A partir da edição desta quarta-feira e enquanto durar a agonia do jornalismo crítico e investigativo na Província do Grande ABC, os leitores não mais encontrarão nesta revista digital uma análise sequer que remeta ao ambiente de traquinagens que rompem limites a cada temporada. Retrato acabado do Brasil que a Lava Jato tenta destruir, a região não é endereço para a prática do melhor jornalismo – ao contrário, abriga o jornalismo centrado na baixa visibilidade das relações espúrias entre agentes públicos e privados, principalmente.
Traduzindo esse que não é um desabafo tópico, mas conclusão socialmente empírica, o que proclamo é que CapitalSocial tratará de tudo que este jornalista entender como importante, menos do mais importante de todos: fustigar as mazelas que colocam aquilo que chamo de Província a serviço de bandidos sociais.
Não deixarei de dedicar atenção a esta publicação, mas a carga de trabalho e, principalmente, uma parte importante do eixo estratégico editorial vão sofrer racionamento. O sistema Judiciário, as instâncias privadas e públicas, as organizações sociais, entidades classistas, tudo isso está muito distante da essência da expressão “Capital Social” que batiza esta publicação. Quando o coletivo se fragiliza, o individualismo reformista ganha cores e roupagem de estupidez. No vácuo, os meliantes sociais se dão bem.
Procurem outros endereços
Os leitores que pretenderem encaminhar novas denúncias e oferecer informações relevantes devem procurar a partir de agora outros endereços de jornalismo. Antecipo que nem todas as publicações da região teriam culpa no cartório de omissões. Seus diretores e repórteres sabem que o jogo regional é pesado na política, na administração pública e nas instâncias que deveriam fortalecer os poderes constitucionais para proteger quem não faz parte de patotas. Não temos nem sombra de uma Operação Lava Jato em qualquer tipo de investigação na região. Não há temor algum à repetição de novos escândalos. Até parece que vivemos em outro planeta.
Há uma atmosfera de impunidade explícita. Não vou recorrer à lista de bandidagens praticadas pelos mandachuvas e mandachuvinhas. Vou poupar os envolvidos de constrangimento. O acervo desta publicação está disponível para eventuais consultas.
Roubem à vontade. Enganem à vontade. Fabriquem estatísticas mentirosas à vontade. Subestimem a inteligência dos leitores e da população em geral e prossigam com os cacarecos e penduricalhos de supostas modernidades gerenciais. Negociem alíquotas e dívidas de impostos municipais, incubadora das emendas provisórias e de outros truques legislativos em Brasília. Façam gato e sapato da mídia regional desmemoriada, imprecisa, desfalcada de grandes quadros e dependentes de ordens superiores, entre tantos desarranjos e cabrestos.
Festival de barbaridades
Acreditem no Papai Noel da regionalidade a bordo do inútil Clube dos Prefeitos e da desprestigiada Agência de Desenvolvimento Econômico. Vendam aos consumidores de informações o crime da mentira adocicada, de meias verdades espertas, de verdades secundárias turbinadas em verdades de manchetíssimas. Deitem e rolem na industrialização de supostas novas lideranças, as quais não passam de embustes a repetir o mesmo modus-operandi de antecessores. Contentem-se com informações rasas -- ou com nenhuma informação -- quando assuntos públicos regionais mereceriam investigação profunda.
Quem disse -- num arroubo de sinceridade do mesmo tamanho da estultice -- que jornalismo não pode ter outro objetivo senão ver o lado bom das pessoas, caso do mascate Silvio Santos, sabe o que está dizendo. No futuro, se já não fosse naquele presente, final dos anos 1980, lhe estariam reservadas lambanças apuradas na Operação Lava Jato.
Jornalismo não tem obrigação de ver o lado bom das pessoas quando as pessoas em questão são más. Tão más, aliás, que usam disfarces politicamente corretos de benemerência social como couraças protetoras e de marketing.
Orfandade e acuidade
Os leitores de CapitalSocial ficarão praticamente órfãos de casos delinquenciais apontados com a sustentação de provas. Na maioria dos casos que virão à tona – sem contar os muitos que ficam no submundo da covardia ou de outros elementos, inclusive legítimos diante do desassossego institucional da região –, os leitores precisarão de muita acuidade perceptiva. Nem tudo que reluz é ouro em notícias que parecem sintonizadas com os novos tempos sugeridos pela Lava Jato.
O ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça em Brasília, concedeu liminar a este jornalista em oposição à ação criminal movida pelo famigerado Milton Bigucci, então presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC. Trata-se de vitória importantíssima com atuação brilhante do advogado Alexandre Marques Frias. A liberdade de opinião e de expressão agradece. Paradoxalmente, entretanto, a sentença liminar consolida-se também como a reprodução mais fiel do quanto, principalmente em primeira instância, o Judiciário causa rombo às mesmas regras constitucionais sagradas numa democracia.
Nem mesmo a atenção de um grupo de leitores deste CapitalSocial, inclusive com a possibilidade de manifestação pública em defesa da imprensa livre, empreitada que dissuadi, arrefeceu a decisão de dar um basta à patetice de continuar a ser o único soldado de passo certo no regimento de conveniências da mídia regional.
Caindo aos poucos
Minha ficha já vinha caindo havia muito tempo no sentido de abrandar o ritmo de trabalho nesta publicação. Não é de hoje que pretendia priorizar a família e outras atividades de valor agregado à função social que desempenho. Outro dia mesmo escrevi aqui que abandonara o projeto de webTV por conta do descarrilamento da cidadania na região.
A ameaça de prisão em regime semiaberto por ter registrado em vários artigos o que é de conhecimento geral na região – a inutilidade, quando não os perigos da gestão do Clube dos Construtores de Milton Bigucci ao conjunto da sociedade -- reproduz o descompasso entre o Judiciário de Santo André, mais precisamente do meritíssimo em questão, e os alicerces da informação jornalística.
Manuais de Relações Públicas não podem pautar práticas tradicionais do jornalismo de opinião. Fossem os principais articulistas e colunistas dos grandes jornais impressos e digitais brasileiros demandados por supostos ofendidos, certamente não escapariam da degola do meritíssimo de Santo André.
A vulnerabilidade do jornalismo independente e investigativo diante de desdobramentos judiciais é uma roleta russa na região. Roubem, mintam, dissimulem, sofismem com ampla liberdade a partir de agora. CapitalSocial seguirá linha editorial igualmente importante ao que se consumou até agora. Mas estou tirando de campo o meu time de indignação na abordagem de questões sobre as quais se constroem subjetividades e malandragens semânticas, para incriminações descabidas.
Que as instituições legais cumpram seus deveres. O jornalismo investigativo no sentido administrativo -- público e privado -- da Província do Grande ABC está morto e sepultado. Não me procurem para denúncias, repito. Vou cuidar da minha vida, que tentam roubar, e das pessoas que me são próximas. Além de minhas duas cachorras, é claro. Cuidem-se leitores. Encerrei meu ciclo de bobo da corte.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)