam de lendas urbanas mas que parece não ser tão lendas assim jamais dará sustentação a uma trajetória de sucesso ao longo dos tempos. 

O Água Santa precisa ser um clube profissional por inteiro, não apenas na engenharia de composição de equipes fortes dentro de campo. O São Bernardo precisa jogar as traças políticas às favas. 

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São Bernardo e Água Santa: tudo é questão de meritocracia 



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