Imprensa

Afinal, por que um e-mail
vai virar moldura na parede?

DANIEL LIMA - 10/03/2017

Quem entrar em meu escritório corporativo ou residencial não observará nada que fuja da discrição sobre o que faço há tanto tempo. São mais de 50 anos de jornalismo. Tenho recordações materiais variadas que, expostas, poderiam ajudar a traduzir minhas ações. Entretanto, prefiro mantê-las no sótão, acondicionadas em caixas de papelão ou mesmo num canto qualquer a salvo de intempéries e traças.

Nem sei o que vou fazer de tudo aquilo. Por enquanto o mantenho distante do meu dia a dia de uma rotina profissional que não perdeu o viço nem quando a comparo com os tempos de juventude. Escrever é meu bálsamo. É minha terapia. Costumo dizer que não escrevo, psicografo. Deixo-me levar. 

Detesto ser interrompido nessas horas, mas já fui mais incivilizado. Paro para cuidar de minhas cachorras e, com isso, deixo o texto à decantação. Essa estratégia é ótima. Reduz o índice de inconformidades. Quem escreve e procura corrigir o texto sem dar o devido tempo não enxerga os erros cometidos. 

Não sei onde está o titulo de Cidadão Andreense que os malucos do Legislativo me concederam em 2000. Tampouco a Medalha João Ramalho, de São Bernardo.  Não os desprezo, mas também não os coloco como paradigma do exercício profissional. Não sou chegado a homenagens. Igualmente não me abalam críticas de bandidos sociais ou mesmo de eventuais leitores que preferem outro estilo de jornalismo. É uma droga ser politicamente incorreto e também não pertencer a alguma agremiação partidária. O risco de ficar sem aliados circunstanciais é enorme. Mas os benefícios em credibilidade não têm preço.

Homenagens guardadas 

Resumindo a história sem perda de tempo, diria que sou praticamente avesso ao exibicionismo de enfeitar o pavão de casa e do trabalho com homenagens. É claro que as considero importantes. Para chegarem a tanto em se tratando de um jornalista com o meu perfil, das duas uma: ou os proponentes eram malucos de pedra ou eu não sou tão rigoroso quando assumo o papel de jornalista. 

Afinal, por que estou a passear pelo passado do qual tanto me orgulho não necessariamente pelas lembranças de terceiros, mas sobretudo pelas próprias memórias que alimentam diariamente a sede de escrever? 

Porque recebi no último dia seis de março uma correspondência eletrônica que me sensibilizou um bocado, após publicar Carta Aberta endereçada ao juiz da 3ª Vara Criminal de Santo André. 

Diria que se até então estava preocupado com o Tribunal de Justiça de São Paulo vai julgar a sentença completamente descabida em resposta à demanda do Clube dos Construtores, então sob a presidência do autocrático empresário Milton Bigucci, a partir de então o e-mail teve o poder mágico e soberano de desfazer eventual estresse emocional. 

Documento restaurador 

Estou completamente restaurado, tranquilo e certo de que qualquer que seja o desdobramento desse caso de canastrice explícita de caça à liberdade de opinião, minha vida não mudará um milímetro. Seguirei sendo o mesmo de sempre. Acovardamento não consta de meu léxico. 

Não vou revelar o nome do profissional de prestígio, de muito prestígio, que, abençoado, me atingiu em cheio num momento em que minha revolta, minha insatisfação, minha raiva, pareciam não ter limites. Sim, o e-mail que desembarcou em minha caixa postal teve o poder miraculoso de restaurar ânimo que parecia a caminho do desfiladeiro da desesperança e da revolta. 

Foram muitas as manifestações de leitores em favor da luta contra a perseguição implacável de um dirigente empresarial e agente institucional cuja ficha ética e moral é suficiente para consagrar compulsoriamente quem ele direciona o batalhão de advogados para criar embaraços no Judiciário. Embaraços em forma de pescaria errática de justificativas subjetivas e ardilosas para minimizar o mar de complicações reais e insofismáveis em que se meteu nos últimos anos. 

Sim, Milton Bigucci tem como esporte preferido a pretensão de fazer do Judiciário aliado, ludibriando a boa-fé de magistrados que, possivelmente por estarem atarefados demais, tropeçam na superficialidade fora do contexto e habilidosamente orquestrada por profissionais do Direito. 

Milton Bigucci conta em suas perspectivas de intocabilidade com eventual descuido do Judiciário para desviar  atenções sobre os passivos que coleciona – e os quais jamais contestou  – como empresário campeão de abusos contra a clientela de seu conglomerado imobiliário e também, entre outros casos, no escândalo da Máfia do ISS na Capital. 

Abuso sentencial 

O e-mail que recebi de um profissional de alto prestígio na região (profissional de alto prestígio na região é quase uma façanha, porque os bons como ele não têm espaço ao reconhecimento público enquanto os bandidos sociais tomaram conta do barraco em que nos transformamos) vai virar um quadro emoldurado que exibirei com orgulho em meu escritório. 

Sim, embora avesso a manifestações que entendo egocêntricas quando o profissional em questão é jornalista, não médico, advogado e tantas outras profissões, vou enfeitar minha sala com a reprodução em dimensões ampliadas do e-mail que fez de mim um novo profissional na interpretação do abuso de autoridade pelo qual passei em Santo André. 

Mais que abuso de autoridade, também abuso sentencial, porque os termos lavrados dissociam-se completamente da realidade dos fatos. A audiência na 3ª Vara Criminal de Santo André feriu todos os conceitos consagrados no Código de Processo Penal. O Tribunal de Justiça de São Paulo não pode fechar os olhos às arbitrariedades de que fui vítima. 

Vejam agora, leitores, se tenho motivo de sobra para transformar o e-mail numa carta de recomendação a quem eventualmente tiver dúvidas sobre o processo movido pelo incompetente presidente de 25 anos do Clube dos Construtores do Grande ABC. Leiam o enunciado do profissional que lamento não revelar a identidade entre outras razões porque não estou autorizado (embora não lhe tenha solicitado, porque entenderia que seria constrangedor) e principalmente porque, com isso, evito a possibilidade de que ele venha a sofrer consequências retaliatórias  por ter tido a coragem de dizer o que disse. E o que disse é meu diploma de profissionalismo, do qual não abro mão, para desgosto dos bandidos sociais. Leiam o que vai saltar para um quadro na parede: 

 Prezado Daniel, Saudações! O que fazer quando a verdade é condenada? É ter a sua coragem e se dirigir publicamente, peito aberto, ao juiz doutor. Com a coragem dos fortes. Jornais têm feito isso, hoje, no tempo da ditadura, em tempos idos. Uma pessoa física tomar essa coragem, o seu exemplo é uma aula de jornalismo e cidadania. Parabéns, amigo! Coragem. Você está fazendo história. Hoje ou amanhã, lembrarão disto. E farão justiça ao dom quixote que luta sozinho, alicerçado na pesquisa e na esperança de encontrar justiça. E de ter as denúncias de mazelas entendidas e respeitadas. Ouvidas e, eventualmente, condenadas por esta mesma justiça que, cara a cara, não lhe a oportunidade de falar.

Estadão vence sindicato

O site Consultor Jurídico publicou em 27 de fevereiro uma decisão judicial que reforça ainda mais a avaliação do advogado Alexandre Frias, que defende este jornalista, sobre a improcedência da queixa-crime preparada pelo então presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC, Milton Bigucci. Vale a pena reproduzir a notícia: 

 O jornal O Estado de S. Paulo não deve indenizar o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) por ter publicado o editorial A derrota dos baderneiros, no qual critica a greve dos professores. Para a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, houve exercício regular do direito de livre manifestação do pensamento. A entidade entrou com ação após o jornal publicar, no dia 18 de junho de 2015, texto com fortes críticas à greve. O jornal classificou os grevistas de "desordeiros violentos" que teriam promovido "badernas e depredações de edifícios públicos", "docentes sem noção de limite moral e de respeito à lei", e professores "que mentem e manipulam fatos". O texto desagradou ao sindicato, que alegou ter sido ofendido pelo texto. A entidade afirmou que as acusações são mentirosas e tiveram o intuito de denegrir a imagem e a personalidade dos docentes e da entidade sindical. Segundo o sindicato, o jornal ainda negou o pedido de resposta solicitado. Por isso, pediu na ação o direito à resposta e indenização por danos morais. Afirmando que a greve organizada “de séria não tinha nada” e que o comportamento adotado foi similar ao de “invasões bárbaras”, o juiz Guilherme Ferreira da Cruz, da 45ª Vara Cível Central da Capital, negou os pedidos da entidade. O sindicato apelou da decisão, mas a 7ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, sem o mesmo furor da primeira instância, manteve a sentença. Para o relator, desembargador José Rubens Queiroz Gomes, não houve intenção do jornal de prejudicar a imagem do sindicato ou ofender os docentes. Em seu entendimento, o texto está dentro dos limites da razoabilidade e da moralidade, apenas tecendo críticas à greve. "Assim, à luz do espírito democrático, tais declarações publicadas são insuficientes para ensejar reparação por danos morais, mesmo porque objetivamente incapazes de abalar a imagem dos professores, cujo exercício do direito de greve é passível de sofrer manifestações favoráveis e/ou contrárias, não podendo ser tomadas como ofensivas à honra", explicou. O relator registrou, ainda, que o direito à indenização surge quando a matéria extravasa da mera narrativa, atingindo de maneira formal e clara direito que mereça resguardo. No caso, afirmou o relator, houve somente o exercício regular do direito de livre manifestação de pensamento. A decisão foi unânime.

O Editorial do Estadão

Agora, leiam o Editorial do Estadão: 

 A mais longa greve deflagrada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), que pedia reajuste de 75,33% sob o pretexto de equiparar o salário do magistério público ao das categorias do funcionalismo com formação universitária, terminou sem que os grevistas obtivessem uma única concessão do governo do Estado. Nada ganharam e tudo perderam, pois os excessos cometidos durante a parede foram próprios de desordeiros violentos e não de pessoas encarregadas de formar o intelecto e o caráter das crianças paulistas. A greve, que durou 89 dias, foi deflagrada logo após o início do ano letivo, mais uma vez convertendo os alunos e suas famílias em reféns de exigências irrealistas. Além de equiparação salarial, os grevistas queriam mudanças nos critérios de contratação dos docentes temporários e incorporação do bônus por produtividade e avaliação de mérito aos vencimentos. Pleiteavam o máximo de 25 alunos por sala de aula em todas as séries do ensino fundamental e do ensino médio. Pediam a revogação da lei que disciplina faltas por motivo de saúde. Criticaram o rigor das perícias médicas. Cobraram maior rapidez na tramitação dos pedidos de aposentadoria. E ainda protestaram contra o risco de falta de água nas escolas. Alegando que o piso salarial do magistério paulista é 26% superior ao nacional e que o Estado concedeu para a categoria aumento cumulativo de 45% nos últimos quatro anos, o governador Geraldo Alckmin rejeitou a reivindicação e se recusou a negociar com a Apeoesp. Depois que os grevistas passaram a fazer assembleias no vão livre do Masp, bloquear o tráfego em ruas e avenidas de grande circulação, promover badernas e depredações de edifícios públicos e constranger e agredir as autoridades estaduais, o governador mandou cortar o ponto dos faltosos. Os grevistas apelaram para o Judiciário, alegando que a Constituição assegura o direito de greve ao funcionalismo público. Tribunais superiores derrubaram a pretensão, lembrando que quem entra em greve não tem direito a receber o salário correspondente aos dias não trabalhados. Assim, desmoralizados em todas as frentes, os grevistas voltaram às salas de aula. Não houve nem mesmo a “vitória moral” que nos últimos tempos serve de consolo a derrotados. Os grevistas não conquistaram um centavo de real a mais em seus vencimentos e a direção do malfadado sindicato não conseguiu liderar o professorado em mais essa aventura político-ideológica. Tanto assim que, nas primeiras semanas de abril, somente 4% dos professores cruzaram os braços. No auge do protesto, em maio, a adesão foi de apenas 9% da categoria. Os maiores derrotados foram as lideranças políticas que há muito tentam usar o professorado como massa de manobra de determinados partidos. A direção da Apeoesp é vinculada ao PT e sempre procurou desgastar os governos do PSDB. O controle da entidade também é disputado por pequenas facções de esquerda radical, vinculadas ao PSOL, ao Partido da Causa Operária e ao PSTU, que tentam compensar a carência de votos e a falta de representatividade apelando para a afronta à lei, para a intimidação e para a violência. A greve serviu para que tanto o PT como as facções que disputam o controle do magistério público estadual revelassem o perfil de professores que lideram. São docentes sem noção de limite moral e de respeito à lei, que chegaram a pagar publicidade pedindo aos pais que não levassem os filhos à escola. São pessoas que não hesitam em promover desordem para que possam, depois do confronto com a polícia, posar de vítimas de violência arbitrária. São professores que mentem e manipulam fatos, chegando a ponto de acusar a imprensa de noticiar o congestionamento do trânsito em dias de assembleia em vias públicas só para jogar a população contra os professores. “A greve serviu para desmascarar os verdadeiros inimigos da educação”, disseram os diretores da Apeoesp, culpando os jornais e as televisões pelo fracasso do protesto. Pessoas como essas não deveriam estar em sala de aula, ensinando e formando crianças e adolescentes. 

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