Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal de Santo André acaba de perpetrar aberração jurídica ao condenar o jornalista Daniel Lima a oito meses de prisão. Decisão agora cabe ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Queixa-crime apresentada pela Associação (Clube) dos Construtores do Grande ABC, então presidida pelo todo-poderoso empresário Milton Bigucci, recebeu guarida do meritíssimo Jarbas Luiz dos Santos.
Motivo alegado: texto com meia dúzia de palavras teoricamente ofensivas e depreciativas à imagem da instituição. Na verdade, mero capricho de um milionário escudado por advogados munidos de lupa, pinça e uma dose de maldade, à cata de detalhes pífios em detrimento do contexto.
Não conheço o meritíssimo juiz, portanto, não posso dizer absolutamente nada que desabone sua pessoa. No entanto, tenho, sim, o direito de me indignar e opinar sobre a sentença. Obra-prima da magistratura tupiniquim é no mínimo questionável.
Daniel Lima está sendo condenado por ser independente e por falar verdades que alfinetam os fundilhos e o coração do poder. Nada além. Pasmem! Falar, comprovadamente, verdades insofismáveis sobre a instituição e seu dirigente-mor.
Quer dizer que o experiente e detalhista Daniel Lima deve se limitar a transcrever informações e não pode analisar nem opinar sobre as condutas da instituição?
Censura de volta?
Quer dizer, meritíssimo, que a censura, amiga inseparável de ditadores de plantão, está de volta? Justo na cara de quem, felizmente, jamais aceitou e jamais aceitará o cabresto da manipulação e da incompetência? Faz-me rir!
Quer dizer, respeitável senhor Jarbas Luiz dos Santos, que a decisão do juiz pode estar acima da letra não tão fria da lei? Ou a interpretação da lei é um jogo de cartas marcadas?
Quer dizer, senhor juiz, que o compromisso de ser justo e imparcial é desprezado e a cartilha do bom senso é rasgada a seu bel-prazer?
Quer dizer, senhor juiz, que, pela sua decisão esdrúxula, sem embasamento minimamente consistente, a liberdade de opinião e de expressão elencadas como direitos constitucionais são ignoradas ao sabor da força dos ventos?
Sua atitude, caro juiz, não é apenas questionável. É injusta! É uma afronta à justiça de quem deveria primar por fazer justiça. Que justiça é essa, senhor juiz? Quais são seus parâmetros para tal condenação?
Decisão estapafúrdia
O exercício da verdade, da grandeza da informação e da crítica construtiva, com termos normais, enfáticos mas nada agressivos e tampouco depreciativos, merece canetada tão desconexa? É questionável; é absurda; é grotesca; é estapafúrdia.
O segmento jornalístico responsável e profissional, inimigo dos cordeirinhos, se orgulha dos textos impecáveis e exemplares de Daniel Lima. O que será que a classe jurídica, zelosa e nada tendenciosa, acha dessa sentença?
Verdade virou crime na província andreense! Soa como piada de mau gosto. O jornalismo decente, investigativo, interpretativo e altamente profissional e comprometido apenas com a ética e a realidade dos fatos merece ser enaltecido; jamais punido. Assim eu aprendi!
E se fosse o Estadão?
Que pena, doutor! Pena que o Daniel não seja colunista do Estadão ou da Folha. Capacidade ele tem de sobra; faltam-lhe a proteção e a visibilidade dos grandes conglomerados de comunicação. Ah, respeitável doutor, a história seria outra e a repercussão faria da tua vida um inferno.
Ninguém move uma palha às claras. Ninguém quer se complicar contra o poder. Raros são os que dão a cara a tapa. Muitos falsos amigos fogem da solidariedade explícita como o diabo foge da cruz e o Lula foge do Moro.
Isto posto, meritíssimo, ao menos por analogia, o que seria se textos de alguns outros jornalistas de alto quilate e de veículos tradicionais, conhecidíssimos, caíssem nas suas mãos? Minha nossa! Seria o caos, a debacle do jornalismo nacional.
Cito alguns casos, pra não ficar tão vago. O senhor já ouviu o que o professor Vila, da Joven Pan, fala todas as manhãs sobre o ex-presidente Lula. "Bandido, quadrilheiro, criminoso-mor, ladrão...".
É pouco, meritíssimo? Prisão perpétua para o professor boca-dura? A depender do senhor, sim; para a juíza de São Paulo, a simples absolvição. (Particularmente, acho, até, que o Vila passa do limite).
Trabalhos forçados
E o premiado Ricardo Boechat, âncora da TV Bandeirantes, colunista da Isto É e um dos melhores jornalistas do País? Quem sabe 15 ou 20 anos de trabalhos forçados por criticar sem meias-palavras Dilma, Lula, Aécio, Temer, Jucá, Renan, Maia, Sarney, Cunha, Barbalho, Zé Dirceu, Maluf, Collor e tantos outros "santinhos".
Que pena o meritíssimo determinaria para Reinaldo Azevedo, ácido e polêmico colunista da Folha de São Paulo e da Rádio CBN, dois canhões midiáticos de um País dominado por corruptos e corruptores?
Editoriais da Folha e do Estadão também não escapariam da mão-pesada do senhor Jarbas, com certeza. Seus diretores de redação e editorialistas seriam excomungados, a bem dos caprichos e das mazelas dos poderosos.
Se Mainardi fosse Daniel
Diogo Mainardi cansou de detonar o PT e outros partidos em colunas da Veja e hoje na GloboNews e continua solto. Ah se Mainardi fosse o Daniel de CapitalSocial e seus textos e comentários caíssem nas garras do meritíssimo de Santo André... Presídio de segurança máxima por 13 anos, bissextos.
Arnaldo Jabor, do Globo e também da CBN, é outro que pularia miudinho se enquadrado pela mira telescópica do meritíssimo. Textos considerados ofensivos do meu amigo e irmão Daniel seriam troco, fichinha, café-pequeno, diante da metralhadora de Jabor contra a bandidagem política e social que assola o Brasil. Pena mínima seria viver 13 anos sob o mesmo teto de Dilma.
Outro cara que, se jornalista de CapitalSocial, dançaria na 3ª Vara Criminal de Santo André é o ótimo José Nêumanne, do Estadão, rádio e jornal. Nêumanne não tem medo de cara feia, mas aqui na província também gemeria.
Nêumanne pegaria no mínimo 20 anos de prisão, com a obrigação de servir cachaça e vinho importado diariamente e engraxar os sapatos importados de Lula todas as sextas-feiras.
Isto posto, meritíssimo, não tenho dúvida de afirmar que sua sentença é legal, mas imoral; não se sustenta porque esbarra em fatos reais que deveriam ser enaltecidos, jamais condenados. A não ser que o notório saber jurídico passe ao largo do que se entende por linguagem jornalística e sensatez.
Sem jornalistas do naipe de Daniel Lima o triunfo ficará por conta de bandidos sociais assessorados por borra-botas estrategicamente espalhados por um País de frouxos, com líderes meia-boca.
Sem homens dignos e corajosos, mesmo que raros, quase solitários, como Daniel Lima, a denunciar os abusos da sociedade como um todo, o Brasil seria menor e o Supremo Tribunal Federal perderia muito de sua importância.
Sem pessoas com o caráter e a honradez do "criminoso" Daniel Lima, os cafajestes empoderados no alto da pirâmide social teriam campo aberto para perpetrar e acobertar crimes e conchavos de gente da mesma laia.
Sem um jornalismo sério e comprometido como o praticado por Daniel Lima os esgotos subterrâneos ainda serviriam de esconderijo para os bandidos do Mensalão, do Petrolão, Caixa 2, Caixa 3 e de tantos outros esquemas hoje esquartejados pela Lava Jato de Sérgio Moro.
Juiz Sérgio Moro, que, por sinal, não tem nada de perfeito nem de herói, mas bem que poderia servir de exemplo para magistrados de todo o País.
Questão de merecimento
Pra concluir, meritíssimo, quero lembrar que são 42 anos de amizade, de respeito mútuo. Aprendi e devo muito ao Daniel como homem e como profissional. Minha gratidão será eterna. Meu companheirismo também. Tanto quanto minha imparcialidade. Caso contrário não seríamos amigos.
Por isso, nessa quadra da vida, já não tenho tempo para sentir medo de externar o que penso e endossar todas as opiniões e palavras por ti condenadas nos textos de CapitalSocial.
Não tive intenção de ofendê-lo; apenas de exercer o direito sagrado de discordar. Mas se quiser me conduzir à forca da insensatez e do autoritarismo, que seja ao lado do meu irmão.
(*) Donizeti Raddi, jornalista e professor de Educação Física, é titular do blogdoraddi
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