O jornalista Reinaldo Azevedo deve agradecer à ramificação da Operação Lava Jato que, numa barbeiragem sem tamanho, quebrou o sigilo da fonte de telefonemas que trocou com a irmã do ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves. A conversa com Andrea Neves vazada pelos federais foi espécie de gongo que salvou o desfiladeiro de credibilidade do jornalista que se demitiu do site da Veja e da Radio Jovem Pan logo em seguida.
A vitimização de Reinaldo Azevedo é um teatro que poderá custar aos contribuintes brasileiros em forma de indenização do Estado. Ou seja: Reinaldo Azevedo ganhará duas vezes numa mesma empreitada. Sem contar a notoriedade adicional de quem já é por mérito um polemista de mão cheia.
Ponderações sobre contrapontos não podem ser confundidos como atenuantes à arbitrariedade dos federais. Fonte de jornalista é sagrada em qualquer circunstância. Está na Constituição Federal. Mesmo quando envolve um jornalista como Reinaldo Azevedo, que foi além dos limites do bom jornalismo, do jornalismo sem vínculo partidário.
Reinaldo Azevedo é um representante da chamada direita liberal travestida de jornalista. É tão entrincheiradamente militante quanto jornalistas esquerdistas que tanto tripudia. As relações de Reinaldo Azevedo com Andrea Neves, a julgar pela gravação invasiva, ultrapassam os limites entre jornalista e fonte. Até amigos mais próximos de Reinaldo Azevedo assim se manifestaram.
Reação às investigações
Ainda insistindo na advertência de que observações críticas não podem ser avaliadas como caminho esperto à relativizar o abuso de que foi vítima Reinaldo Azevedo, vale lembrar a reação do jornalista ante a informação de que a irmã de Aécio Neves fora presa durante as investigações da chamada operação controlada dos federais.
Havia algum tempo deixara de ouvir Reinaldo Azevedo. Entendia que ultrapassara os limites de supor que seus ouvintes eram toupeiras. A defesa inglória do governo federal de plantão e a subestimação dos resultados das investigações porque -- segundo o conceito que desfilara ao longo dos últimos tempos -- a esquerda radical se aproveitaria da debilidade da direita governista -- alcançaram níveis de patetice intelectual.
Em síntese, pregava Reinaldo Azevedo, nas entrelinhas da esperteza ou mesmo no caradurismo da arrogância, que tudo deveria ser permitido ao presidente Michel Temer e tenebrosos assessores. O que interessava, segundo o raciocínio extremista de Reinaldo Azevedo, era barrar do baile da política nacional qualquer coisa que lembrasse o PT e seu entorno ideológico.
Por conta disso, Reinaldo Azevedo foi abduzido por uma espiral de deslizes que desgastava continuamente a fortaleza de credibilidade que erigira durante o período de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os valores éticos que esgrimira para organizar ideias sobre a lógica da derrubada de Dilma Rousseff tornaram-se sucata com a virada da biruta, representada pela chegada de Michel Temer.
Falso salvo-conduto
Além de não entregar a batuta aos esquerdistas, Reinaldo Azevedo defendia sem limites o governo Temer também porque representaria a estabilidade econômica e as reformas tão indispensáveis. Juntava-se desse modo, embora com sinais trocados, aos defensores de Dilma Rousseff no período turbulento de troca de governo. Reinaldo Azevedo cansou de hostilizar articulistas defensores da continuidade da petista. Eles argumentavam que a economia estava debilitada demais para suportar tormentoso processo de impeachment. O propósito econômico, nos dois casos, revestia-se de biombo fraudulento para uma ação intelectual sorrateira de preservação da espécie política putrefata.
A militância político-partidária-ideológica de Reinaldo Azevedo martelava outro mantra anacrônico em defesa dos corruptos – a premissa de que sem política o País estaria fadado à barbárie. Pura manipulação de conceitos.
Desabamento contínuo
Acionei mecanismos de controle de qualidade para diagnosticar sem risco até que ponto aquele narrador habilidoso do começo da noite na Jovem Pan não estaria descambando ao mandraquismo esnobe. E descambava a olhos e ouvidos vistos.
Foi então que retirei Reinaldo Azevedo do planejamento diário de informação. Voltei para aferir como se comportaria pós-delação de Joesley Batista. A reação manifestada à informação de que Andrea Neves fora presa chegou ao extremo da estultice. Sem contar com detalhes da ação dos federais, considerou tudo um absurdo. Disse-o com todas as letras durante o programa que comandava.
Desclassificou a operação controlada utilizando-se de iniciativa frequente em seus comentários. Atinha-se, quando lhe interessava, a vetores supostamente ilegais das iniciativas da força-tarefa da Lava Jato. No caso em questão, o desempenho do presidente da República, anfitrião na calada da noite de um marginal endinheirado, sequer mereceu restrições de Reinaldo Azevedo. Preferiu-se destacar supostas irregularidades constitucionais da operação.
Reinaldo Azevedo ignorou integralmente o que qualquer mineiro bem informado sabe de cor e salteado, daí a derrota de Aécio Neves em seu Estado na última campanha presidencial: a queixosa Andrea Neves, interlocutora de Reinaldo Azevedo num telefonema que jamais deveria sair do anonimato, é o que poderia ser chamada de braço armado do irmão famoso.
Argumentação saltitante
Reinaldo Azevedo, portanto, acabara de assinar um atestado de estupidez dupla. Primeiro: não se deve subestimar a seriedade de uma ação policial devastadora realizada por profissionais que provam diariamente ao País que não fazem parte da tradição de afrouxamento de investigações nem sempre republicanas. Segundo: ao retirar ingenuamente ou algo semelhante Andrea Neves de qualquer perspectiva delinquencial, bem informado que é como jornalista que durante anos trabalhou em Brasília.
O saltitar de Reinaldo Azevedo em situações semelhantes mas de sinais trocados entre direita e esquerda o colocaria praticamente a nocaute como fonte de fundamentação analítica. O jornalista flutuou nos últimos tempos de acordo com as nuvens ideológicas que mais o apeteciam -- ou que mais o incomodavam.
Reinaldo Azevedo é um talento que se perdeu em meio ao nevoeiro de incoerências e de uma dose cavalar de insensibilidade. Ou não é um atentado à sociedade ouvir diariamente na Jovem Pan o cantarolar do sucesso de então cinco empregos enquanto muitos dos milhões de brasileiros, tão ou mais competentes, amargam recessão econômica decorrente de barbaridades governamentais substituídas por um novo governo de equipe econômica competentíssima mas, no escurinho do cinema, mantenedor de um batalhão de quadrilheiros que assaltaram os cofres públicos em companhia dos antecessores?
Para Reinaldo Azevedo e sua síndrome esquerdista, tudo vale no mundo da política desde que o mundo da política não conte com adversários ideológicos no poder. Não é com essa métrica moral que se constrói uma nação. E tampouco se recrimina publicamente uma ação policial que prendeu quem deveria prender.
O jornalista salvo pela ramificação da Lava Jato ganhou na loteria ao deixar o acostamento da credibilidade em decomposição e saltar às manchetes, legitimamente, como vítima de abuso investigativo. Entretanto, ao esticar o percurso de militância político-partidária contando com a imunidade de praticar tudo que condena nos adversários, não reencontrará jamais o caminho do jornalismo de verdade que não aparta a sociedade à direita e à esquerda.
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