Imprensa

Horácio Piva que se cuide: pode
ser condenado por difamação

DANIEL LIMA - 27/04/2017

Um artigo assinado na edição de ontem da Folha de S. Paulo pelo ex-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), em parceria com dois executivos da Natura, causaria complicações aos autores. Bastaria que a Fiesp (e tantas outras federações industriais) decidisse ir ao Judiciário com queixa-crime por difamação e encontrasse respaldo semelhante ao que o juiz Jarbas Luiz dos Santos, da 3ª Vara Criminal de Santo André, deu ao Clube dos Construtores do Grande ABC contra este jornalista, condenando-me a oito meses de prisão. 

Não exagero um dedinho nessa breve projeção. Nem deturpado a tipologia dos fatos. Fui condenado porque escrevi série de artigos sobre a ineficiência, a desarrumação, as estatísticas furadas e tudo o mais que refletiram a atuação de meio quarto de século do famigerado empresário Milton Bigucci à frente do Clube dos Construtores do Grande ABC. A entidade foi entregue em estado lamentável ao sucessor Marcus Santaguita. A Imprensa regional, generosa como sempre, jamais se preocupou com isso. Preferiu publicar dados mentirosos do mercado imobiliário. 

O artigo assinado por Horacio Lafer Piva, Pedro Luiz Passos e Pedro Wongtshowski a propósito da reforma trabalhista é um resumo contundente do sindicalismo de empresários e de trabalhadores no País. O título é definidor do texto: “O sindicalismo sem resultado”. 

Constatação ou difamação?

Como sempre faço quando me refiro a trechos ou a artigos integrais de terceiros, prefiro a segurança informativa da transposição fiel do assinado do que interpretar o conteúdo. Não que desconfie de minha própria capacidade de avaliação. Acho que sou suficientemente cuidadoso para manter a fidelidade de terceiros. O peso de compreensão é maior, acredito, quando se entrega as palavras aos próprios autores.

Para esquentar esse jogo de comparações que faço propositalmente em minha defesa, porque insistir nessa tecla é um direito que devo exercer sempre diante da falta de memória dos leitores em geral, vou reproduzir trechos do artigo de Lafer Piva e de seus parceiros na Folha de S. Paulo de ontem. Leiam: 

 Pobres empresários: poucos os defendem de fato, muitos se aproximam deles, apresentando-se como seus representantes. Essa situação precisa mudar. As classes de representação terão que trabalhar em prol de seus constituintes. No momento em que as contribuições, hoje compulsórias, se tornarem voluntárias, o milagre da eficiência e da legitimidade acontecerá. Quando entes do Sistema S deixarem de pagar “taxa de gestão” em favor das federações da indústria e de outros setores, elas serão obrigadas a reduzir custos e justificar sua existência, prestando melhor serviço aos associados, que passarão, por sua vez, de compulsórios a voluntários. No momento em que o Sistema S retomar os objetivos originais (entre eles, o ensino técnico, a saúde e o lazer dos trabalhadores), com fonte de custeio redefinida e governança transparente, sua gestão terá avanços substanciais. Instalações físicas megalômanas e estruturas tão anacrônicas quanto dispendiosas. (...) Se os empresários desejam fazer valer princípios de eficácia, foco em resultados, clareza nas relações com a sociedade e redução de custos e de burocracia, está na hora de defendê-los, enfrentando um tema sobre o qual muito se fala e pouco se faz. Essa é a discussão que desejamos iniciar. Não há respostas fáceis. Mas deve haver interesse real de buscar a justificativa (ou não) para a existência de tantas entidades, fazendo-as trabalhar em benefício de seus representantes – trabalhadores e empresários. 

Título resume tudo

Parece não haver dúvida alguma quanto à acidez do artigo de Lafer Piva e companheiros de inconformismo sobre a atuação do sindicalismo empresarial no País. Mais notadamente das supostas lideranças empresariais, porque Horacio Lafer Piva é conselheiro da Klabim. 

A diferença que separa a breve exumação da estrutura legal e operacional das representações do que normalmente os jornalistas independentes produzem é que no segundo caso há mais explicitude verbal do que no primeiro. Trata-se de especificidade da profissão que o meritíssimo de Santo André não levou em conta na sentença condenatória, entre tantos equívocos, aliás. Além do fato de que tenho aprofundado ao longo dos anos as análises sobre os clubes empresariais da região, de baixíssima representatividade corporativa e institucional, também inúteis em larga escala aos pressupostos de regionalidade. 

Mesmo com certos pudores, mas nem por isso desalentador, o artigo de Lafer Piva e de dois executivos da Natura tem parentesco de primeiro grau com o que escrevo sobre questões assemelhadas. O título (“O sindicalismo sem resultado”) que repito para marcar a manifestação dos articulistas, é a reprodução de encaixe preciso da inoperância das entidades sindicais, com exceções de praxe. 

Exceções, claro, que não estão na Província do Grande ABC. Muito pelo contrário: aqui os vícios de sindicatos e associações que atuam de forma voluntária (e ao contrário do que imagina Lafer Piva, o modelo consegue piorar a caricatura de comprometimento social do oficial) são pontas de lança à perpetuação de um sistema de representação e não de representatividade que explica o empobrecimento sistemático da região.

Vespeiro sindical 

Mexer no vespeiro do sindicalismo provavelmente não será uma missão camicase de Lafer Piva e parceiros de artigo. Tudo indica que eles fizeram um ensaio de mudanças tocados pela legislação trabalhista finalmente cutucada. 

Complicado mesmo é o quase isolamento de um jornalista que desafia os poderosos de plantão e entornos mais que conhecidos na Província do Grande ABC. A letargia institucional ignorada pela Imprensa local, é o centro catalizador e difusor de tudo que se desdobra em desfavor da sociedade. Aqui o silêncio, quando não o compadrio, é o melhor negócio. O cumprimento do dever de informar com isenção, por outro lado, é o caminho mais próximo à condenação criminal. Sorte de Horácio Piva e companheiros de pregação não viverem na Província. 



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