Imprensa

Duas cachorras, um juiz
e a sentença descabida (3)

DANIEL LIMA - 28/08/2017

Talvez uma metáfora seja a maneira mais didática e por isso mesmo mais interessante para chocar quem eventualmente não acompanhou o desenlace de uma sentença judicial descabida que culminou na criminalização deste jornalista pelo juiz da 3ª Vara de Santo André. Tudo por conta de uma queixa-crime que ousou contestar verdades sobre a pífia atuação do Clube dos Construtores do Grande ABC durante mais de duas décadas de domínio do famigerado empresário Milton Bigucci.

O meritíssimo de Santo André cometeu sucessão de ilegalidades processuais denunciadas pelo criminalista Alexandre Marques Frias. Entretanto, a sentença em primeira instância foi parcialmente corroborada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Continuo a exercer o ofício de informar a sociedade porque conto com liminar do Superior Tribunal de Justiça. 

Agora, confiram a metáfora que escancara a ilicitude processual do juiz Jarbas Luiz dos Santos:

Imaginem um árbitro de futebol que, ao apito iminente de encerramento de um jogo, aceita a sugestão de um dos treinadores das equipes e autoriza a inclusão de um 12º jogador em campo. Imagine agora esse mesmo jogador, sem marcação e em posição de impedimento, recebendo a bola livre e, com o uso das mãos, marca o gol da vitória da sua equipe. O árbitro não aceita reclamações. O resultado final vale o titulo à equipe que ultrajou as regras do futebol. 

Disparate judicial 

No caso deste jornalista entregue à sanha do titular da 3ª Vara Criminal de Santo André, o que ocorreu foi algo dessa magnitude. Um disparate legal. Fui condenado a oito meses de prisão numa processo judicial viciado desde o princípio. A queixa-crime manipulou o texto que publiquei, retirando parágrafos e mais parágrafos do contexto. Fui tratado com hostilidade, quando não com agressivamente, pelo juiz Jarbas Luiz dos Santos. A sentença do meritíssimo se explica mas não se justifica porque pouco tempo antes da audiência ele recebeu uma cópia do artigo que escrevi na data do interrogatório.  

Para proteger fontes, não posso detalhar a operação que teve o meritíssimo de Santo André como um dos polos de procedimentos irregulares. Três fontes distintas, duas das quais secundárias, confirmaram que o meritíssimo recebeu inadvertidamente cópia daquele texto de manifestação de preferência em estar com minhas cachorras, Lolita e Luly, ao invés de naquela audiência com o famigerado empresário Milton Bigucci, artífice da queixa-crime. 

Milton Bigucci conta com folha corrida ministerial conhecida. É freguês de caderneta do Ministério Público Estadual em ilegalidades no trato com a clientela do conglomerado de construção e incorporação de imóveis. Também ocupa denúncias do Ministério Público Estadual em São Paulo por participar da Máfia do ISS, denunciada há quase quatro anos pela Prefeitura da Capital. Aliás, uma denúncia poucos meses após a apresentação da queixa-crime contra este jornalista. Reiterei uma realidade conhecida de todos: o Clube dos Construtores sob o jugo de Milton Bigucci era uma associação mequetrefe e de inutilidade social. Mais que inutilidade, um risco social: cansou de divulgar mentiras estatísticas para ludibriar consumidores de informações.

Entrega clandestina

Pois foi por ordem de Milton Bigucci, segundo as fontes, que aquele artigo chegou às mãos do meritíssimo de Santo André poucas horas antes do interrogatório eivado de parcialidades, incorreções e irregularidades processuais. O meritíssimo era o juiz do jogo metafórico ao qual me referi logo acima. Ou seja: o artigo foi destinado ao homem que me condenou a oito meses de prisão com recomendações interpretativas que me instalaram num polo delinquencial.  

Disseram os emissários junto ao meritíssimo de Santo André que, com aquele texto, este jornalista estaria ofendendo o Judiciário. Uma bobagem sem tamanho. Basta ler o artigo em sua integridade para verificar o quanto lastimava, este jornalista, estar diante de um contraventor do mercado imobiliário, entre outras restrições com base em critérios de interesse público. 

Não custa lembrar que o famigerado empresariado jamais se predispôs a e responder às entrevistas solicitadas por este site. Foram sete tentativas em seis anos. Quem só tem a esconder não pode mesmo enfrentar um jornalista independente. 

O passo seguinte ao encaminhamento daquele artigo abusadamente incriminador deste jornalista foi o esperado pelos demandantes da queixa-crime. O juiz Jarbas Luiz dos Santos leu apressadamente o material e tomou a decisão de transformar o interrogatório em show de horrores. 

Origem da agressividade 

Fora recomendado ao meritíssimo, também, que atuasse da forma mais rigorosa possível. Previa-se que ele teria como resposta do jornalista, na audiência, uma mais que previsível reação emocional. Todos imaginavam que este jornalista não suportaria a pressão psicológica do meritíssimo e, por isso, se insurgiria. Estaria criado um ambiente que proporcionaria como resposta uma esperada voz de prisão. Seria o show de horrores completo, previamente estabelecido pelos emissários. 

É claro que os especuladores desconhecem meus precedentes de atirador exemplar do Tiro de Guerra e de respeito à hierarquia. Preferiram exacerbar a rebeldia contra os bandidos sociais que infestam a Província dos Sete Anões, como chamo o outrora poderosíssimo Grande ABC. 

O açodamento do juiz Jarbas Luiz dos Santos foi desmedido. Ultrapassou todos os limites. Transformou-me em bandido durante pouco mais de uma hora de interrogatório recheadíssimo de armadilhas e delinquências processuais – estendendo a atuação à sentença propriamente dita. 

A audiência naquele começo de novembro de 2014 só não foi demonstração insuperável de incivilidade e despropósito porque a sentença, exarada tempos depois, percorreu caminho ainda mais seletivamente rigoroso. 

Desmontando operação 

O juiz Jarbas Luiz dos Santos, como denunciou o criminalista Alexandre Marques Frias, superou todas as expectativas de ultraje ao humanismo que deve regrar as relações entre um representante do Poder Judiciário e um réu acusado de queixa-crime. O Estado de Direito foi duramente golpeado. 

O que o leitor perguntaria é onde entra o árbitro de futebol da metáfora aludida nesse campo de jogo de arbitrariedades de um meritíssimo? Entra no uso indevido e ilegal e, portanto, também como reforço à nulidade do processo na forma de comprovação material de que as fontes que me garantem ter tido o juiz acesso ao artigo publicado na data da audiência estão absolutamente certas. Como provo em seguida. 

Sem me prender a especificidades da linguagem jurídica, o que Jarbas Luiz dos Santos fez ao me dirigir uma das perguntas de algoz durante o inquérito foi uma ilegalidade autocontraproducente à imparcialidade que pressupõe a ação de um magistrado. Para que houvesse legalidade processual, o documento fonte de inspiração do meritíssimo teria de constar do conjunto de artigos selecionados pelo Clube dos Construtores do Grande ABC em forma de queixa-crime.

Estão nas páginas 28 e 29 da transcrição daquele interrogatório avassalador contra a liberdade de imprensa as provas do crime processual do meritíssimo de Santo André. Eis a pergunta que me foi direcionada: 

 Aproveitando o ensejo, nas matérias em tese subscritas pelo senhor e que foram juntadas ao processo, em algumas delas aparece a expressão “aberração bolivariana”.

Respondi na sequência: “Eu escrevi sobre isso”.

E o juiz voltou a perguntar; 

 Qual seria o sentido dessa expressão?

Transcrevo parte de minha resposta: 

 (no sentido) que vem se tornando cada vez mais comum, a mesma que se usa quando se fala da situação da Venezuela, o Milton Bigucci é totalitário, não aceita o contraditório. Essa ação é prova cabal de que não aceita o contraditório. Eu estou lhe dizendo que mandei cinco questões para ele responder e ele não respondeu nenhuma. Ele preferiu ir à Justiça, porque acha que tem condições, pela força econômica, social, sei lá o que for, para me vencer, me desmoralizar na Justiça. 

Um golpe certeiro 

Agora chegamos ao ponto crucial dessa minissérie de reportagem-análise sobre a participação materialmente irregular do juiz da 3ª Vara Criminal de Santo André na queixa-crime movida pelo Clube dos Construtores do Grande ABC contra este jornalista. 

O artigo em questão (das duas cachorras de minha família com as quais preferiria compartilhar meu tempo a estar cara a cara com o famigerado empresário Milton Bigucci) influiu decididamente no desenrolar daquela audiência e igualmente na sentença final. Tudo porque o meritíssimo foi levado a acreditar que este jornalista houvera desrespeitado o Judiciário. 

Afinal, como se caracteriza o equívoco processual perpetrado pelo meritíssimo? Simples, muito simples. Como prova provada de que recebera clandestinamente o artigo das cachorras pouco antes da audiência -- e, com isso, reagiu como algoz precipitado --, estão os 11 artigos selecionados pelo Clube dos Construtores para me incriminar. Em nenhum deles, absolutamente em nenhum deles, há um registro sequer da expressão “aberração bolivariana” mencionada pelo meritíssimo na pergunta dirigida a mim. A resposta que lhe dei em seguida referia-se claramente ao que escrevera naquela mesma data, no texto das cachorras. 

Um novo tropeço  

Se já não fosse suficiente a constatação de que não havia texto algum que fizesse aquela menção em qualquer um dos 11 selecionados pelo Clube dos Construtores, há mais um tropeço processual do meritíssimo: até aquela data, 6 de novembro de 2014, este jornalista jamais escrevera um artigo sequer que utilizasse a expressão “aberração bolivariana”. 

Eram àquela data mais de quatro mil artigos no acervo deste site, que também reúne matérias produzidas durante o período em que comandei editorialmente a revista LivreMercado, além de textos publicados em outros veículos de comunicação em que atuei ao longo de 52 anos de carreira. Do Diário do Grande ABC ao Estadão e ao Jornal da Tarde, entre outros. 

Mais ainda: até aquela data não fora usado uma única vez qualquer verbete ou expressão que remetesse à metáfora bolivariana e seu entorno. Nada de bolivarianismo, bolivariano o qualquer coisa do gênero. Ou seja: as fontes que me asseguram ter o juiz se utilizado de um artigo que não constava do processo têm toda a credibilidade, porque a materialidade está na pergunta do julgador.  

Se também tudo isso não fosse suficiente, mais uma informação relevante se lança ao campo de jogo da verdade dos fatos: o artigo em que este jornalista remetia à satisfação de estar com suas duas cachorras foi incluído no processo ao final do interrogatório daquele começo de novembro. Repetindo: o artigo irregularmente utilizado pelo meritíssimo como fonte de inspiração naquela audiência em que me tratou como incivilidade, intolerância, parcialidade e tudo o mais, só foi adicionado ao processo ao final daquela sessão de tortura explícita. 

Em resumo: a metáfora do juiz que decide um jogo ao determinar um reforço fora dos padrões de legalidade esportiva está perfeitamente alinhada com o que ocorreu no processo envolvendo este jornalista. Temos um caso de constrangedor abuso de autoridade. De autoritarismo de autoridade, com perdão da redundância.

Virgindade comprovada 

As entranhas de CapitalSocial estão à disposição de autoridades constituídas e de peritos técnicos que o Judiciário julgar mais apropriados para passar com louvor pelo teste da verdade deste texto. Ou seja: até aquele artigo das cachorras que deixei de curtir para enfrentar um interrogatório típico de republiquetas asiáticas contra traficantes de drogas, jamais qualquer expressão ou verbete que remetesse a “bolivarianismo” constava de meu léxico crítico. Ocorreu-me utilizá-lo naquele 6 de novembro ao me referir a uma ação tipicamente bolivariana do famigerado Milton Bigucci.  

Naquele texto, me referi ao fato de Milton Bigucci, numa ação sem o disfarce da institucionalidade do Clube dos Construtores, viu frustrada a tentativa de retirar deste site todas as matérias que abordavam sua atuação corporativa e institucional muito distante dos louvores daqueles que costumeiramente se entregam a seus encantos empresariais e institucionais sem considerar aspectos éticos e morais, além de sociais. 

O meritíssimo de São Bernardo que não permitiu a arbitrariedade de calar este jornalista cortou as asas de abusos do famigerado Milton Bigucci e entendeu que a liberdade de imprensa não poderia ser violada. Daí, portanto, o uso de “aberração bolivariana” por este jornalista ao se referir àquela decisão judicial. Um santo uso, porque serviu de inesperada cilada a uma operação divorciada do Código de Processo Penal. 

Em situação conceitualmente semelhante, ou seja, de defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de opinião, o meritíssimo de Santo André preferiu me tascar oito meses de prisão. Uma sentença estruturalmente falida porque fere o devido processo legal tantas são as ilegalidades apontadas pelo criminalista Alexandre Marques Frias. O texto sobre minhas cachorras o colheu em flagrante equívoco processual, asseguram especialistas em preservar a liberdade de imprensa a salvo de ataques autoritários. Mesmo numa Província em que tudo parece desafiar os direitos básicos de cidadania. 



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