Não sei até quanto, porque talvez até sempre, mas o retorno do ombudsman não autorizado das publicações da região não está nos meus planos. Sei porque sou bem informado que a volta desse expediente que criei para analisar os jornais impressos e digitais da região implicaria em certo desconforto e impossibilidade de atendimento à demanda. E talvez isso não me agrade. O que me move é a perspectiva de mudanças.
Reconheço as dificuldades que os profissionais de comunicação acumulam diante do quadro de esvaziamento de investimentos no setor de jornalismo na região. As redações estão em pandarecos.
As publicações matam cachorro a grito ante série de fatores estruturais e circunstanciais, entre os quais um círculo vicioso que envolve desde produtos mal-acabados como publicidade escassa passando por desânimo e dispersão de leitores que adotaram novas plataformas de consumo de informação. A Internet botou fogo no edifício-padrão de gestão e produção jornalísticas.
Quando estive pela última vez no comando do Diário do Grande ABC durante menos de um ano, entre 2004 e 2005, entendia que aquela publicação estava longe de preencher requisitos para informar adequadamente a sociedade da região. Disse isso, inclusive, numa reunião com uma representante da família do patriarca Ronan Maria Pinto.
Tempos mais difíceis
Acrescentei naquela conversa que era indispensável ler todos os jornais (preferi não me referir a revistas) para chegar a um grau de entendimento do que se passava nas praças locais. Hoje diria sem dar margem a arrependimento que a leitura de todos os produtos à disposição não preenche metade dos anseios de quem quer informação mais aprofundada. Até porque as publicações, com algumas variáveis ditadas pela política partidária, divergem muito pouco. E quando o fazem o conteúdo é sacrificado em favor do que particularmente mais lhes interessam.
Quando aponto o conteúdo é preciso relativizar. O que quero dizer mesmo é que as notícias geralmente tópicas deixam vazio interpretativo sujeito a frustrações e inquietações.
Sinto falta da alternativa de leitura à esquerda disponível até outo dia no jornal ABCD Maior, então mantido pelo Sindicato dos Metalúrgicos e cuja descontinuidade teria tudo a ver com a descoberta de que dinheiros da Petrobras abasteciam bem mais que os ramais já levantados pela Operação Lava Jato.
Essa não é uma conclusão incriminatória àquela publicação, mas o que resulta de informações mais minuciosas sobre seu fechamento editorial.
Esquerda perde força
O ABCD Maior reunia todas as qualidades e imperfeições do jornalismo à direita e à centro-direita na região. Vendia belezuras do governo petista tanto federal quanto municipal. Mas em meio ao foguetório de conquistas nem sempre entregues e de críticas direcionalíssimas, sobravam informações que, filtradas por quem é do ramo, possibilitava o ajuntamento de peças que de alguma forma mantinham filtros depurativos do noticiário geral.
O jornalismo destes tempos na Província dos Sete Anões trafega no sentido unilateral de edulcoração dos atuais prefeitos de plantão. Quando uma ou outra ovelha que não seja azulada decide mostrar as garras tudo não passaria mesmo de exceção à regra.
As redes sociais, embora fragmentadas ideologicamente e sem qualquer conexão com a regionalidade no sentido mais construtivo do verbete, em algumas situações substituem o jornalismo convencional. O risco do jornalismo convencional é quando essa canibalização tornar-se mais frequente.
Um exemplo de concorrência informativa disponível em aplicativos de celular: a melhor e mais detalhada reportagem a que tive acesso sobre as complicações decorrentes do fechamento de sete unidades de saúde em Santo André, supostamente para reformas estruturais, foi repassada por alguém interessadíssimo no assunto (um vereador de Santo André) que teve o cuidado de filmar todos os postos fechados e anunciar que a operação se tratava de uma tremenda bobagem do prefeito Paulinho Serra, porque não havia uma única obra de recuperação em marcha.
Houve um cuidado tão minucioso em editar o material que se substituiu sem reparos uma ação que teria de ser de profissionais de jornalismo a serviço de publicações convencionais.
Perdendo espaços
A importância relativa dos veículos de comunicação da região será cada vez menor na medida em que iniciativas particulares, mesmo que eivadas de interesses específicos, se colocarem no campo de jogo. A credibilidade de notícias de origem alternativa dependerá exclusivamente do tratamento que for dado a cada caso.
No tocante às unidades de saúde de Santo André o que tivemos foi uma ação de jornalismo partidário disfarçado de comunitário melhor que qualquer outra iniciativa do jornalismo tradicional cada vez mais debilitado.
Não sei onde vai parar a Imprensa desta Província. As fontes de financiamento da atividade secaram. Restaram algumas alternativas. A mais proeminente e comprometedora, porque em larga escala contempla interesses diretos e próximos de quem está no poder público municipal, é a publicidade oficial.
Quando se coloca a publicidade oficial na situação de barganha em que o sentido de “dá ou desce” é alternativa negociada com os veículos de comunicação, a consequência encaminha-se ao cenário do que se vê toda noite nos escaninhos da Avenida Industrial, em Santo André.
Ao me referir a interesses próximos a quem está no poder público municipal quero dizer exatamente o seguinte: quando donos de negócios privados, além de órgãos públicos utilizados como moeda de reciprocidade editorial, também entram em campo de interesses paralelos, e com isso reforçam recursos financeiros da publicidade, as consequências podem ser as piores possíveis. Essa associação informal caracteriza carteis de poder além do campo político-administrativo convencional.
Processo de exclusão
Àqueles que ousam antepor-se à terceirização editorial (terceirização no caso quer dizer aquiescência à adoção de política de informação cujos laços estejam sob o controle de quem tem o poder político) são compulsoriamente excluídos do processo.
Nestes tempos de provincianismo, uma grande virtude é fingir que se está vendendo a alma da independência editorial impondo com técnica um drible da vaca cujo conceito se guie pela lógica de que jornalismo de carta marcada não tem valor algum. Poucos conseguem tamanha façanha.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)