Imagine a cor do seu terno preferido, repare na textura do verniz que encobre o mobiliário de casa, preste atenção no esmalte que dá brilho ao seu veículo e na combinação de tintas que permite a alta definição de um trabalho impresso na gráfica ou no computador do escritório. Olhe um pouco ao redor. Tudo ou praticamente tudo é revestido: de paredes a cadeiras, do piso à geladeira, do carro na garagem à sinalização das estradas, da tela sobre óleo do pintor famoso ao desenho artístico em silkscreen das camisetas de campanha eleitoral.
A indústria de tintas é imensa sob qualquer padrão, mas essa força econômica é pouco conhecida no território que sedia o maior contingente de fabricantes no Brasil: o Grande ABC. Com 37 indústrias que empregam quatro mil funcionários, calcula-se que o Grande ABC produza 65% do mercado de tintas no País, algo colossal como 650 milhões dos 1,045 bilhão de litros registrados no ano passado, segundo dados do Sitivesp (Sindicato da Indústria de Tintas e Vernizes do Estado de São Paulo).
A boa notícia, entretanto, é que esse parque vastíssimo em itens de fabricação tem como moldura uma coleção de tecnologias avançadas, ao contrário de pólos que dão fama ao Grande ABC, como o automotivo e o moveleiro, que só recentemente providenciaram respostas ao aumento da concorrência trazida pelos importados e por outras regiões produtoras.
A animação da indústria de tintas está justamente na grande concorrência no setor, que reúne 280 fabricantes de todos os portes, conforme a Abrafati (Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas). Por conta disso, só nos últimos quatro anos desta virada de milênio os investimentos são calculados em US$ 350 milhões pela Abrafati, o que situa essa indústria como uma das mais dinâmicas do País. Do Plano Real, em 1994, ao ano passado, as taxas de crescimento da produção saltaram 3,8%, 6% e 7%, respectivamente, o que deixa o PIB brasileiro engolindo poeira.
Os números de produção e aportes financeiros não são regionalizados pelas entidades de classe. O Sitivesp estima que 90% das indústrias de tintas do Brasil estão instaladas no Estado de São Paulo. O Sindicato dos Químicos do ABC projeta essa participação estadual em 75%, com hegemonia quase total do Grande ABC.
Seja como for, do mapa da região não escapa nenhuma das cinco marcas líderes, o que explica o potencial produtor local. Todas têm sede ou plantas fabris no Grande ABC, casos das campeoníssimas em vendas Basf e Coral, das gigantes Sherwin Williams, Renner e Akzo Nobel.
A justificativa para essa concentração geográfica está na atração exercida pelo Grande ABC como pólo industrial. O setor industrial absorve 40% do volume de tintas fabricado no Brasil, 12% dos quais são consumidos pelo segmento automotivo (montadoras e repintura). Os 60% restantes concentram-se no filão da construção civil. Ambos derivam para centenas de subitens, como solventes, thinner, vernizes, massas a óleo, impermeabilizantes, colas, látex e esmaltes, multiplicados ao infinito conforme o leque de aplicação. Isso fez proliferar um cinturão de pequenas e médias empresas químicas para atender, além do cobiçado naco das tintas imobiliárias, a nichos específicos: madeira, papelão, serigrafia e gráficas, entre outros.
Qualquer que seja o foco mercadológico, entretanto, modernidade é ponto marcante. A gigante Basf inaugurou em julho último fábrica no complexo de São Bernardo que vai produzir no Brasil a última palavra em tintas mundo afora: a ecológica linha à base de água, a princípio para abastecer as newcomers automotivas, como são chamadas as montadoras que desembarcam no País com plantas mais modernas.
A Vivacor Tintas e Vernizes, empresa de pequeno porte de Diadema, não fica atrás. Está pesquisando o verniz ultravioleta para etiquetas de embalagens flexíveis alimentícias e em papelões ondulados, tecnologia pouco aplicada no Brasil e que confere mais brilho e resistência à impressão.
“É um setor extremamente competitivo porque trabalha a principal característica dos produtos: a tinta é a apresentação de todas as mercadorias. Por isso, os clientes sempre foram exigentes e os fabricantes passaram a ficar up to date com as mais avançadas tecnologias” — responde o presidente do Sitivesp, Roberto Ferraiuolo.
É esse grau de modernidade e a necessidade de não perder o passo com a rapidez da evolução tecnológica que faz do setor de tintas velho conhecido das fusões e aquisições, movimento que só mais recentemente, com a globalização, ganhou força nas demais atividades. “Desde os anos 70 as compras e associações marcam o perfil do setor de tintas, como forma de potencializar os investimentos e compatibilizar custos” — diz Ferraiuolo.
Com a mundialização da economia, esse traço foi aprofundado pelo predomínio de grandes nomes multinacionais do setor e os negócios entraram em nova fase de concentração, no Brasil e no demais continentes. Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas, entre os 280 produtores nacionais, sobressaem-se os 25 filiados à entidade, que, sozinhos, respondem por 75% do volume produzido. “As maiores empresas se consolidaram com aquisições ou fusões como forma de posicionamento estratégico. Além de razões econômicas, há maior rapidez em pesquisa e desenvolvimento, assim como maior penetração em diferentes mercados e absorção de custos fixos” — explica o presidente da Abrafati, Dilson Ferreira.
A Sherwin Williams é exemplo clássico no Brasil. Absorveu desde o início desta década parte da Tintas Globo de Mauá, a Lazzuril no segmento de repintura e a Colorgin na área de spray, ambas de São Bernardo. A gaúcha Renner se associou à Du Pont no campo das tintas automotivas e se tornou insuperável, com 70% desse mercado, segundo o Sindicato dos Químicos do ABC. A holandesa Akzo Nobel, que no Brasil encampa as marcas Ypiranga e Wanda, acaba de adquirir por US$ 3,05 bilhões a Courtaulds, fabricante inglesa de tintas, fibras e produtos químicos. Antes, havia comprado da Basf GmbH o negócio de tintas decorativas na Europa, passando a liderar esse mercado.
Esse intenso movimento de inserção e competitividade por parte dos pesos-pesados acaba por arrastar as pequenas empresas no mesmo ritmo, para que não sumam do mapa. “Por causa da evolução tecnológica, o setor de tintas é muito intensivo de capital, e não tanto de mão-de-obra. As pequenas e médias fabricantes, que não têm escala para competir, atuam em nichos mais segmentados, menores, que muitas vezes não interessam às grandes. A tinta gráfica, por exemplo, tem menor volume de demanda, mas penetração garantida no seu nicho” — afirma Roberto Ferraiuolo, do Sitivesp.
Uma diva da indústria de tintas cheia de apetite por inovações é a Coral, desde 1996 pertencente à britânica ICI Paints, considerada a maior do setor no mundo, com um bilhão de litros comercializados anualmente. No Grande ABC a Coral mantém as duas maiores de suas três fábricas brasileiras, em Santo André e Mauá, que empregam 1,2 mil dos 1,7 mil funcionários no Brasil e estão absorvendo dois terços dos US$ 60 milhões de investimentos reservados para o quinquênio 1.995/2.000. A outra fábrica está em Recife.
Para se ter idéia do grau de modernidade da empresa, a planta de tintas a óleo e esmaltes sintéticos dentro do complexo de Mauá, concluída há dois anos, é a mais moderna do continente americano e uma das três maiores do mundo. Toda a operação é automatizada, controlada por computador desde a fórmula exata de cada cor até o acondicionamento final nas embalagens.
Por estratégia, a Coral não revela a produção das unidades, mas informa que detém 25% do mercado de construção civil, ou tintas decorativas como classificam as empresas. Esse mercado consumiu no ano passado 665,2 milhões de litros. Em Mauá, onde está desde 1976, a Coral faz tintas látex e resinas. Em Santo André, que deu origem à marca em 1954, são produzidos óleos e esmaltes para uso imobiliário, tintas automotivas e industriais. De Recife também saem tintas imobiliária e industrial.
No segmento indústria, devido ao salto do consumo de bebidas em latas no País, a Coral colocou US$ 2 milhões em 1997 em Santo André para reforma de um reator e ampliação da produção de vernizes para revestimento. Segundo o gerente de Comunicação Fernando Poyares, a estimativa é sair de uma participação de 25% no mercado brasileiro de vernizes de embalagens de latas de alimentos para 37% em três anos e ainda atender a países como Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia e Venezuela.
Pesquisa e desenvolvimento acompanham cada passo da Coral no País desde a fundação pelo grupo argentino Bunge y Born, que adquiriu a marca da Mesbla — na época grande revendedora de tintas — e hoje é conhecido no Brasil pela holding Santista Alimentos, aquela do Pão Pullman e margarina Delícia. A troca de mãos há dois anos para a ICI (Imperial Chemical Industries), um dos colossos da indústria química do planeta, só fez empinar o P&D da Coral.
Prova recente está no lançamento, mês passado, de embalagem de plástico que tem como diâmetro de boca o tamanho do rolo de pintura. O inédito formato dispensa o trabalho do pintor colocar a tinta em caçambas. Também o Endurance inova na linha decorativa, por tratar-se de látex 100% acrílico com espantosos 20 anos de garantia. No setor automotivo, a divisão ICI Autocolor mobiliza mais de 200 especialistas capazes de desenvolver ao ano até 30 mil fórmulas, o que exige investimentos de US$ 15 milhões. As três fábricas brasileiras estão on line com os Centros de Cores da ICI Autocolor, que tem empresas em 120 países.
A Coral foi vanguardista no Brasil na área de tinting-machine, com o lançamento em 1992 do Color Service em pontos-de-venda onde o próprio cliente elabora e reproduz rapidamente a cor escolhida. Máquina computadorizada permite, por meio de concentrados de pigmentos especiais importados e tintas básicas, produzir 1.152 cores com infinitas combinações. Foi um achado para o mundo da decoração, pois cada cor ganha um código e pode ser reproduzida daqui a um ou 100 anos exatamente como o original.
Dona das disputadas logomarcas Suvinil e Glasurit, a Basf é outro prodígio que mantém alta a temperatura de investimentos no setor. Depois de instalar em São Bernardo, em março último, a primeira fábrica na América Latina de tinta catódica sem chumbo, na qual desembolsou US$ 4 milhões, inaugurou em agosto a também pioneira unidade latino-americana de produção de tintas à base de água, onde foram colocados mais US$ 5 milhões.
A Basf elegeu 1998, aliás, como Ano do Meio Ambiente, dada a centralização de esforços em linhas que não agridam a natureza. A tinta catódica isenta de chumbo, como o próprio nome diz, é livre de metais pesados e seu uso é destinado à indústria automotiva no tratamento anticorrosivo, como primeira camada de pintura do automóvel. Já é utilizada pela Volvo e pelas autopeças Maxion, Meritor, Bentler e Acil e vai cobrir o A3 que começa a ser fabricado pela Audi/VW no Paraná em 1999. A capacidade da unidade catódica sem chumbo chega a 2,8 toneladas/ano.
A nova fábrica de tintas solúveis em água também tem nas montadoras a maior clientela da Basf. O batismo acontecerá com o automóvel compacto classe A que a Mercedes-Benz colocará no mercado também no próximo ano e já interessou a Renault e Audi. Segundo Hugo Haas, diretor da Divisão de Tintas Automobilísticas da Basf, trata-se de tecnologia do Terceiro Milênio trazida ao Brasil não apenas para atender as novas montadoras cujas matrizes a adotam na Europa e Estados Unidos, mas para abastecer as automotivas já instaladas e que mais cedo ou mais tarde terão de adaptar-se a produtos ecologicamente corretos.
Isso sem falar na própria globalização, que habilita a fábrica de São Bernardo a fornecer para qualquer parte do mundo onde as exigências ambientais já são rigorosas. “Subimos mais um degrau em modernidade. Não é possível ficar parado em um setor onde a cada cinco anos a tecnologia muda” — acentua Hugo Haas.
Totalmente automatizada, a fábrica de tintas solúveis em água ocupa somente cinco funcionários — um engenheiro, um supervisor geral e três operários, todos treinados no México, onde a Basf já aplica a nova tecnologia. Desde o tratamento do ar até a climatização do ambiente interno e misturadores, tudo é operado por máquinas. A tinta à base de água é tão sensível que a temperatura máxima suportável para armazenamento e transporte é de 28 graus.
Fora disso, pode ser contaminada e causar defeitos como crateras e bolhas. Em compensação, possui melhor performance e mais resistência a agentes externos como sol, poluição e riscos, diz Haas. A nova fábrica terá capacidade para produzir um milhão de litros/ano em 1999, quando a Basf projeta ampliar o mercado e investir outros US$ 3 milhões para aumentar o volume a 1,5 milhão de litros.
Com atuação em setores como plásticos especiais, pigmentos, corantes, agroquímicos, vitaminas e produtos farmacêuticos, a Basf tem nos negócios com tintas e vernizes seu maior filão: representam 43% do faturamento da empresa no Brasil, que atingiu US$ 1,4 bilhão em 1997. A expectativa é engordar em 7% esse faturamento este ano. Como no resto dos 170 países onde atua em todo o mundo, as tintas automobilísticas representam o core-business da Basf. No Brasil, as tintas para montadoras são 25% dos negócios da Basf e as de repintura outros 23%. As tintas imobiliárias representam 36% e as industriais 10%. Todos esses números viçosos dão à Basf cobiçada liderança no mercado brasileiro de tintas e vernizes, com naco de 25%.
No complexo de São Bernardo, no Bairro Demarchi, estão 13 unidades: desde as linhas de produção da Suvinil, que despejam 500 mil litros/dia dessa tinta para o setor imobiliário, até os almoxarifafos e centros de treinamento, além das fábricas da marca Glasurit, que atendem as linhas automotiva, plásticos e eletrodomésticos.
Também está em São Bernardo a fábrica de tinta em pó epóxi, altamente anticorrosiva, com 460 toneladas de capacidade e que opera sob três turnos para dar conta do megaprojeto do gasoduto Brasil-Bolívia. São 3.150 quilômetros de tubos que aço que trarão gás boliviano para gerar eletricidade no Brasil e que serão revestidos com tinta epóxi em pó e líquida. O fornecimento exclusivo exigiu da Basf outros US$ 4 milhões em investimentos nessa fábrica. Em São Bernardo estão empregados 1,5 mil dos 2,6 mil funcionários da empresa na região, que tem ainda a fábrica de pigmentos em São Caetano e de poliuretanos em Mauá.
Antes da tinta solúvel em água para montadoras, a Basf havia enveredado pelo caminho dos produtos ecológicos na área de repintura automotiva. Em julho, colocou no mercado as linhas 22 e 55 para oficinas mecânicas e concessionários. A 22/55 é uma fase intermediária entre solvente químico e água, pois possui mais sólidos que a anterior, a família 21/54. Com isso, a propagação no meio ambiente é menor e torna-se menos insalubre aos pintores.
Quando o assunto é repintura, aliás, chamem Hendrick van Gent para a conversa. Adepto do concentre-se em um alvo e faça o melhor, o executivo holandês mudou todo o perfil da unidade de negócios repintura automotiva da Akzo Nobel na América Latina, centralizando no Brasil, especificamente em São Bernardo, toda a produção dessa linha de produtos.
Desde setembro de 1996, quando assumiu a divisão, van Gent centrou foco em repintura de oficinas e concessionárias. Desfez a joint-venture com a PPG que fornecia tintas para montadoras e transferiu para São Bernardo a produção de repintura automotiva espalhada pelas fábricas da Argentina e da Raposo Tavares, na Capital paulista. Agora a Raposo Tavares concentra-se em tintas decorativas com a marca Ypiranga.
De São Bernardo saem tintas de repintura automotiva sob as marcas Sikkens e Wanda. A Akzo não informa os níveis de produção, mas o mercado lhe atribui cerca de um quinto do segmento de repintura automotiva no Brasil, sob o argumento de que não há distâncias marcantes entre os concorrentes. “Com a centralização da repintura, diminuímos o tempo de resposta aos clientes e passamos a oferecer o que melhor sabemos fazer: sistemas de pintura, consultoria em gerenciamento de oficinas e treinamento, de modo a incrementar a produtividade dos clientes” — responde o executivo holandês, que tem sob seu comando em São Bernardo 450 dos 800 funcionários da Akzo Nobel no Brasil.
A reformulação acrescentou não só crescimento de 13% à unidade de repintura da região — contra expansão de 6% do segmento em 1997 — como fez brotar outros planos. No ano passado, a Akzo Nobel investiu fortemente em treinamento para capacitação de seu público alvo, os pintores de autos, estreando os CRICs (Centro de Treinamento em Repintura Automotiva). Ribeirão Preto (SP), Betim (MG), Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro e Argentina já dispõem do espaço. Recife e São Bernardo ganham centros este ano.
O do Grande ABC está projetado para ser o maior da rede, com a função de qualificar e aperfeiçoar profissionais de toda a América do Sul, anuncia van Gent. Nos CRICs, turmas de oito a 10 profissionais passam por cursos intensivos de tingimento e especialização que duram em média uma semana. Internamente, também os funcionários não escapam de atualização: cerca de 5% do tempo dos trabalhadores é investido em cursos, calcula o diretor.
Estimando que o segmento de repintura automotiva deve ampliar-se entre 5% e 6% este ano e apostando firme em crescer o dobro, a Akzo Nobel planejou e já colocou no mercado o inédito serviço de planejamento de layout de oficinas e projetos de novas instalações. Criado há três meses, o Departamento de Projetos para Oficinas já elaborou plantas para 15 clientes brasileiros e um argentino, redesenhando a forma e o fluxo de trabalho de modo a possibilitar redução superior a 30% no tempo de reparo por veículo. “O mercado exige que as oficinas executem serviços com cada vez mais qualidade em menos tempo. É um processo irreversível” — testemunha Hendrik van Gent, anunciando que a unidade de negócios de repintura automotiva vai investir este ano em mais equipamentos e computadores.
Novas cores serão desenvolvidas no Laboratório de Colorimetria para carros nacionais e importados sob as marcas Wanda e Sikkens, respectivamente. Será dada ênfase ao Automatchic, um espectrofotômetro portátil que permite identificar a cor de um veículo a partir de sua visualização diretamente sobre a chapa. “Desenvolveremos softwares de gerenciamento para incrementar a produtividade das oficinas” — anima-se o diretor.
As pequenas e médias empresas correm por fora da raia dos colossos da indústria de tintas, mas nem por isso deixam de exibir produtos em dia com novidades e de buscar alternativas contemporâneas de negócios, como a penetração internacional. A Universo Tintas e Vernizes, que emprega 110 funcionários em Diadema, vislumbrou no mercado externo uma trilha de crescimento sustentável e decidiu, a partir deste ano, atuar com exportações diretas para o Mercosul. Até 1997, a Universo frequentava pontos-de-venda de países latinos por meio de comerciais exportadoras, que adquiriam seus produtos nas fronteiras e se encarregavam de distribuí-los no mercado. “Já temos contratos diretos fechados no Paraguai e registramos nossa marca no Uruguai e Argentina. Estamos prospectando Colômbia e África” — anima-se o sócio-diretor Douver Gomes Martinho, esperando tirar as vendas externas do traço residual das receitas.
A Universo atua no segmento imobiliário com látex, tinta a óleo, esmaltes e vernizes, entre outros, num total de 700 itens entre tipos, cores e tamanhos de embalagens. Cerca de 80% da produção de 1,2 milhão de litros/mês vão para outros Estados, uma estratégia para escapar da alta concorrência no mercado paulista — que consome 50% da produção de tintas do País — e também para estar mais próximo do seu público. “Atuamos numa faixa intermediária de preços, para as classes B e C” — explica Douver.
Há cinco anos, quando completou meio século de atividades, a Universo decidiu aderir à indispensável informatização. Investiu desde então cerca de US$ 300 mil em controles administrativos informatizados e integrados com clientes, fornecedores e ativo imobilizado, além de introduzir o código de barras nos produtos. As cerca de 10 mil empresas no Brasil para as quais vende podem ser informadas por computador sobre tipos de produtos e disponibilidade em estoque. Em breve, estarão on line para fechar pedidos eletronicamente. “O próximo passo, em 1999, é automatizar a produção, começando pelo envasamento” — anuncia Douver.
A automação da empresa, fundada na Capital e desde 1971 instalada em área de 50 mil metros quadrados em Diadema, vinha sendo adiada em função da inadimplência que roeu as receitas sobretudo dos pequenos e médios negócios do setor, segundo o diretor. A Universo opera com 60% da capacidade plena que ocupava há três anos e precisou dispensar cerca de 50 funcionários nesse período.
Atualização também é um dos pontos progressistas da Vivacor Tintas e Vernizes, que atua no segmento de tintas de impressão para embalagens flexíveis alimentícias e de papelões ondulados. Para essa empresa de Diadema com 30 anos de mercado, estar em dia com novidades não significa apenas máquinas novas que dêem lastro a produtos de vanguarda, mas mudança de postura dos recursos humanos. Foi o que aconteceu há dois anos, quando a Vivacor iniciou treinamentos e procedimentos visando à conquista da ISO 9000 e redirecionou tanto o comportamento interno dos cerca de 70 funcionários como a maneira de levar a imagem da empresa para o público externo. “Profissionalizamos a equipe sobretudo da área técnica. Para algumas funções passamos a adotar como pré-requisito a escolaridade do Primeiro Grau e incentivamos o setor comercial com aumento de 30% nos quadros” — comenta a engenheira química e supervisora do Departamento Técnico, Andréa Rosso Baladi.
A Vivacor sempre se ancorou na tradição da qualidade que o mercado reconhece em suas tintas, vernizes e solventes para rotogravuras e flexografias. Entretanto, o fechamento do cerco da concorrência levou a direção a planejar outras estratégias. Passaram a ganhar peso no marketing ações como folhetos institucionais, exibição na mídia e visitas a clientes do Sul e Sudeste, que absorvem a maior parte dos 250 mil litros/mês que fabrica. Estar na linha de frente em tecnologias também é ponto-chave. Somente a compra de equipamento adequado para reproduzir em laboratório o novo verniz ultravioleta que a Vivacor está testando exigiu investimento de US$ 10 mil. O verniz ultravioleta confere mais brilho e resistência à impressão de embalagens em gráficas, que estão substituindo o off-set pela mais moderna flexografia no segmento de etiquetas. Trata-se de tecnologia pouco usada no Brasil e que ainda necessita de adaptadores por parte das gráficas, explica Andréa Baladi.
O Plano Real que deu poder de compra à população de baixa renda e o fenômeno do faça-você-mesmo — uma febre nas metrópoles de maior poder aquisitivo — empinaram o setor de tintas e vernizes no Brasil. O consumo geral saltou de 233,5 milhões de galões em 1994 para 275 milhões no ano passado, elevando o faturamento de US$ 1,7 bilhão para US$ 2,1 bilhões no período. O mercado de construção civil foi o que mais influenciou esse salto: saiu de um consumo de 144,3 milhões de galões em 1994 para 175 milhões em 1997.
“O Sitivesp está em campanha para incentivar a repintura das residências não apenas como valorização do patrimônio, mas como item de melhoria de qualidade de vida” — diz Roberto Ferraiuolo, referindo-se à campanha institucional Pintou, Tá Novo. As exportações ainda não representam ponto cardeal no setor, mas dão sinais de vitalidade: foram embarcados US$ 32,8 milhões em 1993, número que quase duplicou em 1997, quando atingiu US$ 61,4 milhões. O Mercosul tem papel-chave na performance, ao responder por US$ 35 milhões.
Pela primeira vez, a indústria de tintas promoveu este ano evento próprio para se promover institucional e comercialmente, o que fazia até então de carona em outras feiras e exposições. A Feitintas (Feira da Indústria de Tintas e Vernizes) aconteceu nos três primeiros dias de julho último no International Trade Mart, na Capital, e atraiu cerca de 10 mil visitantes, segundo o Sitivesp, que pretende torná-la bienal. O grande mote é reunir em torno dos fabricantes o respeitável e cobiçado patrimônio de 25 mil pontos de venda em todo País. O setor também flerta com o potencial da indústria da construção civil, às voltas com déficit calculado em 10 milhões de moradias no Brasil.
Com linhas de produção bastante automatizadas, o setor de tintas tem oscilações mínimas no nível de emprego, calculado em torno de 20 mil trabalhadores. Pesquisa do Sitivesp com universo de oito mil empregos entre julho do ano passado e julho deste ano detecta variação anual negativa de 1,98%. Como investiu em um parque de máquinas capaz de responder às flexibilidades qualitativas e quantitativas da demanda, é possível aumentar a produção agregando o terceiro turno, explica Ferraiuolo.
Pioneirismo garante a força da Acrilex
Pioneira no Brasil no segmento de tintas artísticas, escolares e para impressão em silkscreen, a Acrilex de São Bernardo nada de braçadas no setor de tintas especiais que, segundo o Sitivesp, movimentou 185 milhões de litros no ano passado. O know-how desenvolvido pela Acrilex ao longo de 34 anos de atividades lhe abre portas não só junto a 50% do mercado brasileiro das chamadas tintas especiais, como em todos os países da América Latina e vários da Europa. Cerca de 15% da produção já têm como destino o mercado internacional, o que atesta o grau de qualidade e competitividade da marca.
São 150 funcionários operando em regime efetivo e outro tanto contratado em caráter temporário nos períodos de campanha escolar. A linha escolar da empresa — giz de cera, guache, massa de modelar, cola colorida e glitter, pintura a dedo, tinta plástica, nanquim e acrilpen — representa 14% dos negócios. “O forte dos lançamentos acontece em meados de setembro e outubro, justamente por conta da tradicional Feira Escolar” — comenta a supervisora de Marketing, Glauce Pereira. É na linha hobby, entretanto, que a estrela da Acrilex mais brilha. Tintas para tecido e artesanato, vernizes e aquarela, tintas a óleo e acrílica para tela garantem 60% das receitas da empresa. O segmento de serigrafia é mais recente e complementa os três nichos de atuação.
Empresa de capital nacional fundada em 1964 no Bairro do Ipiranga, na Capital, a Acrilex transferiu-se em 1972 para o Grande ABC em busca de maior espaço para expandir atividades. Em confortável área de 48 mil metros quadrados no Bairro Batistini, está a meio caminho da Imigrantes e da Anchieta. Por trabalhar com públicos bem definidos, a empresa fez do atendimento ao consumidor sua usina de idéias para novos projetos. São pelo menos duas mil ligações por mês, 60% a 70% das quais em busca de orientação sobre técnicas de pintura e dúvidas sobre aplicação das tintas. Isso leva a Acrilex a estar constantemente investindo em aperfeiçoamento de produtos e facilidades de utilização, conforme as novas tendências do mercado.
No laboratório de pesquisas e desenvolvimento, tecnologias se renovam por meio de amostras obtidas nos mercados nacional e internacional, assim como junto a ateliês e escolas cadastradas especificamente para testar os produtos Acrilex, explica Glauce Pereira. Um ateliê dentro da empresa complementa os experimentos e novas idéias. Somente na área de pesquisa e desenvolvimento, a Acrilex programou investimentos de US$ 54 milhões no quinquênio 1995/2000. “Para os pontos consumidores — mercado papeleiro, atacadistas e hipermercados — enviamos materiais promocionais mensalmente” — pontua a supervisora de Marketing.
Atenta à respeitada penetração no mercado, a empresa não descuida de procedimentos elementares de gestão moderna. Completou em agosto um ano de aplicação do treinamento 5S (organização, descarte, limpeza, higiene e ordem mantida) e, no setor industrial, desenvolve concomitantemente programa TPM (Manutenção Total Produtiva).
Grandes aportes, poucos empregos
A concentração de grandes empresas coloca mais combustível no motor da modernização e das pesquisas num setor que lida diretamente com a ciência, como é o químico, mas não agrada totalmente ao Sindicato dos Trabalhadores. Das 37 indústrias de tinta do Grande ABC, 65% são pequenas com menos de 50 funcionários. A 38ª, a Sulan Tintas, está chegando a Mauá para atuar na área de silkscreen com 30 empregados. A questão é que novas tecnologias implicam em grandes inversões de recursos, cacifadas geralmente por capital internacional, e trazem no rastro a automação, sinônimo de desemprego. A nova fábrica de tintas solúveis em água da Basf de São Bernardo, resultado de US$ 5 milhões em investimentos, criou cinco vagas: um engenheiro, um supervisor geral e três operários vão comandá-la nesta primeira fase.
Sérgio Novais, presidente do Sindicato dos Químicos do Grande ABC, se diz assustado: “O capital estrangeiro domina 80% da produção em setores líderes como tintas imobiliárias e automotivas é o que mais investe em mecanização interna e externa. As máquinas encontradas em oficinas mecânicas e até em hipermercados, onde qualquer consumidor faz a mistura, na hora, da cor e da tinta de sua preferência, eliminaram dezenas de vagas na área de envasamento das fábricas. Além disso, na reestruturação que promovem por meio de fusões e compras, as grandes marcas acabam desativando linhas de produtos” — diz Novais, que já comandou no Grande ABC cinco mil trabalhadores na base de tintas e vernizes. E o capital internacional não pára de chegar: a PPG americana está desembarcando em Sumaré, Interior paulista, para disputar o mercado de tintas automotivas, e a Hebert, do grupo alemão Hoechst, se instala em Suzano, na Grande São Paulo, para dar sua bocada no setor imobiliário, segundo informações do Sindicato dos Químicos.
Novais está apreensivo, mas reconhece que muitos investimentos também reverteram em conquistas trabalhistas, como o adicional de periculosidade há 10 anos agregado aos holerites, benefícios de transporte e assistência médica, salário médio na faixa de R$ 870 diante do piso de R$ 320 da categoria, programas de escolarização que garantem à quase totalidade da base possuir o Primeiro Grau completo, além de penetração do Sindicato nas empresas com comissões de fábrica e CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). A contaminação de tintas à base de benzeno já faz parte de passado que não deixa saudades. Nas grandes empresas já se negociou a PLR (Participação nos Lucros e Resultados) e há três anos os dissídios coletivos garantem bonificação de R$ 300 em fábricas que ainda não adotaram a PLR, embora várias resistam com posturas anti-sindicais à entidade filiada à CUT (Central Única dos Trabalhadores). “As relações sindicais e os benefícios trabalhistas não seguem o mesmo ritmo de rapidez das mudanças tecnológicas que ocorrem no setor” — queixa-se Novais, calculando que apenas 15% do faturamento do setor, que somou em âmbito nacional R$ 2,1 bilhões no ano passado, vão efetivamente para a folha de pagamentos.
O Sindicato dos Químicos quer reeditar com a indústria de tintas o que fez no mês passado com o pólo petroquímico: traçar uma agenda comum em torno de temas como relacionamento sindicato-empresa, jornada de trabalho, conservação ambiental, saúde e segurança. “A idéia é chegar a um único acordo respeitado por todas as empresas e evitar ir para a Justiça do Trabalho, resolvendo diretamente qualquer pendência” — explica, referindo ao slogan do seminário Relações Trabalhistas Rumo ao Próximo Milênio.
Caos tributário é um fantasma
Substituição tributária. Esse é o nome do fantasma que tira o sono de empresários da indústria de tintas no Brasil. O regime de substituição tributária faz o fabricante destacar o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) da sua própria operação e também recolher antecipadamente o tributo relativo ao ponto-de-venda, isto é, sem conhecer exatamente o valor final praticado pelo varejo junto ao consumidor. Isso exige estabelecer controles próprios para cada Estado. “Se o produto custa R$ 100, o Fisco impõe R$ 135 como base de cálculo para venda e recolhe sobre esse valor, independente de o preço final ser esse mesmo” — explica Ary Silveira Bueno, da ASPR Assercon de Santo André, especializada em consultoria tributária. Para agravar, os Estados não uniformizaram as alíquotas internas e não se equipararam aos 18% de São Paulo, que responde por 50% do consumo de tintas no País.
Mas esse fantasma tem outra face negra: a dança de alíquotas do ICMS conforme o Estado destinatário do produto. As leis de mercado, que acabam pegando atalhos nas leis impressas oficiais, permitem à indústria de maneira geral praticar três níveis de alíquotas de ICMS: 18% no caso de São Paulo, 12% quando as saídas são para o Sul e Sudeste e 7% para o Norte e Nordeste. Isso exige esforços triplicados, pois praticam-se pelo menos três tabelas de preços. “O caos tributário nacional é o grande item componente do nosso custo, mais que o alto IPTU em vigor no Grande ABC. Temos uma prestação de informações intermináveis a todos os fiscos dos Estados para os quais vendemos e ainda ficamos sujeitos a fiscalizações” — queixa-se Douver Gomes Martinho, um dos comandantes da Universo Tintas e Vernizes de Diadema, que manda para fora de São Paulo nada menos que 80% da produção.
O consultor Ary Silveira explica que os tempos de inflação alta permitiam que as empresas praticassem tabela base, mesmo com níveis diferenciados de alíquotas de ICMS inseridas no faturamento para cada Estado destinatário. Com a estabilidade monetária e a maior competitividade, a equalização dos preços foi para o fundo da gaveta e o faturamento passou a levar em conta a carga fiscal final. Como caldo amargo do coquetel de alíquotas que o governo serve ao País, prolifera a sonegação sobretudo no segmento de micro e pequenos fabricantes. Isso sem falar no estímulo às atividades informais, práticas de baixa qualidade de produtos e até falsificações num leque tão vasto como o da indústria de tintas. “Toda grade tributária do País deve ser repensada. Não é possível a União, os 27 Estados e ainda os 5,5 mil Municípios legislarem sobre isenção, suspensão, diferimento e substituição tributária” — pontua Ary Silveira.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES