Imprensa

Doria esperneia em Entrevista
Incômoda ao Valor Econômico

DANIEL LIMA - 07/03/2017

Nada melhor que um aperto aqui, outro ali, para conhecer até onde vai o limite emocional e também o preparo técnico de um homem público geralmente paparicado pela Imprensa. No caso, o teste envolveu o prefeito João Doria. Em entrevista ao jornal Valor Econômico de quarta-feira de cinzas, o tucano ficou irritado com alguns questionamentos. E estrilou. Ameaçou interromper a entrevista, segundo relato dos repórteres. Imaginem então se Doria passasse pelo corredor polonês de uma Entrevista Indesejada.

João Doria ainda é um objeto pouco identificado na floresta de gestores públicos que aparecem como salvadores da pátria no cenário nacional a reboque do desmonte do Partido dos Trabalhadores. O tempo possivelmente responderá se constará da galeria que exibirá um novo perfil de fato ou não passaria da pasteurização de um modelo já sucateado, porque esgotado. 

Se decidisse catalogar o trabalho do Valor Econômico, o colocaria na categoria de “Entrevista Incômoda”. Não chega a ser, portanto, uma “Entrevista Indesejada”, modalidade que criei nesta revista digital e da qual todos fogem como o Diabo da cruz. Mas também está longe de ”Entrevista Desejada”, que a maioria da mídia impressa realiza para levantar a bola aos entrevistados, embora repasse a ideia de que pretende apertá-lo.

O Valor Econômico foi o único dos grandes jornais brasileiros que, antes das eleições municipais, construiu um João Doria distante do oba-oba acrítico. Nas entrelinhas havia muito a dizer para quem conhece o histórico do tucano, um lobista refinado disfarçado de empreendedor moderno que atuava diretamente com mandachuvas das grandes corporações e dos pesos pesados da política nacional. Doria foi competentíssimo ao promover a união de egos, interesses, exibicionismo e, principalmente, negócios entre os convidados. Tornou-se um anfitrião inegavelmente fora de série para os padrões nacionais.

Perguntas incômodas

Para ir direto ao ponto que resume bem o ambiente da entrevista do Valor Econômico, repasso imediatamente alguns questionamentos e as respectivas respostas. Vale a pena acompanhar. Fosse uma entrevista semelhante com prefeitos da região, duvido que na maioria dos casos a relação seria outra. Acompanhem:

Valor – O senhor tem usado seu bom relacionamento com empresários para programas de limpeza da ponte estaiada e a doação de carros para a segurança das marginais. Como pretende regulamentar essa relação com os empresários?

Doria – Damos total transparência a esta relação. As doações têm chamamento público e são explicitadas sem nenhuma contrapartida. São R$ 120 milhões em medicamentos, automóveis, motocicletas, 40 mil peças de roupa para pessoas em situação de rua, um milhão de itens de produtos de higiene e limpeza pessoal doados pela Unilever, 15 mil fraldas pela Procter & Gamble para as UBS, tudo dentro daquilo que a legislação permite. Nenhum problema nisso.

Valor – Mas a Cyrella, por exemplo, que está doando a reforma dos banheiros do Ibirapuera, tem um contencioso com a prefeitura na questão do Parque Augusta...

Doria – Não há contencioso conosco. Há uma circunstâncias em discussão no Ministério Público.

Valor – A prefeitura é parte interessada. O senhor já sabe que o que vai fazer com o Parque Augusta?

Doria – Estamos discutindo com o Ministério Público. Não há nenhuma decisão ainda. Isso é um tema herdado, não foi criado nesta gestão. Veio da gestão anterior, está no Ministério Público e nós estamos dialogando. Não tem conflito de interesse.

Cronologia manipulada

Faço um parêntese a algumas considerações. O prefeito Doria se embananou ao tentar justificar a relação com a Cyrella sem qualquer impedimento de ordem ética quando afirma que a pendenga com a Prefeitura não corresponde ao atual mandato. Bobagem. O Poder Público Municipal não conta com uma divisória cronológica e de mandatos para facilitar ou dificultar as relações com os contribuintes. O personalismo do tucano não pode exceder os limites legais.

Seguindo com a Entrevista Incômoda de Doria ao Valor Econômico, seleciono mais alguns dos melhores momentos que justificam plenamente as entrelinhas do título da matéria do Valor Econômico “Doria nega conflito de interesse em doações”. Leiam:

Valor – O que leva um empresário em um momento de crise, dar milhões para a prefeitura?

Doria – Tenho sensibilizado. Hoje (quinta-feira) pedi para a Associação da Indústria Têxtil uniformes para a guarda-civil metropolitana, para a CET, para as unidades de atendimento nas 31 prefeituras regionais e eles vão doar. E por que vão doar? Porque tenho dito a eles que eles ganharam dinheiro a vida inteira em São Paulo, legitimamente, de forma correta, mas o maior mercado de consumo deles é a cidade de São Paulo. Devolver um pouco do que tiveram nesse mercado significa estabelecer um limite além da fronteira do lucro e do benefício que sempre tiveram.

Valor – O sr. Não acha natural que na era da Lava-Jato a imprensa se torne mais vigilante em relação a essas relações entre o público e o privado?

Doria – Não sou Lula, não sou o PT, não sou o Dirceu. Não tenho Lava Jato. Tem que perguntar para quem é do PT, não para mim.

Valor – Mas a Lava Jato também traz investigações sobre nomes do PSDB, PP, PMDB.

Doria – Mas eu não sou essas pessoas. Eu não tive financiamento, nem poderia ter, de construtora na minha campanha. O maior financiador fui eu mesmo.

Mercado imobiliário

Há um refogado temático mal digerido do qual a grande imprensa da Capital não pode deixar de lado nos próximos tempos. Trata-se da vocação de João Doria entregar o território paulistano ao assanhamento geral e irrestrito dos donos do poder no mercado imobiliário. Há uma nova diagramação de forças relativas na estrutura da Prefeitura de São Paulo que sabota a herança de moralidade e ética deixada por Fernando Haddad. Colocaram-se raposas para cuidar das galinhas. João Doria fala ostensivamente em destruir o legado de disciplinamento no uso e ocupação do solo. Um ex-presidente do Secovi, o sindicato da habitação, passou a comandar a engrenagem que vai decidir o que fazer das áreas paulistanas para alimentar a máquina da construção civil. Os cuidados ambientais, denunciam os especialistas, estão sendo dinamitados. São Paulo é o pior exemplo de verticalização que uma sociedade poderia suportar. E tudo indica que se tornará  mais estuprada ainda. 



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