Economia

Patrimonialismo já não cabe
no novo figurino de mundialização

DANIEL LIMA - 05/03/1997

A abertura econômica e a globalização, apimentadas internamente pela estabilização da moeda, atingem indistintamente todas as organizações, diretamente econômicas ou não. Por isso, o empresário que não estiver sintonizado atentamente com a movimentação das nuvens macroeconômicas, que conferem mutabilidade constante do mercado e tornam o que antes era definitivo em simples provisório ou passageiro, terá motivos de sobra para lamúrias.


O exemplo mais emblemático de que a mundialização da economia é irreversível e avassaladora, que escala de produção e competitividade são irmãs siamesas, é a venda da Metal Leve, até então uma das ilhas de excelência mais badaladas do País. Se a Metal Leve do culto José Mindlin virou patrimônio do Bradesco, da Cofap de Abraham Kasinski e da alemã Mahle, qualquer excesso de prurido patrimonialista, comum no empresariado nacional, pode até não ter necessariamente o significado de sentença de morte, porque o mercado comporta a competente prospecção de nichos específicos, mas sem dúvida tolhe o aprofundamento de perspectivas.


A grande maioria dos empreendedores nacionais, presos à velha herança cultural de colonizadores ibéricos, cuida sistematicamente dos negócios com a mesma impetuosidade centralizadora e o mesmo exclusivismo familiar que os animais reservam para os primeiros passos ou vôos de suas crias. Hostilizam indiscriminadamente ou simplesmente ignoram eventuais tentativas de aproximação. Parcerias que muitas vezes dariam nova dinâmica ao empreendimento, porque ofereceriam complementaridade produtiva, racionalização de custos operacionais e administrativos, reforços de cérebros, entre tantos benefícios, acabam descartadas quando o azul mesmo que pálido marca os balanços, e se tornam comprometedoras quando o vermelho aparece.


Empreendedor conectado com as transformações do mercado não pode descuidar do dia-a-dia tático dos negócios, mas se não tiver os olhos postos lá na frente, na estratégia, pode até, com muita sorte e qualidade, não virar estatística de mortalidade empresarial, algo que só economistas catastrofistas e os incorrigíveis mal-aventurados adoram, mas provavelmente alcançará performance aquém do que uma boa parceria é capaz de proporcionar.


O raciocínio é válido tanto para empresas que têm larga participação no mercado como àquelas que flutuam com desembaraço em patamares menos nobres do consumo de produtos ou serviços, mas que detêm insumos explícitos de eficiência que superam com certa folga as limitações estruturais. Isto quer dizer que a composição estratégica envolvendo uma grande e uma pequena empresa de determinado setor ou segmento, nacional, estadual ou regional, deve ser analisada com toda atenção. A arrogância da grande e a teimosia da pequena são insuperáveis como condimentos de indigestão. A humildade da grande e a lucidez da pequena são temperos imprescindíveis à metabolização de novos paradigmas.


O setor de autopeças brasileiro tem registrado os maiores índices de processos de reformatação acionária, pressionado duplamente pelo escancaramento alfandegário e pela enxurrada de novas montadoras no País. Nunca as empresas de consultoria no setor trabalharam tanto para costurar acordos. O enxugamento do setor ganha ares de dramaticidade para o mercado de trabalho, tira o sono da maioria das empresas de origem familiar, mexe com as perspectivas socioeconômicas do Grande ABC e, por osmose, lubrifica a sede de modernidade estrutural e econômica de organizações de todos os ramos.


O maior patrimônio dos empreendedores não está mais no imobilizado jurídico ou pessoal. Nem subsidiariamente, como interpreta a maioria, nos recursos humanos. O eixo da competitividade empresarial está substantivamente nos profissionais que a organização mantém sob vínculo empregatício e nos contratos cada vez mais interdependentes de parcerias, em forma de terceirização de atividades-meio. Também está na percepção de dar uma espiada constante no mercado para aferir quem desponta ou se consolida para, sem amarras de tradicionalismo, propor nova composição diretiva de modo a dividir responsabilidades e multiplicar os resultados.


Isso vale para qualquer atividade. Não é por acaso o que está acontecendo com o Consórcio Intermunicipal, sacudido pelo condomínio de formadores de opinião chamado Fórum da Cidadania, numa saudável concorrência pelo filão de representatividade e cujo resultado prático está numa composição multipartite, inclusive com o governo do Estado, para tentar achar o melhor caminho da região pela disputa de investimentos, entre outros temas? Se é assim no aspecto institucional, por que seria diferente no exclusivamente econômico?


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