Imprensa

Folha não dá sossego a
João Doria. Isso é bom

DANIEL LIMA - 28/03/2017

A Folha de S. Paulo não tem dado sossego ao prefeito paulistano João Doria. Isso é bom, muito bom. Nenhum gestor público pode ficar a solta, recolhendo aqui e acolá condecorações de baba-ovos sem senso crítico. 

Aliás, ninguém com exposição pública permanente deve acreditar que o marketing sempre superará o bom senso e que, portanto, basta contratar um punhado de espertinhos que fazem uma leitura do que pensa a sociedade e correm em paralelo, para não perderem a bocada de números representativos nas pesquisas.

Na Província do Grande ABC essa tem sido a marca registrada de ceticismo, de desconfiança, do que quiserem entender, o perfil de CapitalSocial. Para desgosto da maioria da Imprensa local que adora perfilar-se ao lado dos poderosos de plantão. Só quando os poderosos de plantão contrariam vontades ou quando deixam de ser poderosos de plantão há medidas que se aproximam do jornalismo independente.

Queridinho da mídia

João Doria inspira vários dos prefeitos da região e do País porque virou o queridinho da mídia. A Folha de S. Paulo não abre mão, ao que parece, da máxima de Millôr Fernandes de que imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados. Adaptaria aquela frase a algo menos filosófico: imprensa é oposição, o resto é balcão de negócios. 

No caso da Província do Grande ABC, a situação de apoio quase generalizado mais parecida com o oba-oba em torno de João Doria na Capital envolve Orlando Morando, prefeito de São Bernardo e prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos. 

Orlando Morando é bom de marketing, mas precisa provar que, como prefeito, terá vida longa suficiente para repetir o mandato. Aliás, mais que repetir o mandato, se terá vida longa após o mandato ou mandatos. Há extensa lista de ex-prefeitos da região que desapareceram nas areias do tempo, tragados pela ineficiência e o descompromisso com o futuro que sempre chega. 

A reportagem da Folha 

Mas, voltando à Folha de S. Paulo e a João Doria, na edição de ontem o jornal paulistano produziu mais uma reportagem que coloca o prefeito em maus lençóis. A manchete da página de “Cotidiano” diz tudo: “Gestão Doria ignora prazo e deixa de atender 3 em 4 queixas de zeladoria”. Vale a pena reproduzir alguns parágrafos: 

 Mato alto em praças, lixos e entulho nas ruas, buracos no asfalto, falta de iluminação. O combate a problemas de zeladoria desse tipo foi elencado pelo prefeito João Doria (PSDB) como uma das marcas do início do mandato. Num teste feito pela Folha, porém, a gestão tucana ignora 3 em 4 reclamações feitas neste ano – descumprindo os prazos fixados pela própria Prefeitura de São Paulo. A reportagem percorreu as cinco regiões da capital paulista e, entre os dias 3 e 7 de fevereiro, apresentou queixas à administração municipal sobre 30 falhas de zeladoria – por meio do serviço 156, criado para que a população faça solicitações e sugestões. Ao voltar às ruas na última semana para conferir os resultados, somente 7 dos 30 pedidos haviam sido atendidos dentro do tempo máximo estipulado pela gestão Doria. A maioria das solicitações permanece completamente ignorada: os pedidos continuam em “aberto” ou “aguardando resposta” no serviço. Crítico da herança deixada pela gestão Fernando Haddad (PT), Doria se vestiu de gari logo no segundo dia do ano e criou um programa de zeladoria batizado de Cidade Limpa, com mutirões semanais de manutenção nos bairros. O tucano chegou a dizer que a cidade era um “lixo vivo” – ao criticar a zeladoria na administração petista. 

Tiro pela culatra 

Mais não é preciso reproduzir da reportagem da Folha de S. Paulo, tampouco dar o outro lado, da Administração de João Doria. O irrebatível é que o tucano anunciou grandes mudanças, fez estardalhaço, foi às ruas vestido de gari e o que temos é um tiro que saiu pela culatra. E isso tudo graças ao jornalismo que não se prende à formalidade dos marqueteiros de plantão que zombam do que chamam de despreparo dos jornalistas em geral, a maioria submissa a pautas requentadas e acomodatícias. 

Orlando Morando é o prefeito da região que mais aparece no noticiário regional de publicações impressas e digitais. É natural que assim o seja. Afinal, dirige a Capital Econômica da Província do Grande ABC e o Clube dos Prefeitos. Sem contar que é espécie de João Doria suburbano, porque a região não passa mesmo disso. 

O tucano  está enrascado na condução do Clube dos Prefeitos (sua situação é mais problemática do que pretendeu fazer crer o noticiário do Diário do Grande ABC outro dia). Por isso precisa tomar série de medidas para afastar uma crise latente além das fronteiras do organismo de cunho regional. A Administração Municipal também sofre série de restrições dos próprios aliados. 

Pessoas ligadíssimas ao prefeito começam a emitir sinais de exasperação. Afirma-se que Orlando Morando teria voltado a ser o que era antes, um pouco antes, das eleições: já ostentaria um nariz empinado além do normal e parece não reconhecer em terceiros com os quais mantém contatos permanentes algo que não seja penduricalhos colaborativos. Trocando em miúdos: Morando não estaria acessível a ouvir mais do que falar porque acreditaria que tem mais a ensinar. 

Frase curta e grossa 

Qualquer dia desses vou publicar um texto que preparei há pelo menos 20 dias sobre os primeiros tempos da gestão de Orlando Morando. Estou deixando o material decantar para ver se acrescento ou suprimo algumas coisas. 

Certo é que a resposta que enviei via mensagem eletrônica a um colaborador da gestão do tucano (cuja identidade jamais revelarei, nem sob tortura, porque é uma das muitas fontes que mantenho) continua a valer. 

Não vou reproduzir agora os termos curtos que utilizei para definir a gestão de Morando numa frase quase publicitária, os quais seguem válidos e intocáveis. A situação do prefeito de São Bernardo só se agravou nas últimas semanas. Tanto no ambiente municipal quanto regional. 

Traço um paralelo entre Orlando Morando e João Doria porque o titular do Paço de São Bernardo não perde de vista todos os movimentos do titular da Prefeitura da Capital. É natural que assim o seja, convenhamos. Já na campanha eleitoral, Orlando Morando foi auxiliado pela imagem que os marqueteiros de João Doria industrializaram para levar o tucano à sucessão de Fernando Haddad. 

Aliás, Doria não veio a São Bernardo reforçar a campanha de Morando por outra razão senão ver reproduzido o estilo avatar de um novo exemplar de gestão pública. Daí a reportagem da Folha de S. Paulo ser cortante ao enquadrar a zeladoria da Administração de João Doria no mesmo patamar dos antecessores – que alardearam soluções que jamais chegaram. 

Não tenho a esconder minhas intenções jornalísticas – estou de olho no prefeito Orlando Morando e na doutrina triunfalista adotada por João Doria. Isso quer dizer que vou seguir a toada de sempre. A Folha de S. Paulo precisa de seguidores para avaliar com seriedade quem é mesmo João Doria. Da mesma forma que aqui temos o dever de acompanhar Orlando Morando e os demais prefeitos. Até mesmo para que eles possam se sentir incomodados, mas certos também de que serão analisados com isenção. E quando se analisa com isenção a perspectiva é que podem ocorrer dois resultados lógicos e meritocráticos: desmascaram-se os impostores  e se consagram os bons. A atividade política não pode ser diferente de tantas outras, não é verdade? 



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