A cidadania da Província do Grande ABC jamais foi lá essas coisas e de uma década para cá submerge profundamente. Por isso, não existe ambiente regional para investimentos em comunicação. Pensei no final do ano passado em criar um canal de televisão nesta revista digital. A iniciativa não demanda muito dinheiro. Na verdade, quase nada, porque há parceiros que me cobram a iniciativa.
Depois de meses e meses de avaliação, decidi que não está no meu horizonte pelo menos até o final do ano nada nesse sentido. CapitalSocial na versão digital já abunda compromissos com o interesse público. Seria assinar um novo atestado de otário regional sacrificar ainda mais meu dia a dia num projeto destinado a não sei o que exatamente. Cidadania regional é uma mistura de apatia e desinteresse. As individualidades que dinamitam essa constatação só confirmam a regra, porque são exceções. Numerosas até, mas sem consistência coletiva.
O canal de TV na rede mundial de computadores é uma das medidas que leitores já me propuseram para associar esta publicação a novas mídias. Há quem insista tanto que chego a balançar, mas preciso cuidar mais de meus interesses pessoais no que sobra no dia a dia profissional. Melhor dizendo: não posso fechar completamente as portas de meus interesses pessoais por causa do jornalismo. Tenho que aprender com o passado.
Experiência positiva
Tive experiência de alguns meses com um programa de televisão na web durante o período de consultor editorial do Diário do Grande ABC, há exatamente dois anos. Foram 12 edições, para ser mais preciso. Uma ocupação agradável em entrevistas. Abri mão porque integrava um conjunto de medidas que, ao perceber que não seriam objetos de execução, preferi o afastamento.
Acho que faz muita falta um programa de TV na Internet tanto provocativo como esclarecedor. Algo que fosse mais fundo do que o que executei no Diário do Grande ABC. Ali, confesso, estava reconhecendo um terreno corporativo no qual sabia que não deveria, de imediato, ser contundente.
Havia muitas forças de pressão externas. Mas, mesmo assim, foram programas interessantes, com viés de desenvolvimento econômico com inquietação social. Que é, na verdade, a marca desta publicação.
Confesso aos leitores que preciso domar meus ímpetos profissionais. Já não sou jovem e ambições materiais jamais foram meu forte para me meter em empreitadas que roubam meu tempo precioso para cuidar da própria saúde. É verdade que o corpo e a mente estão bombando, provavelmente graças às atividades físicas e intelectuais. Mas o tempo passa na catinga da fumaça para todos.
O sentimento de que estou perdendo tempo num deserto de comprometimento social aumenta a cada dia que acordo e vou passear com minhas cachorras. A Província é um lugar especialíssimo para quem quer limitar-se a atividades meramente pessoais e profissionais, porque se sentirá plenamente em casa e nada lhe oporá resistência. Cidadania é outra coisa.
Horizonte para idiotas
A institucionalidade, a regionalidade e tudo o mais que possa ser entendido como projeto de vida em sociedade, com a construção de referenciais de mudanças necessárias, tudo isso é horizonte para poucos idiotas, porque inalcançável.
Sei que as palavras podem parecer impiedosas, mas é a verdade que precisa ser repassada sem vínculo com o politicamente correto. Deixar de fazer um programa de entrevista numa webtv é a medida mais sensata que tomei ultimamente. A região não merece nada que procure retirá-la da prostração. Existe um marasmo geral que, não duvido, rejeita inconscientemente quem tente interromper o curso do rio de desleixo coletivo.
Recentemente também abri mão – temporariamente ou não – de produzir uma nova revista voltada à economia e sociedade. Não vejo na região possibilidade de algo semelhante à revista LivreMercado dos bons tempos. Não teria dificuldade em reunir uma equipe de redação e de suporte redacional, mas o mercado publicitário praticamente inexiste.
Desde o começo dos anos 1990 a região passa por hecatombe publicitária, a qual poderia explicar num texto específico. É a associação de desindustrialização e canibalização dos empreendimentos. Editar uma publicação refém do Poder Público, o maior anunciante da região, não me seduz.
Imprensa fragilizada
Pensei alguns dias antes de escrever este texto. Seria um desastre o leitor imaginar que é um desabafo. Trata-se, apenas de prova provada de que estou em meu perfeito juízo. Idiota seria se levasse o projeto adiante sabendo de, como sei, que os temários mais candentes nos quais temos obrigatoriamente que mergulhar seriam vistos com inquietação por de uma parte dos potenciais entrevistados. Vários deles se sentiriam desconfortáveis. E se há algo de que não posso ser responsabilizado é de forçar a mão.
Um programa de TV na web requer poucos recursos financeiros, mas o insumo básico, os entrevistados, seria mais escasso na medida em que o estoque disponível for consumido.
Vejo com tamanho desencanto a fragilização da Imprensa regional que chego a perguntar até quando viveremos o paradoxo de que, em plena Era da versatilidade das plataformas de comunicação, conviveremos com a possibilidade prática de ter o jornalismo destruído em sua essência, ou seja, na capacidade de formular medidas que contribuiriam para o futuro da região.
Deixar tudo sob o comando das redes sociais, sem a intermediação competente de quem é do ramo, é um risco de explosão ainda mais grave de uma regionalidade gelatinosa.
Ainda recentemente escrevi dois textos – em espaços de tempo distintos – sobre desconfiança de que as redes sociais não teriam o poder de costurar as relações regionais em vários campos de interesse público. Ainda não cheguei a uma conclusão sobre a qual não venha a me arrepender. Entretanto, tudo se consolida numa cacofonia infernal, com atomização de informações pouco relevantes.
Estamos caminhando celeremente para a descaracterização completa do que existe de mais profundo no conceito de regionalidade.
Estamos invadindo um campo minado de agrupamentos que se compatibilizam nos pensamentos e nos ideais, sem qualquer relação com tantos outros grupos igualmente fragmentados.
Intermediação importante
A intermediação da Imprensa é imprescindível ao amadurecimento da sociedade regional, assim como a multiplicidade de grupos das redes sociais compõe um mosaico que precisa ser investigado permanentemente para que os sentimentos em comum da sociedade sejam capturados.
Entretanto, quando faltam tradutores com competência e empenho na Imprensa para absorver o estoque de manifestações nas redes sociais, o resultado é que caminhamos rumo à barbárie informativa.
Mais que isso: as redes sociais são tremendamente dispersivas quando o foco de ações na Província do Grande ABC é o próprio território regional. A pauta nacional e também a pauta estadual centralizam cada vez mais o apetite dos usuários de aparelhos móveis de comunicação.
A pauta regional já restrita em função do desfalecimento da Imprensa se torna ainda mais secundária. Como usuário de um aplicativo de celular utilizado para manter comunicação com algumas centenas de leitores desta revista digital, sinto que a troca de correspondência é quase que hegemonicamente dominada pela política nacional.
Ou seja: quando supostamente teríamos tudo para nos aproximar e dar um salto em regionalidade, debatendo questões que interessariam ao conjunto da sociedade, ao invés de penduricalhos como os atuais, o que encontramos não passa mesmo de um conjunto de informações que alçam as questões nacionais a um plano muito superior. Onde há densidade de participação regional, prevalece a via de mão única de informações sem conteúdo substantivo e sem compromisso com o conjunto da sociedade.
Um programa de TV na rede de computadores direcionado à Província do Grande ABC, mesmo assim, teria grande valor, desde que, entre outras situações desagradáveis, este jornalista não precisasse queimar as pestanas para selecionar entrevistados que não só acrescentassem valor agregado às declarações como, principalmente, manifestassem coragem para alguns enfrentamentos que assustam porque abrasivos.
O exemplo do movimento Defenda Grande ABC ainda está vivo na minha memória. Quando chegou a hora de a onça dos embates beber água não faltou sebo nas canelas. Muitos que se escafederam tinham razões para tanto. Outros, entretanto, estavam ali se fingindo de mortos, a serviço de bandidos sociais. Eram infiltrados, se me entendem.
Por isso, e até que a situação dê algum sinal de que estaria mudando, não contem comigo. Os bandidos sociais estão limitando meu entusiasmo. Mas, mesmo assim, vou continuar a desafiá-los neste CapitalSocial já devidamente enquadrado na minha agenda diária.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)