Quem disse que recordar é viver não conhece a Província do Grande ABC. Aqui, recordar é sofrer. Por coincidência, eis que encontrei entre minhas seleções de material jornalístico três matérias publicadas há exatamente sete anos pelo jornal impresso e digital ABCD Maior.
A relação que existe entre as três notícias é a frustração de observar que o conteúdo não superou o desafio do tempo. É claro que a publicação não tem responsabilidade alguma sobre o andar da carruagem. Não foram poucas as matérias dos meus tempos de LivreMercado que, igualmente, deram com os burros nágua. Daí a recomendação de que o jornalismo deva ser cada vez mais desconfiado. As anunciadas novidades de hoje são potencialmente poeiras amanhã.
Em 14 de fevereiro de 2010 o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, proclamava aos quatro ventos que um levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) indicava índice menor de rotatividade entre trabalhadores metalúrgicos da Província do Grande ABC em comparação com o restante do País durante a temporada anterior, de 2009.
Virada da biruta
Segundo o sindicalista, enquanto 33,1% dos postos de trabalho nas metalúrgicas do Brasil foram cortados e depois recriados, na Província do Grande ABC o volume foi 17,6%. “Onde não existe nenhum tipo de comitê que envolva trabalhadores para discutir com os patrões, os empresários mandam os funcionários embora com muita facilidade porque as demissões no Brasil são muito baratas”, explicou o dirigente sindical. Segundo Nobre ao ABCD Maior, das então duas mil empresas cadastradas no Sindicato, 96 contavam com comissões de fábrica. Ou seja, a rotatividade mais reduzida na região seria resultado dos comitês.
Nada mais falso. Nos últimos anos nenhuma região que tenha a indústria como forte empregadora foi tão castigada pelo desemprego e pela rotatividade do que a Província do Grande ABC. Os comitês de fábricas tinham bala para manietar reações dos empresários enquanto a economia nadava de braçadas.
Represavam-se empregos que, em circunstâncias normais de competitividade empresarial, teriam sido descartados. A produtividade com base na tecnologia e nos processos está associada em larga escala à redução de pessoal.
Quando a produtividade das fábricas foi para o espaço, tudo mudou. Talvez Nobre tenha aprendido que não é necessariamente o índice de rotatividade que define se as relações trabalhistas são boas ou ruins. A forçada de barra que os comitês de fábricas impõem aos empresários é um convite ao deslocamento fabril.
Divisão desigual
Nenhum empresário quer dividir a responsabilidade de partilhar o comando com quem não tem o correspondente contrapeso de compromissos financeiros, fiscais, salariais e tudo o mais. Os comitês de fábricas contam com viés exclusivamente trabalhista, de interesse de classe. A linguagem sindical é expositiva do tratamento preconceituoso aos empreendedores na região. Aqui empresário é patrão. Isso significa, na linguagem dos sindicalistas, que patrão é inimigo. Ou um parceiro desde que atenda a todas as reivindicações.
Em suma: os comitês de fábrica são aparelhos sindicais plantados nos interiores das empresas, principalmente em São Bernardo, para manter empresários sob-rédeas curtas. Não se trata de capitalismo saudável tanto quanto não é saudável capitalismo que trata trabalhadores como peças descartáveis.
Clube dos vereadores
Um mês após aquela matéria, o ABCD Maior publicou em13 de março de 2010 que lideranças da chamada Frente Parlamentar da região – no caso os sete vereadores que presidiam as câmaras -- aguardavam apenas uma agenda comum entre eles para organizar argumentos e reivindicar participação nas discussões do Clube dos Prefeitos, sob o comando do prefeito de Ribeirão Pires, Clóvis Volpi.
Não há mais notícia sobre o assunto. A Frente Parlamentar foi mais um ensaio rascunhado que não passou pelo mata-burro de interesses políticos que asseguram ao Clube dos Prefeitos descolamento de outras instituições. A chamada Frente Parlamentar do ABC vem de um passado remoto, desde a segunda década dos anos 1990, liderada pelo então vereador Vanderlei Siraque. A ideia é excelente, entre outros motivos porque aproximaria legisladores locais, que só pensam em quinquilharias, de uma pauta macrorregional que provavelmente os colocaria em contato com os desdobramentos de desindustrialização avassaladora.
Recorro ao acervo desta revista digital para capturar uma das primeiras matérias que escrevi sobre o Clube dos Vereadores. Sob o título “Vereadores querem voz e vez no Consórcio dos Prefeitos”, de 24 de abril de 1997 (portanto há quase 20 anos), publicamos denso texto. Reproduzo vários parágrafos:
Os presidentes das Câmaras Municipais do Grande ABC têm duplo desafio para retirar essas instituições do lugar comum de clientelismo e corporativismo que marca a atividade legislativa no País. O primeiro é sensibilizar o Consórcio Intermunicipal, formado pelos sete prefeitos da região, a abrir espaço igualitário nesse organismo de ponta do jogo decisório. O segundo é despertar a própria classe para a força que dispõe e mobilizá-la intensamente pela resolução de muitos dos problemas socioeconômicos de uma região outrora rica e poderosa. O primeiro encontro dos vereadores da região, no começo de março na Câmara de Santo André, conseguiu reunir 52 dos 135 parlamentares eleitos em 3 de outubro do ano passado. Mais de um terço de participação foi índice que agradou a Vanderlei Siraque, presidente da Câmara de Santo André e articulador do projeto. (...) Vereador em terceira legislação, com base eleitoral em Utinga, Siraque acredita na inclusão da classe no Conselho Deliberativo do Consórcio Intermunicipal, até agora exclusividade dos prefeitos. Ele não desconhece restrições já manifestadas pelos prefeitos Luiz Tortorello, de São Caetano, e Gilson Menezes, de Diadema, favoráveis à participação de representantes dos Legislativos apenas de forma acessória. Siraque, entretanto, curte a expectativa de que o presidente do Consórcio, Celso Daniel, prefeito de Santo André e do mesmo partido ao qual representa, o PT, acabará por convencer seus pares à mudança. (...) A reserva de sete cadeiras aos representantes dos Legislativos municipais na Câmara Regional do Grande ABC, nova instância de poder que reúne políticos, empresários, sindicalistas e sociedade civil, ainda não foi comunicada oficialmente aos presidentes das Câmaras Municipais, segundo Siraque. Ele considera a medida motivadora ao fortalecimento dos Legislativos e provavelmente será levada em conta na avaliação dos prefeitos que integram o Consórcio Intermunicipal sobre a inclusão igualitária dos vereadores. Acabar com a imagem de simples despachantes de luxo, com que os próprios vereadores se definem, é uma das prioridades das lideranças das Câmaras – publicou a revista LivreMercado.
Quadro permanente
Para completar o trio descarrilado de informações, na mesma edição do ABCD Maior de 13 de março de 2010 o empresário Fausto Cestari, que acabara de deixar a diretoria executiva do Clube dos Prefeitos, se mostrava preocupado com a falta de memória da entidade. “A cada ano começa tudo da estaca zero no sentido de dizer que as pessoas que entram não viveram as experiências anteriores, reproduzem os mesmos erros e às vezes interrompem processos por não perceber a importância que eles teriam se tivessem tido continuidade” – disse Cestari.
Fausto Cestari deve se sentir como pregador no deserto. Nada foi alterado desde então, como não o fora antes de assumir aquele cargo e encontrara um vazio de acervos que poderiam encurtar o período de adaptação e execução de projetos. O Clube dos Prefeitos teria muito a lucrar em resolutividade e também em produtividade se contasse com quadros estáveis de colaboradores.
No caso, nada melhor que gente que entende de regionalidade e que possa dar expediente fora dos padrões convencionais. Cabeças pensantes do Clube dos Prefeitos nem precisariam estar presentes no dia a dia burocrático da entidade. Eles deveriam cuidar da estratégia geral e definir os agentes locais que atuariam na linha de frente. Esse é o melhor antídoto para combater a perda de tempo, de dinheiro e de paciência que decorre da troca frequente de técnicos e auxiliares, como apontou Fausto Cestari.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)