Imprensa

Quero minha filha na
Lava Jato, não jornalista!

DANIEL LIMA - 04/07/2017

O poderoso é quem manda, mas se depender de minha torcida, e essa torcida tem dado certo, quem sabe não vai demorar muito para contar em minha família com uma expressão da Lava Jato em vez de um novo membro do jornalismo?

Explico: uma de minhas filhas passou com 89% de acerto pelo mata-burro de um concurso público que deverá catapultá-la no futuro ao cargo de meritíssima com que tanto sonha e batalha. 

Minha filha tem talento de sobra para estar atuando no jornalismo. Persuasivamente, entretanto, sugeri que deixasse de lado essa loucura, após o primeiro semestre de faculdade. É melhor ser juíza de Direito sob os auspícios de mudanças viscerais que se veem com a Operação Lava Jato do que combater o bom combate do jornalismo independente na Província do Grande ABC. 

Aqui os bandidos sociais e os mandachuvas e mandachuvinhas, que se confundem em guetos poderosíssimos, valem muito mais que os intermediadores dos sentimentos da sociedade, caso dos jornalistas que não se deixam dobrar pelos poderosos de plantão. 

A constatação de que prefiro filha juíza a filha jornalista poderia parecer paradoxal a quem tanto exalta a profissão que exerce. Por isso me antecipo a possíveis apressados que venham a destilar a ideia de que seja este profissional um frustrado. Não existe motivo de desaprovação à sorte que me foi reservada. 

Muito pelo contrário. Não fosse jornalista, seria alguém à deriva. O ato de escrever é espécie de reticências até o próximo parágrafo de quem se prepara intensamente em variadas fontes de conhecimento.   

Conciliando competências 

A vantagem que minha filha carregará potencialmente sobre mim é que cada vez mais especialistas ocupam espaços editoriais em jornais, revistas e sites. Como tem enorme talento à comunicação escrita (palavra de quem criou o que certamente foi a primeira escola de formação de jornalistas numa Redação, no Diário do Grande ABC em 1982) ela poderá exercer essas qualificações como colaboradora. Ou seja: reunirá poderes constitucionais no Judiciário e poderá estender ações de cunho social nas publicações. 

Estaria minha filha, portanto, em situação muito melhor que a do pai. Para exercer poderes constitucionais no jornalismo, estou sendo enredado numa farsa de julgamento como réu por denunciar as improdutividades (para ser ameno) de um empresário falastrão e mistificador. 

Tão falastrão e mistificador (as razões são historicamente confirmadas em dezenas de textos desta revista digital) que ele é bem capaz de impetrar nova queixa-crime contra este jornalista, porque não admite ser contrariado. Sem contar que o meritíssimo que me julgou desconhece nuances de jornalismo. Algo que o coloca, de cara, a léguas de distância de uma futura companheira de profissão. 

Somente jornalismo 

Não misturo nestas páginas minhas atividades profissionais com o foro privado, exceto em condições especiais nas quais o jornalismo sempre estará em superioridade. Como é o caso de minha filha e sua relação futura com algum ou alguns filhotes da Lava Jato que, quem sabe, a Província do Grande ABC venha a adotar. 

E olhe que está demorando demais para tanto. As falcatruas brasilienses e em tantas capitais estaduais relativamente vigiadas por forças sociais e da mídia são desdobramentos, quando não inspirações, do que se passa nos obscuros redutos municipais protegidos pela crosta de provincianismo geocultural. 

Já disse a minha filha futura juíza de Direito que ficaria muito feliz no dia em que ela pudesse participar de grandes operações transformadoras neste País. Discreta, disciplinada, jamais responde. Entretanto, estou convicto disso. Entre outras razões porque a formação preliminar dela no Judiciário foi extraordinariamente positiva como auxiliar de um dos magistrados mais respeitados de São Bernardo, cujo senso de justiça, discrição, equilíbrio espiritual e tantas outras qualidades são a garantia de que há muitos exemplares igualmente a postos para dar continuidade à Lava Jato Federal. 

Passagem triunfante

Escrevo estas linhas sem consultar minha filha. Estou emocionado por ser acordado nesta manhã com o ingresso dela em meu quarto para anunciar que acabara de receber a informação de que passara com 89% de aprovação na primeira fase de um concurso público disputadíssimo. O choro contido dela e minha recepção calorosa desdobravam-se muito além da notícia em si. A meritocracia embutida na informação dispensa adjetivo em função dos números relativos. 

Vibramos mais intensamente porque ao retornar da prova de domingo último ela construiu um ambiente de inquietação. Confessara nervosismo acentuado durante as cinco horas em que extenuantes estudos diários pareciam erodidos com suposto desequilíbrio que teria subjugado a razão pela emoção do acirramento de uma disputa por espaço legítimo com milhares de competidores. O que tivemos entre o pós-prova e o pós-gabarito foi uma mudança radical. Da tensão à explosão foram horas de espera. 

Sinto-me no dever moral particular e profissional de construir estas linhas. Ao contrário do que imaginam otários de redes sociais e vagabundos de bastidores gastronômicos frequentados por mandachuvas e mandachuvinhas, quando não por bandidos sociais explícitos, não existe em minha vida privada nada que me leve a ser cáustico na atividade profissional. 

Mais que isso: o que verdadeiramente me irrita é saber e confirmar diariamente que minha vida privada é muito melhor que a vida privada do conjunto da população. Fosse menos idiota, mandava tudo às favas. Mas o exercício profissional me obriga moralmente a estar vigilante àquilo a que me propus desde que, aos 15 anos, inventei de observar os fatos, sentar-me diante de uma máquina Remington e tentar traduzir à sociedade os resultados de jogos de futebol na distante Araçatuba. 

Congelamento ideológico 

Ainda estou confiante de que o jornalismo viverá dias bem melhores. Os efeitos de novas tecnologias de comunicação vão se assentar de tal forma que, como já se iniciou o processo, permanecerão no mercado, e serão devidamente valorizados, os profissionais mais preparados para superar dicotomias ideológicas que congelam a mente e o conhecimento. 

E desse processo faz parte o Sistema Judiciário, integrado por policias, juízes e Ministério Público. Não foi porque me atingiram no peito da liberdade de opinião na tentativa de me amedrontar que serei descrente quanto ao País que precisamos ter. 

Abrir mão de uma filha jornalista em favor de uma filha meritíssima jamais significará perda ou dano. Muito pelo contrário -- é a certeza de que o roteiro da família deveria mesmo ser mais abrangente, já que outros também atuam na área, como meu filho mais velho. Às vezes me sinto culpado por incentivá-lo à missão. 

Quem sabe a Lava Jato e seus filhotes que hão de prosperar tornarão a atividade jornalística muito mais importante. Sobretudo porque passará por cima de militantes ideológicos travestidos de profissionais de comunicação? 

Bandeirinhas coloridas 

Gente que só vê irregularidades quando a bandeirinha do outro lado do campo é vermelha ou azul.  Sem contar especialistas em atividades distintas, inclusive ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, que, numa entrevista em rede nacional de TV, teve a ousadia de defender um governo quadrilheiro por conta da estabilidade econômica. 

Tudo em nome de uma estupidez sem limites, ou seja, supostamente impedir que a esquerda lulista volte ao poder. Quanta mediocridade. Quanto despreparo. Quanta arbitrariedade ética.  

Acho que minha filha, como parte de futura nova geração de magistrados, viverá tempos mais profícuos em que a ética, o devido processo legal e, acima de tudo, o respeito às regras do jogo, não permitirão que bandidos se escastelem impunemente nos mais variados níveis do Poder Público e de instâncias privadas. E que tornarão ações criminalizadoras contra a liberdade de opinião algo tão insensato como repulsivo. Até porque já passou da hora. 



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