Da mesma forma que CapitalSocial transformou em capítulos (e os consolidou em material especial) a série que tratou da supressão do direito de defesa durante o interrogatório na 3ª Vara Criminal de Santo André, quando o jornalista Daniel Lima foi exposto à violência judicial, estamos tratando do quesito diagnosticado como “Inverdades, especulações e equívocos” da sentença do juiz Jarbas Luiz dos Santos.
O jornalista Daniel Lima, titular desta revista digital e profissional com mais de 50 anos de atividades, foi sentenciado a oito meses de prisão em regime semiaberto pelo meritíssimo de Santo André. A sentença foi confirmada parcialmente no Tribunal de Justiça de São Paulo. Uma liminar do Superior Tribunal de Justiça suspendeu a pena. Há um terceiro vértice da sentença cuidadosamente analisado pelo advogado Alexandre Marques Frias. Observou-se completo desprezo ao devido processo legal. O resultado não seria outro senão a anulação da sentença condenatória.
Quarta parte da sentença do meritíssimo
Foi, então, questionado o querelante, da forma mais direta possível, acerca das expressões injuriosas que foram apontadas na inicial da ação penal "clube", "chinfrim", "mequetrefe" e novas e longas respostas evasivas se seguiram.
Quarta parte da defesa do jornalista condenado
Criminalizar os verbetes apontados na queixa-crime é ceder espaço à censura. Basta municiar-se de dicionário da língua portuguesa para compreender que nenhum daqueles verbetes foi utilizado fora do contexto de atuação do Clube dos Construtores. Aliás, ao criminalizar “clube”, o meritíssimo chega ao ápice da obstinada intenção de condenar este jornalista.
Afinal, "clube" é sinônimo de agrupamento de pessoas físicas ou jurídicas em torno dos mesmos objetivos estatutários. Fosse “clube” algo pecaminoso, o “Clube dos Militares” jamais existiria ou teria provocado dissidências insustentáveis. “Clube de Paris” e tantas outras agremiações também podem ser mencionados como exemplos. O que dizer então de “Clube de Assinantes” que jornais e revistas mantêm para agregar valor aos produtos que publicam?
Houvesse permitido o meritíssimo que este jornalista se manifestasse durante a audiência sem a pressão psicológica já comentada, diria que o Clube dos Construtores não é filhote único na nomenclatura que adoto para facilitar o entendimento dos leitores. Também o chamado Consórcio Intermunicipal Grande ABC ganhou marca própria que identifica com clareza e concisão do que se trata, ou seja, Clube dos Prefeitos. O Clube dos Construtores é oficialmente conhecido pela sigla Acigabc, prova mais que evidente de que mesmo seus dirigentes desprezam a denominação oficial, ou seja, Associação das Incorporadoras, Construtoras e Imobiliárias do Grande ABC. Nada mais intragável para quem leva a sério a importância da comunicação com os leitores. Criminalizar o uso de Clube dos Construtores é fechar os olhos à sensatez.
Ao acentuar o uso de “chinfrim” e “mequetrefe”, o meritíssimo sugere exagero quantitativo, além de qualitativo, como agravamento da suposta ação difamatória. Nada mais fora do lugar. Do total de 15.437 palavras dos 11 artigos criminalizados, fomos bastante generosos com o então sofrível Clube dos Construtores. Utilizamos “mequetrefe” em apenas três oportunidades (em duas das matérias), e “chinfrim” em apenas uma. Repetindo, para que não haja dúvida: do total de mais de 15 mil palavras que compõem o mosaico analítico daquele período de atuação do Clube dos Construtores, o verbete “mequetrefe” foi economicamente mencionado em apenas três oportunidades, contra uma de “chinfrim”.
Convém ressaltar que nesta data o verbete “chinfrim” consta de 85 mil textos filtrados no Google. E um dos significados foi exatamente o pretendido no texto que este jornalista assinou ao se referir ao Clube dos Construtores do Grande ABC: “que não tem utilidade”. Se o meritíssimo de Santo André houvesse lido com mais atenção o contexto de uso do verbete, teria detectado observação relacionada à atividade institucional daquela associação como elemento da regionalidade da Província do Grande ABC. Ao afirmar que fez uma pergunta “a mais direta possível” a este jornalista sobre as expressões criminalizadas, o meritíssimo tropeçou no simplismo com que observou a queixa-crime; ou seja, sem critério jornalístico, que não é sua especialidade.
Nem se pode atribuir especialmente a este jornalista o uso supostamente deletério de “chinfrim”. Em editorial de 14 de junho de 2016, por exemplo, o jornal O Estado de S. Paulo publicou abaixo do titulo “Protesto chinfrim” duras críticas ao manifesto de esquerdistas no “Dia Nacional de Protestos contra o presidente interino Michel Temer”. Escreveu o Estadão: “Muita faixa, muito cartaz, muito balão, muito vermelho – quase tudo produzido com verbas públicas –, mas faltou muita gente, que é o que realmente importa em manifestação popular. (...) Na capital paulista, o evento serviu também de palanque para Lula fazer campanha à Presidência da República em 2018”.
Quanto a mequetrefe, com 295 mil citações no Google, e cuja etimologia jornalística também remete a algo pouco importante, portanto em total consonância com as baixíssimas credenciais de regionalidade do Clube dos Construtores, não faltam frases que colocam o verbete em linha com a liberdade de expressão.
Ou seja: o meritíssimo aceitou passivamente uma espécie de pirataria conceitual delitiva no uso daqueles verbetes sem considerar contextos que balizaram a opinião deste jornalista. Preferiu de forma “mais direta possível” dar razão à arbitrariedade de uma queixa-crime que não encontrou oposição no representante do Judiciário. Se todos que já utilizaram “chinfrim” e “mequetrefe” fossem contemplados com entendimentos semelhantes aos do meritíssimo de Santo André, certamente os presídios brasileiros estariam ainda mais abarrotados de supostos delinquentes.
Como se observa, os princípios básicos da liberdade de expressão foram sumariamente metralhados pela sentença judicial.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)