Economia

Votuporanga dá lição de quem
sabe não espera acontecer

MALU MARCOCCIA - 05/08/2000

Enquanto o Grande ABC não se define quanto a integrar ações em torno de um espaço moderno e estruturado para abrigar feiras e convenções corporativas, o pólo moveleiro de Votuporanga põe para funcionar este mês na cidade de Mirassol o Interior Eventos, um super pavilhão com 16 mil metros quadrados para exposições dentro de um megaterreno de 250 mil metros quadrados. Como paralelo, basta citar que a Vera Cruz, até recentemente o principal e improvisado palco de feiras na região, soma 43 mil metros quadrados no total e dois estúdios de 2.720 metros quadrados cada.


O agravante é que, além de a Vera Cruz estar em obras, moveleiros e outros setores também perderam o Espaço Redenção para exibições, já que essa também despreparada área nos antigos galpões da Agesbec foi definitivamente tomada pelo Poder Público de São Bernardo. O Poupatempo, espaço que trabalhará com um conjunto de serviços à comunidade, está em fase de instalação no local, onde já funcionam expedientes públicos como Programa Juventude Cidadã e Sedesc (Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania).


Conclusão: a tradicional Feira de Móveis de São Bernardo e Região, que se realiza há 27 anos no aniversário do Município, não acontecerá neste mês. Uma contradição sem tamanho caso se leve em conta que a exposição costuma ser a principal atração dos festejos e em 1999 ganhou inclusive status de âncora do festMóveis. Foi uma rara mobilização para divulgar o setor moveleiro do Grande ABC, envolvendo palestras, visitas monitoradas ao corredor de lojistas da Rua Jurubatuba, montagem de minimarcenaria dentro da feira, além de atrações paralelas como citytour por pontos gastronômicos e de lazer da cidade. Em lugar da feira, os fabricantes de móveis decidiram participar dos festejos de aniversário de São Bernardo com superliquidação no recém-inaugurado Shopping SBC Móveis, ex-Decor Center, na Via Anchieta.


Votuporanga, no Noroeste paulista, tem pressa. O batismo do pavilhão Interior Eventos ocorre com a Movinter 2000. 3ª Feira de Móveis e Fornecedores do Estado de São Paulo. Para se ter ideia da mobilização daquela região em torno de criar vitrine que exiba para o mercado suas potencialidades moveleira e agropecuária, entre outras, o Interior Eventos é resultado de esforço integrado de 23 sócios locais e alguns de outros Estados, que tiraram do bolso R$ 5 milhões. Estão planejadas como próximas etapas para o espaço a construção de hotel e um centro de convenções. Mesmo com Mirassol a 30 quilômetros de distância, Votuporanga é quem mais espicha os olhos para o Interior Eventos.


Os moveleiros representam 40% da força econômica da cidade e desde 1993 reviram-se do avesso em busca de modernização produtiva e conquista de mercados. Um expert no assunto, João Araújo Pinto Neto, engenheiro mecânico e tecnológico em movelaria, é quem está ajudando a construir o retrato de modernidade daquele pólo. Como mostrou LivreMercado em maio de 1998, várias das 350 empresas locais exportam e seis já exibem o selo ISO 9000, conquistas ainda inexistentes no Grande ABC.


Foram a reação e a vanguarda de outros pólos, aliás, que tiraram os moveleiros do Grande ABC da retranca. Acossado com a perda de competitividade e admitindo que o setor, na verdade, era o avesso do retrato de pujança que lhe deu fama no passado, o Sindicato da Indústria de Móveis do Grande ABC decidiu zerar o velocímetro e começar de novo. Uniu-se ao Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) e chamou a atenção do Poder Público como vocação regional que precisa ser articulada em conjunto. Conquistou um grupo de trabalho dentro da Câmara Regional, que reúne Prefeituras e entidades do Grande ABC, além do governo do Estado, do qual ganhou recentemente alíquota de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) mais magra – de 18% para 12% — para fazer frente à guerra fiscal de outras localidades.


Com estimados 450 fabricantes, seis mil empregos diretos e 0,8% da força econômica de São Bernardo, os moveleiros iniciaram há dois anos e meio a cruzada de revitalização, que ganha fermento extra este mês. O Ceteme (Centro Tecnológico Moveleiro) de Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul, vai começar a massificar projeto setorial piloto que desenvolveu no último ano com 15 fabricantes do Grande ABC.


O Programa de Mobilização tecnológica, como se chama esse braço de assessoria do Sebrae, trabalhou com a estruturação dos moveleiros e obteve conquistas que vão do aumento da produtividade em cerca de 30% à redução de custos em 5% e duplicação da produção em alguns casos.


A Mobilização Tecnológica mexeu com questões intestinais da defasada máquina moveleira da região, como ordenamento das operações, rearranjo de layout, tempo de atendimento de pedidos, estoques e melhoria da qualidade, verificando necessidades específicas de cada empresa. “Vamos agora multiplicar a experiência para grupos maiores, com 50 empresas cada, e em períodos mais curto, entre três e quatro meses. O Cetemo vai ajudar a massificar conhecimentos para empresas e também para consultores, já que precisamos ter cérebros que continuem multiplicando novos processos. Vamos documentar toda a experiência em manuais” – anuncia a gerente do Sebrae São Bernardo, Silvana Pompermayer, que contou na fase piloto com parceria da Anpei (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais).


O reforço do Cetemo ao Mobilização Tecnológica do Grande ABC não é pouca coisa. Trata-se de um centro de pesquisa e formação de mão-de-obra que confere excelência ao pólo moveleiro do Rio Grande do Sul e que está inspirado o Cemad (Centro de Formação da Madeira e do Mobiliário de Votuporanga) previsto para ser ativado em outubro próximo. Foi o Cetemo, aliás, que desencadeou o Programa de Mobilização Tecnológica do Grande ABC.


Em maio do ano passado, após viagem de comitiva da região a Bento Gonçalves atrás de benchmark, o centro tecnológico gaúcho enviou técnicos para socorrer o Grande ABC. Até agora foram cinco visitas, cada qual envolvendo grupo de seis empresas. Os técnicos permaneceram na região entre 10 e 15 dias e trabalharam, além de processos, capacitação de funcionários. Cerca de 300 trabalhadores já foram envolvidos, segundo o Sebrae, que entre os resultados contabiliza redução de até 20% no consumo de tintas no grupo de 30 fábricas de móveis envolvidas.


Outra experiência planejada para decolar neste mês é a do MóvelAção, programa da USP (Universidade de São Paulo) que também faz trio com Sebrae São Bernardo e Sindicato dos Moveleiros da região para planejar outras frentes fundamentais à recuperação do setor: design e consórcios de exportação. Das 22 indústrias já visitadas pela USP, 10 formam este mês o primeiro grupo de estruturação do programa. O MóvelAção foi semeado há um ano e atraiu 153 moveleiros da região para as oficinas da USP/Sebrae/IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). O programa vai trabalhar grupos de 10 empresas a cada seis meses dentro do projeto SP-Design da Secretaria Estadual da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico.


Design é uma grande trinca no móvel do Grande ABC, cuja característica de mercado é ser intermediário entre a produção massificada em série e o produto artesanal sob medida. O móvel da região é chamado de personalizado pelo presidente do Sindicato dos Moveleiros, Hermes Soncini. Por isso mesmo é muito diversificado, o que não lhe dá uma personalidade (design) que o identifique em desenho, em qualidade e nem em funcionalidade ergonômica. O MóvelAção pretende correr atrás disso.


Saltar fronteiras com exportações é outra meta. Pesquisa do Sindicato dos Moveleiros indica que 80% dos consumidores dos móveis da região são da Grande São Paulo e quase totalidade está num raio de 100 quilômetros, ou seja, chega a uma São Paulo expandida até as regiões de Campinas e Baixada Santista. É por causa dessa concentração de vendas que Hermes Soncini não se declara de todo contrariado com a ausência da lendária Feira de Móveis de São Bernardo em agosto. A razão é simples: há na Grande São Paulo nada menos que 13 fortes pontos de comercialização de mobiliário, desde a tradicional Rua Jurubatuba em São Bernardo até corredores famosos como Teodoro Sampaio na Capital, sem falar na profusão de shoppings temáticos que surgiram nos últimos anos, casos de Lar Center, Décor Center, Casa & Móvel e Interlar.


“As feiras não são mais atratividade recomendada. O trânsito, a insegurança e a busca por comodidade nas grandes cidades fizeram os shoppings e pontos de concentração de lojas atraírem mais consumidores. Quando fazemos uma feira, na verdade, estamos só deslocando público, já que substituímos as vendas dos shoppings para um evento institucional em São Bernardo ou na Capital” – expõe Soncini. Ele aponta que os próprios moveleiros do Grande ABC aderiram à tendência moderna de pulverização de endereços ao alugar espaço próprio de exposição e vendas no SP Market, na Capital, e ao arrendar no mês passado o ex-Decor Center com 46 lojas na Via Anchieta. “Estamos reciclando a maneira de nos expor” – confia Hermes Soncini. Com a perda da Vera Cruz e do Espaço Redenção, de qualquer forma, o pólo moveleiro do Grande ABC negocia com a Bienal, no Ibirapuera, a realização da próxima feira, conforme anuncia Soncini. Ponto para a Capital.


Para tentar empatar no vantajoso placar de localidades como Votuporanga, que em outubro inaugura o Cemad para formar mão-de-obra e disseminar a cultura moveleira local em área de três mil metros quadrados cedidos pela Prefeitura local, os moveleiros do Grande ABC negociam algo semelhante com a ETE (Escola Técnica Estadual) de São Bernardo. A escola remanejou espaços internos e os ofereceu aos moveleiros. “Aproveitaríamos também salas e laboratórios de informática no complexo que pertence ao Ceteps (Centro Tecnológico Estadual Paula Souza)” – aposta Hermes Soncini.


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