Imprensa

Que tipo de jornalismo
o leitor está consumindo?

DANIEL LIMA - 29/05/2017

Duvido que a maioria dos leitores desta revista digital ou de qualquer outra publicação saiba distinguir com clareza alguns tipos mais comuns de jornalismo. Poderia dar nomes aos bois em todos os casos e, mais que isso, detalhar exemplos que fermentaram a ideia deste texto. Talvez algum dia o faça. Hoje não pretendo ultrapassar o meio de campo de conceitos. 

Quero, com essa abordagem genérica, que os leitores fiquem mais atentos ao que consomem de informação. Há muitos lobos em pele de cordeiros, assim como há muitos cordeiros em pele de lobos. A selva que move o jornalismo não chegou ao extremo da esculhambação da política partidária, claro, mas esta, a política partidária, é muito engenhosa na destruição de cidadelas informativas, abduzindo fronteiras. 

Quando Emilio Odebrecht declarou aos federais da Lava Jato que financiamento delituoso de campanhas eleitorais em conjugação com o controle administrativo de prefeituras, Estados e União vem de passado longínquo, subliminarmente quis dizer que o jornalismo é complacente demais com os bandidos sociais. Faltou lembrar que aqueles que se metem a escarafunchar mazelas entre Poder Público e Mercado correm o risco de serem caçados inclusive pelo Judiciário despreparado à liberdade de opinião. 

Vícios políticos 

Tanto que, em grande quantidade, o jornalismo está impregnado de vícios políticos. Sorte das publicações que a maioria do leitorado não enxerga um palmo à frente do nariz crítico. Deixa-levar facilmente pelas aparências. Sobretudo o jornalismo impresso. O digital já emergiu sob suspeitas, tomado de amadores.  

Destaco seis modelos corriqueiros de jornalismo, aos quais os leitores devem estar sempre atentos. É indispensável distingui-los e, em muitos casos, acautelarem-se. Não custa nada um exercício de desconfiança. Mesmo profissional na matéria há muitos anos, não abro mão disso. E mesmo assim, muitas vezes sou ludibriado. Veja os seis tipos de jornalismo sugeridos: 

 Jornalismo Passivo 

 Jornalismo Prospectivo

 Jornalismo Festivo 

 Jornalismo de Resultado 

 Jornalismo Militante 

 Jornalismo Social 

Destrinchando tipologias jornalísticas 

Construí esse sexteto de supetão, enquanto passeava com minhas cachorras na manhã deste domingo que passou. Como sempre digo, minhas cachorras são âncoras de reflexão. Enquanto caminho e apanho aqui e ali seus dejetos, entabulo pensamentos. Essa é uma prática tão compulsória que acredito existir algum mecanismo cognitivo predisposto a mobilizar-se assim que passo a mão nas coleiras de Lolita e de Luly. Mas, vamos ao que interessa. Como serão essas tipologias de jornalismo? 

 Jornalismo Passivo

O Jornalismo Passivo é a negação do próprio jornalismo como atividade transformadora da sociedade. Repórteres e editores são ventríloquos dos mandachuvas e dos mandachuvinhas da praça, tanto políticos quanto agentes sociais, sindicais e econômicos. Não existe filtro ético e moral, quanto mais ponderações sobre os efeitos do que se vai publicar. Tudo que sai dessas fontes é repassado à sociedade. Os interesses recônditos ou escancarados não passam por qualquer mata-burro de questionamento. A grande massa do jornalismo praticado na Província do Grande ABC é composta dessa debilidade informativa. As publicações locais, como de resto no País, fragilizaram-se financeiramente com o advento da Internet. No caso específico da região, a desindustrialização aniquilou a classe média convencional e as fontes de abastecimento de publicidade sofreram também com a substituição de pequenos e médios estabelecimentos comerciais vigorosos por um mundo de empreendedores de subsistência. 

 Jornalismo Prospectivo

Os estragos à imagem de publicações que praticam o Jornalismo Passivo são muitas vezes atenuados pelo Jornalismo Prospectivo. Entre várias alternativas, reúne ramais de eventos diversos para levar a publicação mais próxima do público-alvo. Geralmente sob o controle do Departamento de Marketing, com forte viés publicitário, o Jornalismo Prospectivo é uma guerra de guerrilhas. É preciso vencer a batalha final que visa lustrar a imagem institucional do produto jornalístico. Quanto mais tempero com sabor de sociedade, no sentido de criar calendário de eventos, melhor para massificar a ideia de que o conjunto da obra, ou seja, a publicação como um todo, é feita de argamassa de responsabilidade social. 

 Jornalismo Festivo

Nada mais insidioso ao futuro da sociedade que o Jornalismo Festivo. A modalidade consiste em esconder o máximo possível as mazelas econômicas e sociais em nome de um triunfalismo mercantilista que não resiste ao tempo. Não conheço uma publicação que se tenha consolidado com Jornalismo Festivo. Os publicitários são os principais agentes dessa filosofia suicida. A eles nada parece mais contraproducente e ameaçador aos ideais de mensagens enganosamente positivistas senão uma notícia que retrate a verdade dos fatos. O caminho ao descredenciamento do produto é inexorável. Não há matéria-prima glamorosa em quantidade suficiente para adiar indefinidamente a notícia ruim que insiste em dar as caras. O custo da negação é o repúdio dos leitores que vivenciam os dramas sociais. 

 Jornalismo de Resultado

Nem tudo que brilha é ouro na prática do Jornalismo de Resultado. O que parece em forma de repulsa aos maus costumes de um administrador público é ignorado ao se reproduzir em endereço mais acessível aos reclamos particulares da publicação. Dois pesos e duas medidas, eis a síntese do Jornalismo de Resultado. O pecadilho do lado de cá muitas vezes vira virtude do outro lado do muro de tratamento publicitário mais acessível. O Jornalismo de Resultado esconde vicissitudes dos amigos da casa e escancara eventuais escorregões dos inimigos. 

 Jornalismo Militante

Esse estrume se espalha pela mídia eletrônica e faz de protagonistas candidatos seríssimos a milionários do mercado. Os profissionais do Jornalismo Militante se locupletam da burrice generalizada da separação interpretativa dos fatos entre direita e esquerda, atribuindo valores diferentes para situações assemelhadas. O Jornalismo Militante é uma divisão de infantaria voltada à prática de desonestidades intelectuais para agradar a leitores coniventes com manipulações. O Jornalismo Militante é uma praga que se expande ao sabor da maliciosidade do radicalismo político-partidário. Endeusa e demoniza profissionais de comunicação especialistas em contar ou a mistificar uma parte da verdade dos fatos -- a parte que lhes interessa para manter intacto, ou aumentar ainda mais, o curral de leitores-espelhos. 

 Jornalismo Social

Esse é um modelo cada vez mais escasso. Jornalismo Social não vê cores partidárias, não coloca a ideologia acima da realidade dos fatos, não mantêm relações próximas com agentes públicos, privados e sociais, exceto como fontes de informação com as quais, entretanto, não vai além dos limites do interesse público a salvo de qualquer grampo. Jornalismo Social é incompreendido por quem se delicia com os demais tipos de jornalismo. Leitores do Jornalismo Social são a grande maioria, mas, ao contrário das minorias que se juntam ou que se mobilizam em grupos, preferem o silêncio, o anonimato, a discrição, o apoio quase que constrangido.



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