Um ano e dois meses depois de levar para a prática a Teoria da Produtividade Editorial, sistema de diagnóstico e mudanças na redação da revista LivreMercado, os resultados são extraordinariamente positivos. A idéia de que atividade jornalística não é ciência exata e, portanto, foge da raia supostamente simplificadora de avaliação matemática, não passa de bobagem. Fossem as cidadelas da indústria de comunicação menos herméticas, quando não arrogantes e inexpugnáveis, o processo deflagrado na Editora Livre Mercado poderia se espalhar.
No período de 14 edições sob observações dos conceitos da Teoria da Produtividade Editorial, LivreMercado produziu 3,2 milhões de caracteres de textos jornalísticos. Caracter é cada letra deste texto. A soma corresponde a 881 páginas de redação. Cada página editada por LivreMercado contém em média 3,7 mil caracteres. A média por edição é de 233 mil caracteres. Nas edições de julho, agosto, setembro e outubro últimos, a média ultrapassa em mais de 70% as primeiras quatro edições, de outubro, novembro e dezembro do ano passado e janeiro deste ano.
Fórmulas ultrapassadas e seguramente levianas de controle de produção adotadas por alguns veículos impressos desprezam valores minimamente sustentáveis de qualificação. O padrão de obsolescência gerencial que transforma produção gráfica de textos em indicadores de empenho e comprometimento dos profissionais de redação é tão estúpido quanto pretender avaliar o desempenho de uma equipe de futebol pelo número de chutes em direção ao gol contrário, sem levar em conta, entre variáveis importantes, a eficiência dos arremates e os resultados obtidos.
O desprezo às especificidades é o caminho mais curto para a desmoralização de propostas. O desdém aos resultados qualitativos é o corolário do amadorismo.
Muito além da quantidade
Por isso, a Teoria da Produtividade Editorial vai muito além do total de caracteres de cada profissional que produz informação textual. Mais produção nem sempre significa mais qualidade. Quem se preocupa apenas com quantidade — e esse é o padrão de desvio avaliativo dos donos da mídia impressa — pode cometer grandes equívocos no exame individual da eficiência dos colaboradores.
Com a Teoria da Produtividade Editorial aplicada na revista LivreMercado, tem-se suporte estatístico que oferece respostas para relatório substancioso do desempenho da equipe como um todo e dos profissionais individualmente. Uma das descobertas que antes era dedução e que agora se cristalizou como prova inquestionável é que há estreita combinação entre qualidade, quantidade e o tempo despendido em forma de copidescagem em cada texto. Chega-se ao requinte de, sempre com base no banco de dados disponível, traçar o perfil de cada profissional e compará-lo ao dos demais. Fizemos isso ao longo de 14 meses e, por isso, introduzimos alterações na equipe.
A experiência de 14 edições autoriza a assertiva de que a indústria de comunicação não sabe o que está perdendo ao adotar metodologias de medir exclusivamente a produção física dos textos e daí retirar juízos de valor sobre os recursos humanos disponíveis.
Chegando a detalhes
Com a Teoria da Produtividade Editorial é possível chegar ao requinte de registrar a produção média por edição de cada jornalista. Está certo que mesmo de forma caricatural o método antiquado da quantidade também o faz. Mas há diferenças. Com a TPE, tem-se a nota média do texto produzido em cada edição. E também o tempo médio de revisão de cada mil caracteres. Quanto menor o tempo gasto com a revisão do texto, maior a nota. Em contraposição, quanto maior o tempo de copidescagem, menor a nota.
A Teoria da Produtividade Editorial reserva nuances que não constavam do plano de vôo quando da concepção do projeto. É perfeitamente possível, por exemplo, que duas matérias de tamanhos semelhantes e notas semelhantes exijam tempos distintos de revisão. É verdade que esse desenlace não é regra, mas é possível porque há especificidades que precisam ser levadas em conta. Uma matéria mais complexa sobre questões tributárias, por exemplo, pode tomar mais tempo de leitura/correção em relação a outra mais digerível. Por isso, a diferença de tempo despendido, desde que não acentuadamente contrastante, não impede notas iguais.
Entretanto, o mais comum é que as notas sejam diferenciadas com base na qualidade de informação e na fluência do texto. Quanto menos correções passa determinado texto, mais possibilidades de alcançar nota mais expressiva se configura. Mas essa regra também não é inviolável. Um texto pode ser impecavelmente escrito sob o ponto de vista ortográfico, mas deixar a desejar quando se analisam outros vetores jornalísticos. Nesse ponto, a capacidade de seduzir o leitor é tão marcante quanto a reação da torcida diante de um gol de pênalti e de um gol de bicicleta.
Repercussão além-editorial
A Teoria da Produtividade Editorial tem profundas repercussões técnicas e financeiras porque é uma prova dos nove com força suficiente para retirar poções de subjetividade sobre qualidades individuais de uma equipe. É inevitável que quem produz quantitativamente menos e reúne qualitativamente dificuldades de atingir a meta de nota média planejada acabará confrontado com os demais. Por isso, não necessariamente os maiores salários se apresentam como supostas demissões a serem recomendadas numa eventual política de cortes de pessoal ou num replanejamento da estrutura editorial.
Na prática, os 14 meses de experiência na Editora Livre Mercado mostram que a Teoria da Produtividade Editorial promove faxina em regra. O conceito de que salários mais altos estão mais próximos de degolas desabou. O barato também sai caro quando se trata de fazer bom jornalismo, mas não necessariamente o mais caro é sinônimo de solução.
Em resumo, é mais complicado do que se imagina implementar política de recursos humanos compatível com projetos de melhoria contínua de um produto jornalístico se não forem aplicados princípios da Teoria da Produtividade Editorial. Por mais relevante que seja o peso do relacionamento pessoal num ambiente corporativo, a metodologia significa a supremacia da meritocracia sob todos os demais aspectos. Afinal, é o leitor que estabelece juízo de valor ao produto.
E nesse ponto, o profissional adocicado mas pouco hábil na arte de escrever terá deficiências escancaradas nas planilhas, em contraponto ao colega menos afável que, entretanto, goza de fidelidade e credibilidade dos leitores. Ou seja: quem quiser levar a sério informação qualificada precisa jogar na lata do lixo tudo que cheire a imprecisão e anacronismo de medição de produção e se jogue para valer na piscina de água confortavelmente quente mas trabalhosa da junção de qualidade e quantidade.
Os arquivos de LivreMercado contemplam 14 meses de um experimento inexoravelmente cristalino sobre quem é quem entre seus profissionais de jornalismo.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)