Economia

Entenda o capitalismo de
terceira classe do Grande ABC

DANIEL LIMA - 10/01/2001

O capitalismo de terceira classe ocupa um terço da economia do Grande ABC. As 295 mil pessoas desse cinturão são predominantemente homens, chefes de domicílios e têm escolaridade inferior aos protagonistas do capitalismo do andar de cima, formado pela primeira classe de quem está no raio de ação direta das montadoras de veículos e das autopeças sistemistas e pela segunda classe dos demais trabalhadores de atividades menos generosas em salários. Já os desempregados — 212 mil pessoas, segundo as últimas estatísticas — integram o que pode ser chamado de capitalismo de quarta classe.

Composto por autônomos, pequenos negócios com até cinco funcionários e assalariados familiares ou não, o capitalismo de terceira classe do Grande ABC difere pouco do capitalismo de terceira classe da Região Metropolitana de São Paulo: é fortemente informal, isto é, vive em larga escala à margem da legalidade dos negócios e tem 74% de seus ocupantes distante da Previdência Social. Para produzir esta reportagem, interpretei detidamente estudo divulgado no mês passado pela Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC e produzido por João Batista Pamplona, coordenador de pesquisas da entidade e professor doutor do Departamento de Economia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

O resultado da pesquisa do professor João Batista Pamplona apresenta estreita relação com o acompanhamento histórico da economia do Grande ABC, bem como suas repercussões sociais. Embora em nenhum parágrafo o autor do trabalho faça mergulho mais profundo sobre as origens dos resultados que escancaram o empobrecimento do Grande ABC ao longo dos anos 90, a realidade é que o peso do Estado brasileiro, cuja carga de impostos atinge perto de 33% do PIB (Produto Interno Bruto), está intimamente ligado às dificuldades dos empreendedores autônomos e dos pequenos negócios familiares, como poderia ser resumido o quadro pesquisado.

Título inadequado

O título do documento apresentado pelo professor Pamplona (O Setor Informal na Região do Grande ABC Paulista) não corresponde necessariamente ao objeto de estudo. Afinal, não se trata de análise exclusiva da economia informal, já que parte da economia formal também integra as estatísticas. O universo pesquisado contempla 295 mil pessoas ocupadas no Grande ABC no biênio 1998-1999, ou 32% do total de ocupados. Desse total, nada menos que 55% (161 mil) são autônomos, 18% (53,1 mil pessoas) são empregadores e donos de negócios familiares, 21% assalariados (ou 62 mil pessoas) e 7% (ou 20 mil pessoas) trabalhadores familiares.

O setor de serviços reúne a maioria desse contingente (59%), contra 28% do comércio e apenas 9% da indústria. Ou seja: dos protagonistas do capitalismo de terceira classe do Grande ABC, 87% estão no setor terciário. O dado expõe em números o que se conhecia por realidade prática: os demitidos industriais (foram 125 mil com carteira assinada entre 1989 e 1997, segundo dados do Ministério do Trabalho) deslocaram-se em massa para o ramo de serviços. Trata-se de atividade de baixíssimo valor agregado porque o Grande ABC ainda não conseguiu fomentar vocações que reduzam o impacto dos salários e benefícios aos quais ex-trabalhadores estavam acostumados no setor industrial de primeira e de segunda classe. Isso quer dizer que é forte o impacto material e psicológico sobre a massa de ex-trabalhadores formais rebaixados ao capitalismo de terceira classe. Turismo de negócios, informática, biotecnologia, telecomunicações, consultoria financeira, jurídica e empresarial, além de química fina são alguns dos setores industriais e de serviços inexistentes ou pouco expressivos numa região estruturada pela Velha Economia, sobretudo dos setores metalúrgico e de mecânica pesada.

A inadequação do título do trabalho do professor João Batista Pamplona se espalha também para a definição desse numeroso exército de empreendedores e empregados do capitalismo de terceira classe. Ao conceituar esse universo de setor informal, Pamplona argumentou equivocadamente que o conjunto de unidades de produção pesquisado não se enquadra no critério capitalista.

“Para nós, a forma de organizar a produção define o setor informal. Sendo assim, são informais os trabalhadores das unidades de produção não tipicamente capitalistas no interior do capitalismo. O conjunto dessas unidades de produção compõe a economia informal. Nelas há reduzida ou nenhuma separação entre trabalho e propriedade dos meios de produção (o proprietário trabalha diretamente na produção com ajuda frequente de familiares e, em alguns casos, com poucos assalariados). O trabalho assalariado não constitui a base do funcionamento destas unidades. As unidades produtivas informais não são plenamente capitalistas também porque a taxa de lucro não é a variável chave de seu funcionamento, e sim o rendimento total de seu dono. A prioridade é a manutenção da família, para só depois vir a manutenção do negócio ou a preocupação com retornos de investimento. O principal objetivo dessas unidades é criar emprego e renda para os envolvidos. Via de regra, não há acumulação. Quando isso ocorre, pode deixar de ser informal” — argumenta o professor da PUC São Paulo.

Mais Pamplona

Nos parágrafos seguintes, escreve: “As unidades produtivas informais são de pequena escala, com certo predomínio de unidades unipessoais. O nível tecnológico e a relação capital/trabalho tendem a ser baixos, o processo tecnológico tende a ser simples. As unidades informais atuam normalmente em mercados competitivos, nos quais há facilidades de entrada. A economia informal é subordinada (no sentido de ser vinculada e não necessariamente explorada) pelo núcleo capitalista (economia formal), tendo seu crescimento dependente da dinâmica deste. A produção informal ocupa os interstícios da produção capitalista. A informalidade é uma forma de produzir caracterizada fundamentalmente pela existência do auto-emprego. A unidade produtiva informal funciona para fundamentalmente garantir um emprego, e obviamente uma renda, para seu proprietário, que nela trabalhará diretamente e controlará seu próprio processo de trabalho. Valorizar o capital não é o principal objetivo. O negócio informal é antes de tudo uma forma de criar o próprio emprego do seu proprietário. Sendo assim, serão por nós considerados componentes do setor informal no ABC os seguintes grupos de trabalhadores: autônomos (ou conta própria), assalariados em empresas com até cinco empregados, empregadores com até cinco empregados, donos de negócio familiar e trabalhadores familiares” — hierarquiza João Batista Pamplona.

Exatamente porque discordo da definição do autor da pesquisa, resolvi dar suporte a essa interpretação sob o título de Capitalismo de Terceira Classe. Afinal, por mais que o peso tributário do Estado brasileiro tenha colocado os empreendedores em nítida desvantagem na luta pela manutenção e formalização dos negócios, mesmo os negócios individuais dos chamados autônomos, não há sentido prático em aplicar qualquer outro rótulo que não de capitalistas. Negócios de pequeno porte ou mesmo de autônomos que hoje estão na informalidade são essencialmente capitalistas. Seus proprietários, a despeito de lutarem pela própria subsistência e por mais que estejam administrativamente pouco preparados para a função, sabem distinguir perfeitamente lucro de prejuízo, preço de compra de preço de venda, receita de despesa e remuneração de mão-de-obra. Enfim, o capitalismo de terceira classe é um aleijão do capitalismo clássico, mas não deixa de ser capitalismo. Pelo menos até não ser completamente inviabilizado pelos tentáculos deformadores do Estado.

Não se pode ignorar que o símbolo maior do capitalismo mundial, o genial Bill Gates, da Microsoft, começou os negócios numa garagem. É verdade que entre o Estado norte-americano e o Estado brasileiro há diferenças fundas de tratamento ao pequeno empresário que ajudam a explicar por que os Estados Unidos são pródigos em formar novos empreendedores, enquanto no Brasil o negócio minúsculo é predominantemente uma nau de egressos do mercado formal de trabalho. Por trás do incentivo ao livre empreendedorismo dos norte-americanos e da discriminação à livre iniciativa brasileira há todo um conteúdo cultural que diferencia o calvinismo do catolicismo, origem sociológica dos dois países.


Crescimento dos pequenos

Os anos 90 — prova o trabalho do pesquisador e coordenador da pesquisa da Agência de Desenvolvimento Econômico — marcaram o crescimento em termos de quantidade do pequeno negócio familiar no Grande ABC. Se no biênio 1988-1989 o segmento apresentava participação média de 23%, no período de 1998-1999 alcançou 32%. O aumento relativo de 39% significa que, antes da chegada da globalização sob o comando de Collor de Mello, o Grande ABC tinha praticamente apenas um quinto de sua economia dominada pelo capitalismo de terceira classe. Dez anos depois das turbulências que enxugaram drasticamente os quadros de trabalhadores nas fábricas da região pelo capitalismo de primeira e de segunda classe, a relação de pequenos negócios familiares e de autônomos no conjunto de ocupados passou para um terço. Pamplona estima que o salto envolva 106 mil trabalhadores.

O estudo afirma que entre os grupos de trabalhadores de pequenos negócios (nosso capitalismo de terceira classe, sempre é bom lembrar) que mais cresceram na década no Grande ABC destaca-se o desempenho dos empregadores e donos de negócio familiar. “Este segmento cresceu 73% entre o biênio 1988-1989 e o biênio 1998-1999, o que representou 22 mil empregadores informais e donos de negócio familiar a mais” — afirma o professor.

Na Região Metropolitana de São Paulo verifica-se a mesma evolução dos pequenos negócios observada no Grande ABC. “A participação da ocupação informal na Região Metropolitana passou de 25% para 33%” — diz o documento, referindo-se aos mesmos biênios. “Em números absolutos, a RMSP teve elevação estimada de 761 mil e relativa de 32% no contingente de trabalhadores informais” — afirma Pamplona.

A simetria entre os resultados do Grande ABC e da Grande São Paulo não surpreende porque a evasão industrial atingiu indiscriminadamente esse território ocupado por 39 municípios. Como o desenvolvimento econômico jamais se cristalizou como eixo estratégico de qualquer administrador público da RMSP, os efeitos só poderiam ser semelhantes. Se a criação da Região Metropolitana de São Paulo pelo governo militar, ao final dos anos 70, não se traduziu em resultados efetivamente positivos em áreas sociais mais próximas dos administradores públicos — casos de transporte, educação, saúde e meio ambiente –, o que se poderia esperar da sensibilização para a área econômica? Ou alguém consegue encontrar expressão mais apropriada para a RMSP do que um aglomerado humano e material absolutamente caótico? Pamplona não se referiu a esses aspectos.

Potencial de Consumo

Os resultados do estudo de João Batista Pamplona mantêm laços profundos com o Índice de Potencial de Consumo produzido pela Target Pesquisas, embora o professor da PUC São Paulo não tenha feito qualquer referência a esse indicador de desenvolvimento econômico. O IPC Target, como é conhecido, constatou que no período de 1991 a 2000 a Região Metropolitana de São Paulo foi responsável por 2,34% do total de 2,85% de perdas do Estado de São Paulo, relativamente ao País. O índice perdido pela RMSP significa praticamente todo o potencial de consumo previsto neste ano para o Estado de Goiás. Cada ponto percentual que se foi significa mais de US$ 4 bilhões de transferência de poder de compra para outras localidades. A Grande São Paulo comprometeu o IPC paulista no ranking nacional, já que a participação desceu de 34,33% para 31,48%.

Esses dados não deixam dúvida quanto ao caráter de precarização da qualidade de vida embutida no capitalismo de terceira classe que se avoluma na economia do Grande ABC e no restante da Região Metropolitana de São Paulo. A narrativa que sustenta o trabalho do professor João Batista Pamplona equilibra-se na corda bamba do maior distanciamento possível de análises macroeconômicas, sobretudo quanto à responsabilidade do Estado ainda fortemente burocrático que domina o Brasil. Também não faz menção alguma à ausência de salvaguardas estratégicas municipais e regional para amortecer o impacto do encolhimento produtivo e a ocupação do terciário do Grande ABC. Afinal, durante toda a década de 90 de reestruturação industrial do Grande ABC, o Poder Público não teve a mínima capacidade para organizar os efeitos colaterais do inchaço do setor de serviços, que se tornou explosivamente canibalesco.

Os dados, enfim, são um bólido contra todos que ainda enxergam como inviolável o desenvolvimento econômico do Grande ABC, em particular, e da Grande São Paulo como um todo. Inclusive aos próprios integrantes da Agência de Desenvolvimento Econômico que, recentemente, procuraram jogar para debaixo do tapete estatístico a realidade de exclusão tecnológica dos pequenos fabricantes numa região duramente atingida pela globalização.

Mais preocupações

Há mais informações preocupantes sobre o documento de João Batista Pamplona, sempre comparando os biênios 1988-1989 e 1998-1999. Os participantes do capitalismo de terceira classe da região (autônomos, assalariados em empresas com até cinco funcionários, empregadores com até cinco funcionários e donos de negócio familiar, além de trabalhadores familiares) são em sua maioria homens (63% contra 59% do total de ocupados), maduros (75% de trabalhadores com 25 anos ou mais), mais chefes de domicílio (52% contra 53% dos ocupados) e com educação precária ou básica (71% contra 61% do total de ocupados).

“Quando confrontamos esse perfil majoritário dos trabalhadores do setor informal do ABC com o perfil majoritário da totalidade dos ocupados na região, constatamos o seguinte: os trabalhadores do setor informal tendiam a ser mais do sexo masculino, a ser mais velhos, mais chefes de domicílios e a ter escolaridade inferior” — relata João Batista Pamplona, sempre tratando autônomos, pequenos negócios familiares e seus assalariados como informais — os nossos passageiros de terceira classe do capitalismo tupiniquim.

Pamplona chama a atenção para o fato de que o perfil geral dos participantes do capitalismo de terceira classe esconde importantes diferenças entre os grupos em que subdivide. “Na verdade, encontramos perfis pessoais opostos entre dois grandes grupos do setor informal: os chamados auto-empregados (autônomos, empregadores e donos de negócio familiar) e os empregados dos auto-empregadores (assalariados e trabalhadores familiares). Quando comparados com a média do total de ocupados do ABC, os auto-empregados tendiam a ser significativamente mais do sexo masculino, a ser significativamente mais velhos, especialmente empregadores e donos de negócio familiar, tendiam a ser expressivamente mais chefes de domicílio, a ter escolaridade superior à média dos ocupados quando se trata de empregadores e donos de negócio familiar, e escolaridade inferior quando se trata de autônomo” — afirma.

Mais feminino

Quando confrontados com o perfil majoritário da totalidade dos trabalhadores de primeira e segunda classes da região, o estudo constata que os empregados do capitalismo de terceira classe eram significativamente mais do sexo feminino, tendiam a ser consideravelmente mais jovens, a ser expressivamente mais membros da família e não chefes de domicílios, além de ter escolaridade inferior. Dados semelhantes constam dos resultados da RMSP.

Tudo isso não passa de precarização do trabalho combinada com exclusão do mercado de trabalho contracionista. À medida que o desemprego apertou o cerco no Grande ABC e também na Região Metropolitana, a explosão de negócios familiares foi o meio encontrado para resistir à exclusão pura e simples da economia. O capitalismo de terceira classe não é fortemente nem indutivo nem desejável pelos seus protagonistas, como sugeriu a economista Maria do Carmo Romeiro, do Imes (Centro Universitário de São Caetano), que teve participação acessória durante a exposição de João Batista Pamplona. O capitalismo de terceira classe é basicamente uma necessidade. Pamplona preferiu não enveredar por esse caminho. Nem de leve ele e os convidados para o encontro de apresentação da pesquisa fizeram qualquer análise sobre os riscos embutidos nesse quadro de capitalismo de terceira classe, até porque o tempo reservado a debates foi escasso.

O fato é o seguinte: como a maioria dos autônomos e dos pequenos negócios está no setor terciário, que não demanda maiores investimentos, o quadro de canibalismo que os envolve só é inferior à dosagem de quimioterapia explícita na chegada de grandes empreendimentos comerciais e também redes de serviços que estão ocupando os melhores pontos geográficos da região, contando inclusive com apoio das prefeituras em medidas que geram maior segurança e logística viária, entre outras ações.

Recente matéria sobre a devastidão no comércio varejista do Grande ABC, contando com dados de sindicatos empresariais, constatou que seis mil pequenos negócios formais e em larga escala de cunho familiar desapareceram entre 1994 e 1999 no Grande ABC. Foram para o ralo da exclusão empresarial donos de mercearias, pequenos supermercados, quitandas, açougues e bazares, entre atividades com configuração jurídica de comércio varejista.

Nordestinização confirmada

Os pequenos negócios considerados informais pelo professor Pamplona também nordestinizaram o Grande ABC, como denominei há muito tempo a proliferação de estabelecimentos comerciais não só na periferia, mas também em zonas nobres dos municípios. A nordestinização do Grande ABC é neologismo de conteúdo exclusivamente geoeconômico. As Capitais do Nordeste brasileiro são recheadas de pequenos negócios familiares resultantes da falta de opções econômicas industriais que absorvessem parte do contingente de mão-de-obra disponível.

Os tempos de industrialização frenética do Grande ABC, quando o emprego era regiamente valorizado e farto, não despertavam entusiasmo pelas áreas de comércio e serviços. Poucos se aventuravam a empreender diante da opção de carteira assinada e salários protegidos por uma economia autárquica e em expansão. Tanto que o êxodo de consumo em direção à Capital tão próxima era acentuado. Havia não só um número bastante limitado de ofertas de produtos e serviços, como qualidade e preços pouco competitivos na região. Somente no final dos anos 80, com a chegada do então Mappin ABC, os investimentos começaram a desembarcar no terciário da região.

Batemos tanto na tecla da explosão do terciário de pequeno porte nos últimos anos, chamando a atenção das autoridades públicas para a necessidade de reformar a legislação relativa ao uso e ocupação do solo, que, finalmente, algumas medidas foram tomadas. O prefeito Celso Daniel, de Santo André, mandou ao Legislativo um novo formato de leis que regulamenta grande parte das inadequações geradas pelas ocupações. Garagens transformadas em pequenos negócios foram contempladas, enquanto a flexibilização das normas passou a incentivar ainda mais a instalação do pequeno negócio. O problema central é que nenhuma Prefeitura resolveu, ainda, colocar o guiso no pescoço do gato e disciplinar os investimentos de grande porte, saudados com foguetório de irresponsabilidade por quem desconhece ou finge desconhecer que o enxugamento da massa salarial da região não dá liga com a chegada de grandes corporações a não ser pelo aniquilamento dos pequenos negócios.

Mais masculinizado

Também numa comparação entre o capitalismo de terceira classe e os ocupados do capitalismo de primeira e segunda classes, a pesquisa constata que a média tende a ser significativamente mais do sexo masculino, fortemente mais velhos (especialmente empregadores e donos de negócio familiar) e tendem a ser expressivamente mais chefes de domicílio. A escolaridade é superior à média dos ocupados quando se trata de empregados de negócio familiar, e escolaridade inferior quando se trata de autônomos.

O estudo do professor João Pamplona constata que o perfil dos pequenos negócios familiares do Grande ABC apresenta aumento da proporção de homens em relação ao total de ocupados do capitalismo de primeira e segunda classes. “Isso está indicando que houve processo de feminização da ocupação no setor formal da região” — escreve.

Também foi constatado que a renda média entre empreendedores e trabalhadores de pequenos negócios familiares da região é de R$ 720, contra média de R$ 859 dos trabalhadores do capitalismo de primeira e de segunda classe, ou seja, uma diferença de 19,3%. A jornada de trabalho semanal é maior do que 44 horas (51% dos pequenos negócios têm essa jornada, contra 43% do total da primeira e segunda classes). O tempo de permanência no emprego ou no negócio é de até três anos (66%, contra 59% do total de primeira e segunda classes).

A não contribuição para a Previdência Social é expressivamente maior entre passageiros de terceira classe –74% contra 37% da primeira e da segunda classe. Constatação do professor Pamplona, diante desses números: “Quando comparamos esse perfil ocupacional majoritário dos trabalhadores do setor informal do ABC com o perfil majoritário da totalidade dos ocupados na região, verificamos o seguinte: os trabalhadores do setor informal tendiam a ter renda menor, a ter jornada de trabalho maior, a ter menos estabilidade de trabalho (menor tempo de permanência) e não contribuir para a Previdência”.


Chamando a atenção

Mais adiante, o pesquisador chama a atenção para novas diferenças envolvendo autônomos e pequenos negócios familiares, que, para melhor entendimento dos leitores, prefere chamar de informais: “Quando falamos dos trabalhadores informais estamos ocultando importantes diferenças entre os grupos de trabalhadores que compõem o setor informal. Quando comparados com a média do total dos ocupados no ABC, os empregadores e donos de negócios familiar (auto-empregados) apresentavam renda bastante superior (cerca de 47% maior), tendiam a ter as mais longas jornadas de trabalho (bastante superior ao total dos ocupados e bastante superior a dos outros trabalhadores informais), tendiam a ter bastante mais estabilidade no trabalho (60% deles trabalhavam no seu negócio há três anos ou mais), tendiam a contribuir menos para a Previdência Social quando comparados com o total de ocupados, mas tendiam a contribuir bastante mais para a Previdência Social quando comparados a outros informais”.

Tradução: donos de pequenos negócios do capitalismo de terceira classe ganhariam mais ao final de cada mês do que a média dos vencimentos médios dos integrantes do capitalismo de primeira e segunda classes. Entretanto, não desfrutam dos benefícios das chamadas conquistas trabalhistas do movimento sindical regional e da legislação produzida pelo governo Getúlio Vargas, além de terem jornada de trabalho muito mais longa que a prevista na legislação. Na realidade, não se pode comparar pequenos empreendedores do capitalismo de terceira classe com trabalhadores de primeira e segunda classes sem que se abram espaços para diferenças flagrantes.

“Por outro lado — continua o pesquisador — no extremo oposto temos o perfil ocupacional dos assalariados informais (empregados dos auto-empregados). Quando comparados ao total dos ocupados do ABC, os assalariados informais tinham uma renda bastante baixa (menos da metade), jornada de trabalho mais longa, bastante menos estabilidade no trabalho (apenas 22% deles estavam no emprego há três anos ou mais), tendiam a contribuir menos para a Previdência Social quando comparados com o total de ocupados, mas tendiam a contribuir significativamente mais para a Previdência quando comparados a outros informais, no caso os autônomos e trabalhadores familiares” — analisa o estudioso.

A tradução dessa equação é simples: o universo de trabalhadores do capitalismo de terceira classe perde feio em qualidade de vida para os de primeira e segunda classes. Não seria exagero afirmar que os trabalhadores assalariados da terceira classe formam espécie de franja ocupacional de um capitalismo mambembe, já que estão muito abaixo dos padrões dos trabalhadores do capitalismo de primeira e de segunda classe e também dos empregadores e auto-empregados de terceira classe. Não é difícil entender por que o Grande ABC, e a Região Metropolitana como um todo, tem-se transformado num barril de pólvora de intolerância, de violência e de criminalidade.

Contraponto à riqueza

Dados do professor João Batista Pamplona colocam os assalariados do capitalismo de terceira classe do Grande ABC em desvantagem quando comparados com os demais da RMSP: “A renda do setor informal na RMSP é um pouco maior — pode ser de 5% a 14%, dependendo do grupo de trabalhador informal. Essa desvantagem do ABC cresce quando a comparação de rendimento dos informais é feita com o Município de São Paulo” — escreve. Como se observa, a remuneração do emprego em pequenos negócios no Grande ABC se contrapõe em valorização à elite dos metalúrgicos das montadoras. Como a redução do emprego automotivo é irrefreável, a massa salarial na região seguirá em processo de emagrecimento que aprofundará o fosso entre trabalhadores de primeira e de terceira classe.

O estudo do professor João Batista Pamplona não escancara o que pode ser chamado de um balanço da PEA (População Economicamente Ativa) do Grande ABC com base nos últimos dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), braço estatístico do governo do Estado. A dura realidade é que ao estratificar o capitalismo que prevalece no Grande ABC em quatro categorias, têm-se uma divisão numérica preocupante. Afinal, do total de 1,193 milhão da População Economicamente Ativa em outubro último, 295 mil integravam o chamado capitalismo de terceira classe e outros 212 mil o capitalismo de quarta classe, de desempregados. Somando-se as duas últimas camadas, chega-se ao total de 42,5%. É gente demais não só fora do jogo do desenvolvimento econômico como também distante de perspectivas mais imediatas da reestruturação industrial e de organização do setor terciário de uma região que jamais foi capaz de se disciplinar economicamente.



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