Imprensa

O que o Plano Cohen tem
a ver com o momento?

MILTON SALDANHA - 29/05/2017

Corria o ano de 1937.  Getúlio Vargas presidente. Um obscuro capitão do serviço secreto, integralista, Olimpio Mourão Filho, escreve um plano simulando como seria a tomada do poder por um golpe comunista. É o plano Cohen.

Pensando em melar a eleição prevista para 1938, onde polarizavam José Américo de Almeida e Armando de Sales Oliveira, Getúlio, em conluio com seu ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra, e com o influente general Góis Monteiro, resolve transformar a peça de ficção em realidade: divulgam o plano como real, através da Voz do Brasil, no dia 30 de setembro.

Estão criadas as condições para a decretação do estado de guerra, que desemboca no golpe do Estado Novo (a ditadura explícita), em 10 de novembro. Adeus eleições.

Mourão, um dos paladinos da moralidade, não desmentiu a farsa. Exerceu a carreira sempre conspirando e chegou a general. Em 1964 detonou o golpe contra João Goulart, a partir de Juiz de Fora (MG), sem esperar pelo planejamento dos demais grupos golpistas. Como castigo pela imprudência, que poderia ter desarticulado tudo, nunca realizou seu maior sonho, que era se tornar ministro do Exército. Invocando antiguidade, assim que consumado o golpe, Arhur da Costa e Silva tomou posse do gabinete, por conta própria. 

Mourão viveu e morreu com fama de folclórico e fanfarrão. Mesmo tendo sido um personagem de inegável influência na História, no seu livro de memórias não resistiu e contou sobre a fase em que cobiçava a... empregada doméstica.    

Lava Jato

Sou a favor da Lava Jato e não embarco nesse discurso tosco da santidade do PT, formulado por gente ingênua ou que nele tem interesses. Mas também não embarco na crença inabalável de que a Lava Jato não possa estar sendo instrumentalizada como uma espécie de novo  Plano Cohen, através da plantação de denúncias mentirosas, que se embaralham com as reais, formando um caldo ideal para o golpismo.

A política, como prova a História, não é construída no altruísmo. O jogo sujo é o predominante, e isso vale para todos os lados. Eles operam como num jogo de pôquer, sem compromisso com a verdade. O que interessa é o objetivo, no caso o poder. E, uma vez no poder, nele permanecer. Como isso exige investimentos, rouba-se em nome da causa. A corrupção ideologizada, por sua vez, anestesia o senso moral da militância. Ou enseja as dissidências. 

É fora de questão que a turma do PT roubou, para proveito próprio e para o financiamento do seu projeto de poder. Quando a oposição se rebelou, colocando multidões nas ruas sob o disfarce da eclosão espontânea, não foi pela restauração da moralidade, o que nunca praticou. Foi simplesmente para voltar ao trono, como nos velhos tempos, em que sempre mamou nos cofres públicos. O golpe de Temer prova isso, com seu ministério de corruptos, além do próprio, também acusado.

O resultado desse processo, como não poderia ser diferente, está aí, numa crise permanente e sem qualquer desfecho previsível. 

A volta da uma ditadura “moralizadora”, como gostariam alguns insanos e outros tantos boçais, só agravaria tudo, porque estancaria os canais de investigação e punição dos corruptos, enquanto a roubalheira seria ainda maior. Foi assim em 1964, com a derrubada de Goulart. 

Logo, ainda que os partidos estejam contaminados pelo vírus do oportunismo, o país tem que encontrar um caminho institucional democrático para sanar suas mazelas. Qualquer golpe de força seria um retrocesso monumental. Já vimos esse filme e sabemos o quanto foi trágico para a economia, cultura, liberdade de pensamento e expressão, e tudo o mais.

Contradições do sistema

Quem aposta no quanto pior melhor também será vítima do que planta. Uma grande parte da direita golpista de 1964 experimentou desse veneno e não gostou. Fizeram de tudo para desestabilizar Goulart, e depois do golpe foram cassados  e colocados no ostracismo, porque uma terceira força se apossou do poder. Em conluio explícito com o alto empresariado, encastelado na Fiesp. Não causa espanto, portanto, o protagonismo golpista da entidade nos recentes acontecimentos que resultaram no impeachment de Dilma. Mais do que ninguém, essa turma sonha com o retrocesso, porque ganhou muito dinheiro com ele, sobretudo no arrocho salarial e proibição das greves. 

Só esquecem que agora os tempos são outros. O fechamento nacionalista não interessa ao capital internacional, porque fragmenta e abala os mercados. Foi por isso que os Estados Unidos pararam de financiar e fomentar ditaduras latino-americanas. Que o diga a Venezuela, vista pela globalização como um entulho autoritário que atrapalha o projeto capitalista.

Essa dicotomia entre capital nacional e externo acaba sendo um contraponto ao golpismo, seja de direita ou esquerda. É isso que vem segurando o sistema democrático, ainda que este capengue pelos motivos acima apontados. 

Hoje, ninguém mais sabe sobre o Plano Cohen. Mas não custa estar alerta para sua reedição, com outros nomes e colorações, no bojo do golpismo civil. Em outras palavras, a farsa faz parte do jogo. 

Cautela e triagem

A Lava Jato merece a cautela da devida triagem. Nem tudo que pode parecer bom, hoje, resultará em ganhos para a democracia amanhã. Não custa lembrar que o moralismo sempre foi uma alavanca de manipulação da opinião pública, para projetos de poder. 

Se a estrutura do Estado não for radicalmente reformada, coibindo previamente os seculares abusos, extinguindo privilégios nos três poderes, punindo os infratores inclusive com a expropriação dos bens e valores, nunca sairemos do impasse administrativo e político. E sempre haverá algum grupo dele se servindo, contra os interesses coletivos.  



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