Imprensa

O que fazer se meritíssimo
torna-se protagonista?

DANIEL LIMA - 18/04/2017

Em respeito à democracia, decisão de um juiz suspeito deve ser anulada. Essa é a conclusão mais equilibrada sobre o caso da queixa-crime movida pelo famigerado empresário Milton Bigucci, então presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC, que representou sentença de oito meses de prisão, proferida pelo juiz criminal de Santo André, Jarbas Luiz dos Santos, referendada em parte pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Vou recorrer às instâncias legais para provar que o meritíssimo não atuou como meritíssimo, mas como algoz. E não bastasse o respaldo técnico do advogado Alexandre Marques Frias, eis que encontrei no site Consultor Jurídico um especialista que assoprou a vela de uma embarcação de compromisso social que não pode ser violentado. O profissional em questão é autor da primeira frase deste artigo: “Em respeito à democracia, decisão de juiz suspeito deve ser anulada”. Esta é mais uma Carta Aberta que encaminharei, registrada, ao meritíssimo de Santo André.

Em quase todos os pontos nucleares do artigo de Frederico Cattani, encaixa-se a sentença completamente fora dos parâmetros de razoabilidade do meritíssimo de Santo André. Fui massacrado pelo meritíssimo durante a audiência, conforme relatei em dossiê. Fui tratado como bandido que o interesse público acima de qualquer outra condição. Foram mais de 50 anos de jornalismo triturados por uma sentença de um meritíssimo instrumentalizado por uma até agora inexplicável hostilidade, amenizada pela transcrição da audiência, mas mesmo assim mais que perceptível.

As ponderações técnico-legais do advogado Alexandre Frias não foram devidamente consideradas. A palavra me foi sequestrada durante todo tempo.  Sou um jornalista criminoso porque antecipei verdades que o tempo desnudou. Santo à espera de canonização é o empresário Milton Bigucci, metido em série de denúncias do Ministério Público Estadual e que, à frente do Clube dos Construtores do Grande ABC durante duas décadas e meia de arbitrariedades, deixou um rastro de insolvência operacional e administrativa de atividades voltadas não só para o público-alvo, mas também ao conjunto da sociedade, como determina o estatuto.

O artigo do doutor Frederico Cattani, que li atentamente sábado à tarde no site do Conjur, é um tijolaço em defesa da democracia. Mal sabe o autor que o texto também se enquadra perfeitamente à especificidade da liberdade de expressão. Mais propriamente da liberdade de opinião.

O que se praticou em Santo André e se reiterou com algumas modificações em São Paulo é um atentado contra tudo isso. Quem tiver dúvidas, que leia na sequência o artigo de Frederico Cattani, conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB da Bahia e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal. Vamos ao texto desse especialista que acumula outras experiências na carreira. Vou, quando entender conveniente, entremear algumas considerações. Interromperei circunstancialmente a narrativa do doutor Frederico Cattani, retomando-a em seguinte: 

 A prova para condenar alguém é aquela produzida em contraditório judicial, isto é, as partes devem conduzir a produção da prova frente a um juiz que assiste a tudo para ser convencido dos fatos, de uma distância que possa se manter imparcial, sem perder a força de manter a regularidade e a ordem do processo. Pois bem, neste sentido, as testemunhas são inqueridas pelas partes sem a participação do juiz, e o réu ao ser interrogado pelo juiz não será além das perguntas essências previstas pela lei, cabendo às partes explorar o seu depoimento.

Meus comentários – No caso específico em que fui condenado, o meritíssimo conduziu a audiência com furor inexplicavelmente retaliatório, como detalhado no artigo em que transformei aquela sessão em dossiê. O propósito do meritíssimo de Santo André se mostrou claramente centrado em tentar me desestabilizar emocionalmente. O meritíssimo apresentou série de inverdades, imprecisões e tudo o mais que, em instante algum, a outra parte, a parte litigante, sequer esboçou expor. Foi um simulacro de legalidade processual. Um atento aos direitos humanos, independentemente dos aspectos peculiares de estar ali um profissional de Imprensa que não abre mão jamais da dignidade de informar a sociedade. Daí ser impiedosamente perseguido por um dirigente empresarial reconhecidamente incompetente como agente institucional, sem contar o passivo que coleciona nas esferas públicas de preservação da ética e moralidade nos negócios. 

 No Brasil, a lei prevê que poderá o juiz intervir de forma excepcional durante a produção de uma prova, mas não para tomar uma posição ativa, isto é, não cabe a ele o protagonismo, pois o dever de fazer prova é da parte e não do juiz. As provas cabem às partes porque são estas que apresentam suas teses para ser julgado, logo, o juiz não faz prova porque ele não tem nenhuma tese a ser julgada, para além, ele ouve as teses em contraditório e se convence de uma delas ou de nenhuma. E, neste caso de dúvida, do não se convencer, não cabe ele fazer prova, mas manter-se distante destas lacunas.

Meus comentários – Basta ler a sentença do meritíssimo de Santo André – e também a estapafúrdia queixa-crime – para se reconhecer a transgressão aos princípios expostos pelo representante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil e integrante do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal. 

 E, para respeitar a distância, a lei diz objetivamente que no caso de dúvida deve absolver, até porque, se ele está em dúvida para condenar e passa a buscar provas, em verdade ele assumiu uma tese (parcialidade) e pretende demonstrar para ele mesmo que a tese (dele, não mais da acusação) é verdadeira. Então, se o juiz deixa de buscar a prova e permite que ela seja produzida pelas partes para lhe convencer, temos a imparcialidade e o sistema não será o inquisitivo. Observe como é evidente que nestes casos o réu assume um papel de parte no processo (sua tese é tão possível quanto a do acusador). Nos casos em que o juiz assume uma das teses, a outra parte somente é mero objeto investigado.

Meus comentários – A situação descrita pelo representante da OAB serve como luva ao massacre que sofri durante a audiência em Santo André. O que vivi no final daquela tarde – repito e repetirei sempre – beira à covardia, considerando-se o grau hierárquico entre um julgador e um réu, mesmo que um réu -- fabricado pelo Clube dos Construtores do famigerado Milton Bigucci. 

 Mesmo que o juiz não produza as provas, poderá ainda ser suspeito sobre o resultado do processo, isto é, tem um interesse real sobre a causa e irá conduzir o processo para um resultado que para ele é esperado como necessário. Seja esta vontade para condenar ou para absolver alguém. Frisa-se, não há suspeição quando as provas convencem o juiz, pois é finalidade do processo. A suspeição existe quando o convencimento é pré-existente, e se fez antes da analise ou da produção das provas.

Meus comentários – Foi exatamente esse o enredo da condenação deste jornalista. Um acinte perpetrado por uma sentença descabida. O meritíssimo de Santo André foi protagonista de uma audiência. Utilizou-se, repito, de inverdades, imprecisões e também de abordagens completamente fora dos autos, para colocar este jornalista em posição de subjugação emocional.  

 Pois bem, atualmente não seria possível vislumbrar uma sentença penal em que o juiz faz o julgado por meio de seu protagonismo (ativismo) no processo e, ainda assim, não é questionado por atender anseios sociais (?). Como diz Lenio Streck, fica escondido o ovo da serpente. Isto, pois, seria assumir que a acusação somente tem o papel de autorizar a inquisição, mas é a mesma desnecessária para o convencimento do julgador. 

Meus comentários – Mais uma vez, uma precisão cirúrgica. O representante da Ordem dos Advogados do Brasil parece ter acompanhado o caso, tamanha a acoplagem fática dos preceitos expostos. Chego a pensar, numa divagação, que o espírito democrático do articulista do Consultor Jurídico assistia integralmente aquela sessão de tortura emocional perpetrada pelo meritíssimo de Santo André sob o aplauso discreto dos representantes do famigerado empresário Milton Bigucci. 

 A título de exemplo, a hipótese de uma sentença em que o juiz faz menção em seus fundamentos (recortes de depoimentos) a diversos momentos da inquirição de um réu e de testemunhas para mostrar o seu convencimento sobre determinados fatos. Tal situação é normal e necessária, não basta julgar, tem que fundamentar com base no processo. Assim o juiz diz, estou convencido que Caio corrompeu Mateus porque em seus depoimentos quando questionado ele disse que (...). O inaceitável sobre tal situação é se este juiz fizer referência em suas fundamentações a mais de 150 perguntas ou intervenções que foram por ele mesmo fabricadas e direcionadas ao Réu e as testemunhas para mostrar o seu convencimento sobre os fatos.

Meus comentários – Pior que isso, que também existiu, é o fato de que o meritíssimo construiu uma sentença condenatória com a inclusão de inverdades, imprecisões, erros clamorosos, de situações que jamais foram apontados no processo e, tampouco, permitiram o contraditório durante a audiência de julgamento. Trata-se, portanto, de uma aberração jurídica.  

 Intensificando o exemplo, no interrogatório do réu, no qual o juiz deveria ficar restrito ao Código de Processo Penal (criticas são necessárias sobre esta atuação, mas não neste momento), o juiz toma o protagonismo do ato ao ponto de, em sua sentença, ficar feliz com o resultado alcançado por ele próprio. O julgador se torna a maior referência do julgado. Não se trata mais de um processo das partes, mas do processo do julgador. 

Meus comentários – Esse novo trecho do artigo do doutor Frederico Cattani reforça a desconfiança de que tem mesmo poderes mediúnicos sobre o desenlace equivocado da queixa-crime julgada pelo meritíssimo de Santo André. Cheguei a pensar dias depois do julgamento que o meritíssimo de Santo André pretenderia algo mais que me abalar psicologicamente durante a audiência ao atuar de forma estranha ao devido processo legal. Se era esse seu intento, não conseguiu. 

 Na hipótese se acrescenta que existiram outros documentos e provas e que a condenação devesse ser imposta ao réu. Para não dizer que se negue o “acerto” do julgado. Observe a suspeição que assumimos sobre a hipótese, pois queremos o resultado do nosso exemplo. Mas, o que deve ser compreendido, é que a condenação deveria se dar por convencimento imparcial. Ora, não será difícil observar nestes processos que várias nulidades e provas suscitadas pelas partes são usualmente negadas pelo julgador, isto, pois, ele entenderá ser a sua posição suficiente para julgar. Pois bem, se convencido antes de se convencer somente cabe aqueles que são suspeitos, e para manter a distância das partes impõe-se a estas o dever de provar, a melhor técnica processual impõe a nulidade do julgado do nosso caso hipotético, ainda que a sociedade (e até nós) goste (mos) do resultado, pois esta (e, nós) também somos suspeitos por nossas pré-valorações, inclusive é (somos) suspeita(s) de como formou o seu convencimento para apoiar o julgado. Em melhores palavras, o que se defende é o instituto do processo penal como necessário na sociedade, e não os resultados que se esperam dele. Até porque, o resultado que se espera de um processo é um resultado motivado imparcialmente (pela técnica jurídica). Ora, Aury Lopes há muito explica, não se trata de neutralidade, porque juiz tem opinião, mas de manter uma postura jurídica imparcial para julgar.

Meus comentários – Repetindo: nada mais apropriado que o artigo em questão para resumir o caso. 

 Mas por que queremos anular um julgado que, se for julgado novamente, talvez resulte em nova condenação? Para garantir e assegurar regras. Para evitar que sobrevenha um permissivo autoritário na jurisprudência. Para mostrar que existem leis, e aquele que exerce jurisdição não pode estar em outro patamar daquele que é processado por quebrar outras regras sociais. O julgado é anulado para respeitar a democracia. Para respeitar a Justiça. Para respeitar aquele que é réu. Para proibir que condenações sejam dadas por suspeitos. Para evitar que pessoas sejam caçadas ou protegidas no intricado sistema judicial.

Meus comentários – Em qualquer tribunal democrático do mundo em que o conhecimento sobre a atividade jornalística é a regra, a queixa-crime do Clube dos Construtores não passaria de piada de salão a ser atirada na lata do lixo, como temos mostrado à exaustão nestas páginas com exemplos comparativos que causam estupefação aos leitores, tal a improcedência do conceito de difamação utilizada pelos criminalistas a serviço do famigerado empresário Milton Bigucci. 

 Para finalizar, em um caso hipotético destes, não seria demais esperar um nobre ato deste juiz, que sente a necessidade de se enaltecer no seu julgado, e registrar na própria decisão que estava cumprindo com etapas de um projeto maior de combate a um criminoso já conhecido. Mas dirá ele quando questionado, que o protagonismo é recorte de jornal (só tinha ele a ser recortado) e em nada disso existe pré-convencimento ou interesse, ou suspeição ou ativismo inquisitivo. 

Meus comentários – O que distancia os enunciados do representante da OAB desse caso é que o conceito clássico de criminoso já conhecido não se encaixa à atividade deste profissional. Muito diferente disso: exatamente porque não estrangulo informações de interesse público, sou alvo preferencial de um dirigente classista que odeia tudo que não seja unanimidade a seu favor. Para tanto, ele conta inclusive com a proteção de grande parte da mídia local, temerosa de enfrentar mercadores imobiliários. 

 Ficaria a sociedade em devaneios, assim como fica aquele juiz de nossa decisão hipotética? Vamos nos deixar levar pela imaginação de que uma sentença que não respeitou regras, ainda assim, é uma sentença boa. 

Meus comentários – Uma sentença que não respeitou as regras jamais será boa quando se tratar de penalidade a um profissional de comunicação cuja biografia jamais foi manchada por informações que carregassem os mesmos descaminhos dos registrados na sentença do meritíssimo de Santo André.



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