A força-tarefa da Operação Lava Jato teve com o ex-presidente Lula da Silva, mais que enroscado em falcatruas praticamente indefensáveis, a civilidade negada a mim na 3ª Vara Criminal de Santo André numa queixa-crime somente menos violentadora ao direito de revelar a verdade dos fatos porque foi superada por uma sentença descabida.
Li um artigo de coleguinha da imprensa paulista a reclamar do tratamento dispensado a Lula da Silva durante o depoimento de anteontem ao juiz Sérgio Moro. Só pode ser birra ou brincadeira de mau gosto alegar, como se alegou, que o ex-presidente não teve os direitos preservados. Aquelas mais de cinco horas foram uma lição de democracia -- tanto da força-tarefa quanto do ex-presidente.
Pena que a audiência que o meritíssimo de Santo André transformou em desrespeito ao devido processo legal, tanto na forma como no conteúdo, não tenha sido gravada. Seria exemplo inquisitorial a causar estupefação em escolas de Direito.
Durante aquele interrogatório agressivo a que fui submetido, comi o pão que o diabo amassou. A transcrição da audiência, incapaz de retratar o ambiente de hostilidade a que fui exposto, transmite ideia apenas vaga daqueles horrores. Tenho inveja de Lula da Silva.
Situações opostas
O meritíssimo da 3ª Vara Criminal de Santo André – como tenho reiterado em vários textos e inclusive numa série que mostra o quanto meu direito de defesa foi surrupiado – errou em tudo que se possa ter como plataforma de procedimentos judicial – irregularidades tratadas pelo advogado Alexandre Marques Frias.
O meritíssimo foi agressivo, ignorou quesitos que compunham a queixa-crime movida por um dirigente mais que ficha suja no mercado imobiliário, interrompeu seguidamente a exposição dos fatos que pretendia detalhar e, mais que isso, utilizou-se na sentença de inverdades cabeludas, de imprecisões informativas alarmantes e de um rigor na dosimetria de uma pena por si só inconcebível com o uso inadequado de interpretações fundadas em premissas irreais.
Senti inveja do ex-presidente Lula da Silva, respeitosamente recepcionado pela força-tarefa.
Razões diferentes
É claro que nem se comparam as razões que levaram Lula da Silva à 13ª Vara Criminal de Curitiba e as besteiras que o Clube dos Construtores, então sob a chefia de um dirigente conhecido de todos pela capacidade de manipulação, impetrou contra mim. São mundos jurídicos distintos.
O ex-presidente da República mereceu tratamento digno que a Constituição determina. Este jornalista foi escorraçado durante todo o tempo naquela audiência.
A comparação com Lula da Silva deve ser limitada exclusivamente ao ambiente do interrogatório. Os fatos nos distanciam enormemente.
Lula é apontado como grande chefe de ladrões do Petrolão. Este jornalista foi acusado por supostamente difamar uma entidade comprovadamente inoperante sob o jugo de um presidente autoritário durante um quarto de século. A seleção de 11 artigos em meio a um cipoal de mais de três centenas sobre o mercado imobiliário teve o propósito de circunscrever supostas tipificações de crime. Descontextualizou-se um enredo sem ponto final. Optou-se pelo truncamento seletivo e distorcido dos fatos.
Descontextualizando a história
Lula da Silva conta com seguidores da tese de que teria sido aviltado em seus direitos. O juiz Sérgio Moro teria se referido em algumas intervenções ao entorno das atividades do ex-presidente. Nesse ponto o Código de Processo Penal assinala que a atuação do meritíssimo deveria ater-se exclusivamente às questões em pauta, no caso o tríplex do Guarujá.
No meu caso, a atuação do meritíssimo de Santo André foi muito mais irregular, em perfeita sintonia com a estridência de agressividade pessoal: ele não só enfiou algumas questões extra queixa-crime no interrogatório como também ignorou cada um dos 11 artigos criminalizados pela bancada de advogados emprestada ao Clube dos Construtores pelo conglomerado empresarial de Milton Bigucci. Além disso, preparou sentença com enxertos improcedentes tanto à queixa-crime como à realidade dos fatos.
Tenho muita inveja do que Lula da Silva encontrou em Curitiba. A força-tarefa lhe dispensou respeito dentro dos limites legais, sem, entretanto, dar-lhe folga nos aspectos que instruíram as investigações. Gostaria de ter sido ouvido pelo meritíssimo de Santo André seguindo essa mesma configuração legal.
Grandeza de caráter
O juiz Sérgio Moro demonstrou grandeza de caráter e de compromisso com os direitos do acusado. Atuou de forma soberana. Não estava ali como acusador, como algoz, como sentenciador implacável, funções típicas do Ministério Público. O mesmo MP que, em Santo André, não investigou se os artigos deste jornalista retratavam fatos e, por consequência, se havia nexo ao recebimento da queixa-crime.
Seria ótimo se o meritíssimo de Santo André que me dispensou tratamento desumano, muito longe das exigências constitucionais, pudesse acompanhar atentamente as gravações do caso da Lava Jato.
Seria ótimo também se um ou outro coleguinha da imprensa que se solidarizam com Lula da Silva num procedimento judicial pautado pela transparência e respeito ao regramento legal prestassem mais atenção ao que se passa sob seus narizes. Novas vítimas de arbitrariedades judiciais não estão fora do enredo de sucateamento intolerante ao direito de expressão por alguns agentes públicos despreparados para compreender o dialeto jornalístico.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)