O colunista da Folha de S. Paulo Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia e ex-diretor do Banco Central, é um homem de sorte. De muita sorte. Fosse articulista de CapitalSocial como este jornalista, fosse a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) sediada na Província dos Sete Anões, ao invés da Avenida Paulista, e fosse o comando daquela entidade entregue a um ditador de plantão, Alexandre Schwartsman poderia ser facilmente condenado à prisão.
Não é exagero algum, por mais absurdo (como o é) que possa parecer. Afinal, foi o que se consumou com este jornalista, sentenciado pelo juiz criminal de Santo André, Jarbas Luiz dos Santos, cuja especialidade em lidar com os solavancos da sociedade não inclui jornalismo independente e responsável. Jarbas Luiz dos Santos não sabe distinguir verdade consolidada de mentira manipulada se o referencial for o caso de que trato. A queixa-crime à qual mais que dar guarida, virou um caso especial de abuso de autoridade contra este jornalista, entre outras irregularidades, é conhecida da maioria dos leitores. Mas não custa retomar o assunto sempre que oportunidades análogas aparecem.
O articulista da Folha de S. Paulo, portanto e reiteradamente, deve agradecer aos céus por viver na Capital, não nesta Província de cartas marcadas.
Fui condenado por um juiz despreparado para lidar com a liberdade de opinião porque escrevi que o Clube dos Construtores do Grande ABC, então (2013) dirigido por um famigerado empresário (Milton Bigucci), metido em falcatruas, era uma entidade chinfrim, mequetrefe e inútil. O meritíssimo desconhece que a língua portuguesa está aí para ser utilizada com engenho e arte de acordo com a vontade e a capacidade do freguês e a realidade inalienável dos fatos. A língua pátria não está aí para ser esquartejada semanticamente pelo autor da queixa-crime com o suporte de um meritíssimo que atuou com algoz.
Imaginem os leitores, repito, se Schwartsman caísse na vara do juiz Jarbas Luiz dos Santos. Virei bandido social quando o bandido social, todos sabem, é outro -- e estava no polo oposto da queixa-crime.
Para não alongar este artigo, até porque não estou em condições para tanto, recompondo-me mais lentamente do que o desejado e o necessário de um ataque virulento à minha saúde, reproduzo o artigo do articulista. Leiam, portanto, o artigo da Folha sob o título “Seis anos em seis meses”:
Boa parte do empresariado nacional, em particular os encastelados na pirâmide da Paulista, se especializou em ganhar dinheiro à custa de transferência de recursos do resto da população. São vários os mecanismos, da proteção contra a concorrência (não só internacional mas também doméstica) ao uso intensivo de subsídios. Uma das formas mais insidiosas e menos transparentes, porém, se dá por meio do BNDES. Empresas com acesso privilegiado ao banco tomam lá recursos balizados pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que tipicamente se situa muito abaixo do custo a que o Tesouro Nacional se financia (numa primeira aproximação, a taxa Selic), quando não da própria inflação.
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Nos últimos dez anos, por exemplo, a TJLP ficou, em média, quatro pontos percentuais abaixo da Selic a cada ano; nos últimos três anos, cinco pontos percentuais. No acumulado destes três anos foi também quatro pontos percentuais inferior à inflação. Tudo isso implica transferência maciça de renda do contribuinte para os que têm acesso a esses recursos, devidamente apelidada Bolsa Empresário. No entanto, os efeitos negativos desse arranjo não se limitam ao seu impacto fiscal, já explorado em outras colunas. Para começar, trata-se de um subsídio gigantesco que não passa pelo Orçamento federal: dá-se, portanto, a um ramo do Executivo o poder de promover transferências de renda sem nenhuma transparência, sem nenhuma discussão com a sociedade, seja de cunho técnico ou democrático. E, exatamente por ser pouco transparente, é também um incentivo considerável para os que apreciam participar do jogo da corrupção.
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A questão aí não é só o quanto de "bola" se paga para agentes que possam favorecer uns e outros. A própria lógica de uma economia de mercado se inverte quando a principal atividade empresarial deixa de ser a inovação para se concentrar na obtenção de facilidades de modo a canalizar renda do resto da sociedade para si. Países em que essa atividade se torna dominante, em detrimento da inovação (e consequente aumento de produtividade), se encontram precisamente entre as nações que fracassam, em oposição àquelas em que a destruição criativa é o principal modo de enriquecimento. Veem alguma semelhança?
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Para mudar isso, o governo pretende migrar ao longo de cinco anos o balizamento do custo dos recursos do BNDES da TJLP para uma nova taxa (TLP), que por sua vez seria guiada pelo custo de financiamento de longo prazo do Tesouro, na prática eliminando aos poucos o colossal subsídio implícito para as novas operações do banco (a partir de janeiro de 2018). A reação, como esperada, é feroz. Até o novo presidente do banco se manifestou contra, alegando que a mudança tornaria as condições de financiamento menos previsíveis, já que o custo de financiamento do Tesouro poderia se alterar drasticamente, por exemplo, em condições de crise, aparentemente esquecido da possibilidade de empresas contratarem diversas formas de seguro para mitigar esse risco. Ainda menos auspiciosa é sua promessa de fazer "seis anos em seis meses", ecoando justamente o faraó da pirâmide paulista quando pedia a cabeça de Maria Silvia Marques para manter os privilégios dos suspeitos de sempre. Se cumprir a promessa, posso garantir que regrediremos bem mais do que seis anos em seis meses.
Um grande articulista
Seria injusto comigo mesmo, porque não fico em cima de muro algum, se não emitisse juízo de valor sobre o artigo de Alexandre Schwartsman. Caso me perguntem se subscreveria o texto, responderia que corroboro integralmente com o economista. Há relativizações a arbitrar, mas sem peso contra-argumentativo. A realidade econômica da Avenida Paulista não é necessariamente a realidade econômica dos pequenos negócios industriais, vítimas preferenciais das grandes companhias e do centralismo institucional daquela entidade. Mas nada disso me impediria de aplaudir mais uma vez o experiente articulista.
Aliás, um dos meus preferidos entre mais de três dezenas de vários setores espalhados pela Imprensa e sites especializados. Consumo Schwartsman inquietamente todas as semanas. Seu destemor, a firmeza e a profundidade de conteúdos, entre muitas qualidades, mostram o quanto é gratificante uma associação pouco provável de talento técnico e talento jornalístico. Com Alexandre Schwartsman não existe contemporizações historicamente anestesiadoras de mudanças que o Pais tanto exige. Ele seria um prato cheio para o juiz Jarbas Luiz dos Santos. Aquele que não admite criatividade sintetizadora do mundo que nos cerca.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)