Depois de quatro temporadas sequenciais de ostracismo junto ao grande público do futebol o São Caetano voltará a disputar, ano que vem, o principal campeonato estadual do País. Também estará de volta ao calendário nacional, classificado à Copa do Brasil. E pode disputar a Série D do Campeonato Brasileiro caso vença a Copa Paulista, da qual é um dos principais favoritos.
Tudo isso compõe novo caldo de cultura esportiva da equipe que arrebatou brasileiros nos primeiros cinco anos deste novo século. Ganhou fama de “namoradinha do Brasil”. Uma consagração que virou problema. Aos poucos o São Caetano liberta-se do calvário de temporadas fora do principal circuito do futebol paulista e brasileiro.
Se faltasse uma prova de que o São Caetano está refazendo-se da Síndrome de Namoradinha do Brasil provavelmente a manutenção do técnico Luiz Carlos Martins seria a mais valiosa. Ele está a caminho de completar a terceira temporada à frente de um elenco totalmente reestruturado em nomes e em valores de investimentos desde a retirada do São Caetano do circuito nacional, quando disputou a Série D em 2015 e foi superado pelo Botafogo de Ribeirão Preto nas quartas de final.
Luiz Carlos Martins é uma exceção de resistência como treinador de uma mesma equipe no futebol brasileiro. E ao que tudo indica dirigirá o São Caetano também na próxima temporada. Nem poderia ser diferente para quem acumula 102jogos oficiais e um índice de aproveitamento de 64,38% desde que estreou diante do Atlético Sorocaba pela Série B do Campeonato Paulista em 2015, após rebaixamento no ano anterior.
Um rebaixamento quase seguido de outro, da Série B para a Série C do futebol paulista. Quando chegou ao São Caetano, Luiz Carlos Martins apanhou uma equipe que no ano anterior escapou de queda no futebol paulista apenas na última rodada, com aproveitamento de míseros 33%.
Refazendo a trajetória
O São Caetano refaz trajetória que começou a engrenar no final dos anos 1990, quando começou a emergir no futebol brasileiro com o título de vice-campeão da Série B em 1999 e dois vice-campeonatos da Série A em 2000 e 2001. Mas o melhor é não esperar um salto extraordinário como no passado, que inclui também o título de vice-campeão da Libertadores da América em decisão com o Olímpia do Paraguai em 2002, além do Campeonato Paulista de 2004.
Não seria surpresa se o São Caetano voltasse a ganhar o Campeonato Paulista, como naquela final contra o Paulista de Jundiaí. A fórmula de disputa de mata-matas nas etapas decisivas favorece eventual supremacia de quem está mais bem organizado. O Audax, vice-campeão diante do Santos, foi o último exemplar, ano retrasado, do quanto uma equipe menos tradicional pode surpreender numa corrida curta.
O futebol mudou tanto que apenas como exceção, não regra, é possível acreditar que times de grandes torcidas e de receitas milionárias de patrocinadores deixarão de estar à frente. Possivelmente o São Caetano tenha sido a última equipe brasileira fora do circuito das 12 grandes agremiações a destacar-se durante várias temporadas seguidas.
Fase de purificação
Daí talvez seja conveniente ao São Caetano purificar-se do outro lado da moeda do título de “namoradinha do Brasil”. Viver do passado de aplauso nacional é um risco e tanto. O combate ao triunfalismo haveria de ser constante porque, na medida em que voltar aos grandes estádios do futebol paulista, como voltará no ano que vem, não faltará assedio da grande mídia e, sobretudo, dos vorazes empresários do futebol.
O grande desafio do São Caetano é saber administrar a recuperação dos últimos anos e, principalmente, exorcizar o passado glorioso que tanto o enobrece, mas que não é garantia alguma, muito pelo contrário, de repetição.
O paradoxo pode parecer um exagero, mas não se trata de teoria em busca de confirmação. Foram os rescaldos da consagração como “namoradinha do Brasil” que levaram o São Caetano à instabilidade nos gramados. E daí a seguidos rebaixamentos. Um efeito-dominó de que foi vítima, sobretudo porque não ajustou a engrenagem em pleno voo. O piloto automático se comprovou desastroso.
Nos últimos anos o São Caetano soube reconstruir-se numa bitola mais modesta, mais do tamanho de suas próprias possibilidades na hierarquia do futebol paulista e brasileiro. Quanto mais acreditar que poderá contar com o passado como reforço mais o São Caetano estaria ameaçado de perder o controle de agremiação que precisa reconhecer as próprias forças.
Contraditoriamente, entretanto, o São Caetano precisa mirar o passado glorioso como âncora de confiança e de motivação coletiva de que não é um time qualquer que estará de volta aos gramados mais cobiçados do futebol paulista-- mas um grupo que aprendeu com as armadilhas da história.
Ou seja: o São Caetano viverá nos próximos tempos como um equilibrista entre duas torres ligadas por um cabo de aço. Se olhar para cima e enxergar um passado como fonte suficientemente supridora de sucesso incorrerá em erro semelhante ao de olhar para baixo com submissão por conta dos seguidos rebaixamentos.
Monitoramento estratégico
É essa situação psicologicamente pendular que deve ser coordenada e superada. Os anos de competições menores contribuirão à ressurreição que deve ser exercitada com confiança. Principalmente por parte dos dirigentes, a quem compete monitorar resultados de um programa rigoroso de avanços.
Talvez o aprendizado dos anos de esquecimento a que foi submetido por toda a maquinaria do futebol tenha sido a melhor lição para o São Caetano renascer sem alarde. Se mantiver as engrenagens administrativas a salvo do entorno de interesses de quem observa o futebol apenas pela lente de oportunismo a ser explorado o São Caetano daria continuidade à nova trajetória de sucesso e, dessa forma, se estabilizaria como agremiação de porte médio.
Ainda não se tem certeza sobre o grau de risco de descontrole que o São Caetano incorreria ao retornar à Série A do Campeonato Paulista. A temporada curta, que não chega a quatro meses, talvez seja adequado para que não se pretenda passos além das forças. Eventual classificação à Série D do Campeonato Brasileiro da próxima temporada esticaria o calendário de competições ao segundo semestre, possível nos últimos anos apenas com a disputa da Copa Paulista.
Resistir às tentações de negócios do futebol não será fácil para um São Caetano refortalecido. Na medida em que o calendário de competições se amplia mais a equipe chamaria a atenção de agentes esportivos concentradores do que antigamente se chamava passes, e hoje são direitos federativos dos jogadores.
Da mesma forma não faltam intermediários com portfólio de treinadores disponíveis. Eles estão sempre à espreita. Acompanham atentamente sequência de maus resultados das equipes para oferecer préstimos.
A dinâmica muitas vezes autofágica do futebol, com contratações de jogadores e treinadores sem o respaldo de planos estratégicos, vai muito além do azedume da crônica esportiva e de torcedores mobilizados, além de diretores imediatistas. Os agentes profissionais atuam nos intestinos das agremiações, em muitos casos em parceria com os próprios dirigentes.
Longevidade explicada?
Provavelmente Luiz Carlos Martins não teria tido longevidade no São Caetano se as competições fossem mais diretamente interessantes aos profissionais que transitam longe dos gramados, mas muito próximos aos vestiários e aos gabinetes de dirigentes.
O São Caetano não parece ser uma Jabuticaba no futebol brasileiro, em forma de resistência ao entorno dos profissionais de negócios. Por isso é preciso que não se descuide do que vem pela frente em forma de arremetidas de terceiros.
Na avalanche de compra e venda de jogadores o balanço final precisa levar em conta que vale mais uma campanha de sucesso, a valorizar o patrimônio sobre chuteiras. Está aí o Corinthians como prova viva de que, mais que contratar, é importante não perder durante a competição jogadores de um grupo muito organizado dentro de campo. O São Caetano precisa preparar-se às pressões que virão, senão correrá numa raia perigosa de sequestramentos que reativariam pesadelos do passado.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)