A capa da edição de setembro de LivreMercado provocou múltiplas sensações no espectro de leitores, mas um tipo de reação chama a atenção pela carga de significado: a de uma minoria cética e enviesada que, estimulada muito mais por questões inconfessáveis que objetivas, precipitou-se em questionar a opção editorial com base em observações carregadas de maledicência e lugar comum. “Para que levantar tanto a bola de William Dib comparando-o a Juscelino Kubitschek? Juscelino foi presidente da República e Dib não passa de um entre milhares de prefeitos brasileiros. Além disso, fortalecer a indústria automobilística do Grande ABC é uma causa perdida!” — espernearam os representantes do bloco dos que não leram e não gostaram.
Como se trata de minoria alheia, mal-intencionada ou as duas coisas juntas, o desprezo poderia representar a melhor resposta. Mas ao se levar em conta que até estultices cabeludas podem ser úteis na medida em que, por contraste, consolidam observações abalizadas, convém aproveitar a ocasião para clarificar alguns pontos.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a capa daquela edição pode ser tudo, menos convencional. Norteada pelo espírito de inventividade característico das melhores publicações nacionais e internacionais, LivreMercado não titubeou em projetar William Dib sobre a figura histórica de JK para sugerir o desafio de dar continuidade à tarefa iniciada pelo presidente 50 anos atrás.
Afinal, se Juscelino foi o responsável pela instalação das bases da indústria que, ainda hoje, resiste como carro-chefe da economia regional, e se um prefeito decide arregaçar as mangas disposto a transformar o destino flagrantemente desfavorável, qual imagem transmitiria a mensagem de forma mais apropriada?
Condensando nuances
Como condensar tantas nuances históricas em uma imagem que, além de traduzir o desafio aos leitores, ainda consolida a responsabilidade pública assumida com ineditismo?
O problema é que muitos profissionais de comunicação sofrem de infertilidade criativa e são incapazes de tecer análises em perspectiva. Mais do que isso: estão acostumados a olhar o mundo com base em paradigmas ultrapassados, quando o jornalismo moderno impõe necessidade de lançar olhar prospectivo e tridimensional. São como monitores em preto-e-branco movidos a válvulas gigantescas em comparação aos home theaters de imagem cristalina e som estéreo que conquistam cada vez mais espaço como opção de entretenimento domiciliar.
Publicações obsoletas estão atadas à noção convencional de lide jornalístico segundo o qual o texto precisa satisfazer apenas e tão somente quatro questões básicas: quem, o que, quando e onde. Já publicações de vanguarda oferecem abordagens enriquecidas de conteúdo que, além das quatro questões básicas, contemplam indagações mais profundas como de que maneira, por que e em quais circunstâncias, além de construir analogias, ancorar o texto e agregar valores de conhecimento acumulado.
A indagação de que William Dib e JK são incomparáveis por ocupar esferas diferentes de poder constitucional é sintomática da visão estreita e pouco flexível de quem prefere a morte a abandonar zona de conforto. É claro que William Dib não tem a autonomia de um presidente da República, mas o fato de comandar uma das cidades mais importantes do País e repleta de montadoras, de encabeçar uma instituição oficialmente regional e de estar disposto a utilizar tudo isso para fazer o que ninguém nunca fez, inclusive por meio de pressões nas esferas superiores, significa razão suficiente para que LivreMercado quebre o convencionalismo mais uma vez, apesar da grita conservadora de quem entende muito pouco de comunicação e destila pessimismo seletivamente, nos momentos em que convém.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)