Em cadernos diferentes da Folha de S. Paulo de hoje, os colunistas Reinaldo Azevedo e Vladimir Safatle fazem uma disputa na qual a direita psicótica sofre duro revés de uma esquerda finalmente desperta. O jornalista Reinaldo Azevedo é prova viva de que o cadafalso da credibilidade ganha robustez na medida em que o congelamento ideológico metido a besta em defesa de formalismos de conveniência não encontra paradeiro. Já Vladimir Safatle revela que quanto essa mesma ideologia, com sinais trocados e comprometida com uma visão de mundo estreita, desgruda-se circunstancialmente de apegos companheiros, a lucidez prevalece.
Não vou esticar considerações sobre o que encontrei hoje na Folha de S. Paulo. Prefiro reproduzir os principais trechos dos artigos dos dois articulistas. Fosse uma luta de boxe sem prazo para definição de nocaute, mas cujos pontos poderiam influir na decisão final, diria que Vladimir Safatle de tantas bobagens assinadas quando defendeu a inglória trajetória de manutenção de Dilma Rousseff no poder, mesmo com todas as lambanças fiscais, deu uma reviravolta e colocou o antipetista Reinaldo Azevedo em situação bastante incômoda.
Os primeiros golpes de Reinaldo Azevedo
Só existe um caminho seguro para que o Brasil passe a ser um país menos corrupto, mais eficiente, respeitador do dinheiro público e voltado à correção de desequilíbrios que conduzem a iniquidades. É o das reformas. Não me refiro apenas a essas que estão no noticiário: da Previdência, trabalhista, politica. Trato do reformismo em sentido amplo. A alternativa é o jacobinismo canhestro que emana de fanáticos que hoje compõem a Lava Jata e que transformaram o necessário combate à corrupção num fim em si mesmo e numa sequência de atos criminosos.
Os primeiros contragolpes de Vladimir Safatle
Alguém precisa salvar o Brasil de seus salvadores. Neste momento em que, pela primeira vez em sua história, o país tem um presidente em exercício denunciado por crime, é sintomático a quantidade de vozes a ocupar a imprensa a fim de falar da “responsabilidade para com a nação”, do “temos um compromisso com o país”, do “não podemos deixar o país parar”. Tais vozes são sustentadas por um coro de analistas, juízes e jornalistas que entoa a cantilena do “não devemos desqualificar a política”, do “é perigoso quando um povo já não acredita mais na política”. Mas estes que assim falam não são exatamente parte da solução. Eles são parte do problema. Há um exercício de tradução que se faz atualmente necessário quando se ouve afirmações como essas. Pois onde se lê “temos que ter responsabilidade para com a nação”, leia-se, por favor, “deixemos os negócios continuarem como sempre e deixemos o poder nas mãos dos que sempre o detiveram.
Novos golpes de Reinaldo Azevedo
O moralismo tacanho é, para a direita e os conservadores no geral, o que a irresponsabilidade fiscal é para a esquerda; sua atração fatal, seu amor bandido, o seu jeito estúpido de ser. Quando se transforma a caça aos corruptos num ponto de chegada da vida pública, também se escolhem os meios da luta politica, que haverão de ser necessariamente policialescos, repressivos, opressivos se preciso. Ou não vimos Deltan Dallagnol, com suas “faces rodadas e perfil longilíneo” – como destacou um site que vendia suas palestras – a defender as tais 10 medidas contra a corrupção, quatro das quais eram arreganhadamente fascistoides, sob o silêncio cúmplice da imprensa, o muxoxo assustado das esquerdas e a gritaria espalhafatosa dos que apelidei da “direita xucra”?
Contragolpes de Vladimir Safatle
Já onde se lê “não devemos desqualificar a política”, entenda: “continuem a acreditar nas instituições deterioradas da república e seus ocupantes”. Ou no lugar de: “é perigoso quando um povo já não acredita mais na política”, entenda: “as acusações estão chegando muito perto de mim mesmo”. No entanto, o melhor que pode acontecer ao Brasil neste momento é, de certa forma, deixar tudo quebrar. A consciência de que o país entrou em colapso e de que nenhuma de suas instituições funciona de maneira minimamente adequada quando pode ser a única saída real do fracasso.
Mais golpes de Reinaldo Azevedo
(...) Infelizmente, e as colunas estão em arquivo, as minhas piores expectativas sobre a Lava Jato se cumpriram. Não estou surpreso que o Datafolha ache desnecessário – e é mesmo! – testar o nome de Aécio Neves (PSDB) para a Presidência, mas que seja Lula, hoje ao menos, o favorito para o pleito de 2018. É constrangedor flagrar a direita a fazer contas para ver se dá tempo de o petista ser condenado em segunda instância e, assim, não concorrer à eleição. Ou a apelar a Moro, o demiurgo, para que prenda logo o ogro. Janot é o autor desse desastre. Refiro-me a este senhor que se impôs como desafio depor o presidente Michel Temer. E o faz atropelando a lei e o bom senso, com o incentivo cúmplice de parte do Supremo, raramente tão pusilânime, e de setores da imprensa.
Novos contragolpes de Vladimir Safatle
(...) Não é verdade que estaríamos agora diante do risco da desqualificação geral da política. De certa forma, a verdade é que a política já não existe há muito em nosso país. O discurso gerencial, que é o discurso antipolítico por excelência, já fora utilizado na primeira eleição de Dilma Rousseff. Política é indissociável do exercício irrestrito da soberania popular e isso, há de ser honesto, nunca ocorreu no Brasil. Mas a tentativa atual consiste em amedrontar a população com o discurso do futuro caótico, em vez de permitir que a imaginação política aja e crie o que o país ainda não sabe como fazer existir. Se isso continuar, no lugar de uma destruição criadora teremos apenas uma desagregação sem fim.
Os últimos suspiros de Reinaldo Azevedo
(...) Há algo estupidamente errado num processo que, sob o pretexto de combater a corrupção, faz o país mergulhar numa crise política inédita, garantindo, ao fim, na prática, a impunidade aos grandes corruptores. A tarefa de Raquel Dodge é bem maior do que dar sequência à Lava Jato. Caberá à procuradora-geral da República tirar a operação do caminho da delinquência.
O contragolpe fatal de Vladimir Safatle
Não se pode temer que tudo fique estagnado para que o país entre em movimento com novos ritmos, novas intensidades. Não temos outra saída a não ser terminar o que não quer morrer, recusar mais um acordo espúrio e confiar em nossa própria capacidade. Mas a confiança no povo é algo que o poder no Brasil sempre procurou impedir.
Meus comentários finais
Reinaldo Azevedo precisa urgentemente de alguém que o traga de volta à realidade dos fatos, e que deixe de transformar exceções de erros da Operação Lava Jato em regra geral no jogo mesquinho de análises protecionistas a um governo federal recheado de infratores do Código de Processo Penal.
Os mesmos políticos -- e não os agentes federais -- que Reinaldo Azevedo dedurou subliminarmente na seguinte frase de torcedor minoritário contra a Operação Lava Jato: “Caberá à procuradora-geral da República tirar a operação do caminho da delinquência”. Reinaldo Azevedo aplicou autonocaute que Freud explica.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)