Economia

Tudo para demolir
o mito de cidade

MALU MARCOCCIA - 22/10/1999

Pela primeira vez em várias décadas está sendo possível avistar a Paróquia Santa Maria na paisagem da fábrica Anchieta da Volkswagen do Brasil. A padroeira e vizinha ilustre do Bairro Demarchi havia desaparecido do alcance da visão em meio aos prédios, galpões e alas de manufatura erguidos ao longo dos anos e que agora estão vindo ao chão. Convocada para a guerra da economia global, a Volks Anchieta colocou-se em combate e passa por forte redimensionamento físico que a torne enxuta, ágil e eficiente. Dia 1º de novembro será possível conferir o primeiro resultado dessa verdadeira cruzada: os funcionários que vão para o trabalho com veículo próprio ganharão dois estacionamentos internos controlados com cartão eletrônico, totalizando 1.320 vagas. O espaço surgiu a partir da derrubada da ala 15, que abrigava peças de garantia, e da junção com o pátio onde ficavam carros faturados. Os dois estacionamentos externos dos quais os funcionários se serviam, somando 86 mil metros quadrados do outro lado da Avenida Maria Servidei Demarchi, já estão à venda.


Esse é só um dos resultados já palpáveis do MasterPlan, uma carta de navegação que tem o propósito de colocar a Volks Anchieta na rota da modernidade. A mais antiga planta da marca no Brasil, inaugurada em 1957, tem construídos 1,1 milhão de metros quadrados dentro do terreno de 1,9 milhão. Um gigantismo que não cabe mais na era da produtividade. Com o MasterPlan, que abraça toda a manufatura, ou seja, 60% da área construída, o espaço de concreto será reduzido no mínimo em 20%. Será algo como 200 mil metros quadrados — ou dois clubes Aramaçan — a menos no complexo Anchieta até 2002 ou 2003.


Até agora foram derrubadas 21 das 43 construções que existiam na planta — somando-se 22 grandes alas e 21 prédios diversos entre pequenos galpões, canteiros, anexos e depósitos mais simples. Além da ala 15, a de número nove está sendo demolida para dar lugar à reconstrução dos postos de combustíveis até o final deste ano. Pelo menos mais 10 das 22 construções restantes estão planejadas para virar pó. Nenhuma diz diretamente respeito à área produtiva — alas 2, 4, 13 e 14, mais as de componentes 3 e 5, que serão fisicamente preservadas, mas passam por reformulação de layout interno e um banho de automação.


“Queremos acabar com o mito de que isto é uma cidade, algo grandioso que foge ao controle. Queremos ser vistos simplesmente como uma fábrica compacta, eficiente e que só abriga espaços voltados à montagem de carros. Nada de fábrica de pãozinho, conserto de computador, bases de correios. Tudo vai sair e a comunicação vai ser toda informatizada. Já eliminamos inclusive os faróis das ruas internas para enterrar esse estigma de cidade-Volks” — enfatiza o engenheiro Sérgio Batista, coordenador do MasterPlan. Somente em sucata metálica já foram eliminadas 17,8 mil toneladas. Também desapareceram 990 máquinas e as embalagens de acondicionamento de peças foram reduzidas de 60 mil para 51 mil. “Cada remanejamento libera até 15% da infra-estrutura interna correspondente” — exemplifica Sérgio Batista.


Na ponta do lápis, o número mais importante até agora está no tempo de fabricação de um veículo, que caiu em 4,2 horas. O período total é segredo industrial, mas Batista afiança: “É uma redução substancial por enquanto”. Na Anchieta são montados Gol, Saveiro, Santana, Quantum e Kombi, além de estar ali o estratégico Centro de Engenharia e Projetos. Quaisquer que sejam os caminhos reestruturantes, o MasterPlan tem objetivo definido: a fábrica Anchieta, onde senta Herbert Demel, presidente brasileiro da marca, deve estar enquadrada em uma produtividade que também já tem tamanho: acima de 60 veículos/homem/ano. Hoje é um pouco mais da metade disso, um fosso em relação ao nível de 100 veículos/homem/ano profetizado para o próximo milênio para as newcomers (novas montadoras que chegaram ao Brasil).


Também contribuirão para melhorar a produtividade da Volks Anchieta o crescimento da automação, cujo índice dobrará para 60% em três anos, e o enxugamento do quadro de 19 mil funcionários, acertado com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em cinco mil homens a menos nos próximos cinco anos, como resultado de programas de desligamentos voluntários e aposentadorias. Reformulação de layouts, otimização de postos de trabalho e mudanças de setores — com aproximação de áreas afins — igualmente fazem parte do organograma. Todos os lances do MasterPlan, aliás, são discutidos com o sindicato. A centralização de áreas que têm sinergia, por exemplo, é ponto-chave para determinar o que deve ou não sumir do mapa.


Para ganhar espaços físicos, Sérgio Batista projetou aproximar o que chama de alas técnicas sinérgicas (logística com produção, por exemplo) e alas administrativas com afinidades, como é o caso de finanças, vendas, marketing e compras, entre outros. “A fábrica foi crescendo e cada setor arrastou junto o que podia. Daí a dispersão de setores afins” — justifica. O roteiro sequencial da manufatura começa com armação da carroceria nas alas 2 e 4, fundição na 6, pintura ganha exclusividade na ala 13 e montagem será feita só na 14. O setor de pintura recebe investimentos de US$ 20 milhões e ganhou espaço exclusivo porque estava afunilado dentro da produção.


A próxima etapa traçada no MasterPlan é a reurbanização da orla da Via Anchieta. Também os ônibus que transportam 15,5 mil funcionários ganharão estacionamento interno, provavelmente junto ao pátio de 568 vagas que hoje serve aos visitantes, ao lado da portaria principal. Tudo dependerá de como será remanejado o Centro Administrativo, onde se instalam Herbert Demel e a alta direção e que demandam estacionamento próprio. Os ônibus hoje ocupam dois imensos pátios na lateral da Avenida Maria Servidei Demarchi e irão para dentro da Volks, a exemplo dos veículos próprios dos funcionários, com o propósito de aproximar os trabalhadores dos locais de serviço. O pátio externo dos ônibus, um terreno da Prefeitura, vai virar piscinão.


Sistemistas — A cirurgia plástica por que passa a Volks Anchieta só não vai alterar a arquitetura do complexo industrial, que tem grandes galpões retangulares cobertos externamente de pastilhas amarelas e marrons. A planta do Grande ABC é uma réplica da matriz em Wolfsburg e isso é prezado pelos alemães. A fábrica de Taubaté (SP) foi concebida em um único e imenso galpão e a moderníssima Volks/Audi na Grande Curitiba (PR) posicionou três alas sem paredes internas em forma de Y, no centro do qual emerge um aquário gigante em vidro por onde se avista toda a manufatura. Conta a favor de Taubaté e Curitiba o terreno totalmente plano, ao contrário da área montanhosa de São Bernardo.


Não está totalmente definido se os espaços que estão sendo liberados na Anchieta vão abrigar um supplier park (parque de fornecedores) como na Volks/Audi do Paraná, que levou 13 autopeças para dentro da planta para atuar como sistemistas, ou sub-montadores. “Estamos estudando peça a peça, distância a distância, para concluir até que ponto é conveniente ao fornecedor e à própria Volks tê-los dentro ou então próximos, no meio do caminho para Taubaté, por exemplo” — considera Batista. Tudo o que a Volks persegue, acrescenta ele, é uma engrenagem de material sequenciado e a custo competitivo, não importa se fabricados pelos sistemistas no seu quintal ou num just-in-time afinadíssimo com fornecedores de fora.


De qualquer forma, o MasterPlan não tem o foco em eventual supplier park, garante Sérgio Batista. A questão central é adequar a fábrica ao que efetivamente produz. E a produção moderna está sendo feita cada vez mais em menos espaços. “Nosso objetivo é melhorar a produtividade. Redução de custo e liberação de área física são consequência” — expõe.


O vice-presidente de Recursos Humanos da Volkswagen, Fernando Tadeu Perez, já havia afirmado à LIVRE MERCADO que o redimensionamento dos excessos físicos da Anchieta se espelha na compacta planta de Curitiba e que os espaços liberados em São Bernardo devem ganhar novos ocupantes: os fornecedores mais importantes da unidade. A metamorfose da Anchieta, onde estão sendo injetados US$ 3,5 bilhões até 2003, direciona-se para recepcionar novos projetos, o próximo dos quais já anunciado sob o código PQ-24 de carro mundial. A ala 4 da Anchieta acaba, inclusive, de receber um Centro de Treinamento de Tecnologias Avançadas para capacitar funcionários que vão operar as tecnologias supermodernas que virão para o Brasil com os novos projetos. Um dos cursos será o de programação básica de robôs, antecipa Carlos Alberto Salin, diretor de Manufatura da Volks.


Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1893 matérias | Página 1

12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000
15/03/2024 Exclusivo: Grande ABC real em três dimensões