Sociedade

Delação premiada vai mudar
ritmo da Máfia Imobiliária?

DANIEL LIMA - 22/09/2017

Diferentemente do que expõem jornalistas vagabundos que protegem grupos políticos e muito além do que argumentam advogados de bandidos mais que comprovados, embora ainda soltos, o instituto da delação premiada massificado pela força-tarefa da Operação Lava Jato é uma dádiva à recomposição do tecido de moralidade, sobretudo do setor público no País. Por isso se lamenta que apenas agora, quatro anos depois, a Máfia do ISS de São Paulo, dominada por servidores públicos e bandidos sociais do setor imobiliário, contará com o primeiro delator qualificado. 

Está na Folha de S. Paulo de hoje (sem o destaque de edição que mereceria) uma notícia que pode mudar a história da apuração da Máfia do ISS na Capital, escândalo no qual está envolvido, segundo denúncia do Ministério Público Estadual, o conglomerado MBigucci, entre dezenas de empreendimentos da Região Metropolitana de São Paulo, principalmente com sede na Capital.

Reproduzo alguns trechos da matéria do jornal paulistano para manter a autenticidade de interpretação: 

 O ex-subsecretário da Receita Municipal Ronilson Bezerra Rodrigues, apontado como o chefe da Máfia do ISS, decidiu fazer delação premiada e esteve nesta quinta-feira no Ministério Público de São Paulo, onde se comprometeu a revelar detalhes do funcionamento e o nome dos participantes de um esquema que desviou cerca de R$ 500 milhões dos cofres da prefeitura paulistana. A delação, segundo apurou a Folha, pode envolver vereadores e até dirigentes partidários. A decisão do antigo chefe da fiscalização na capital paulistana ocorreu após a primeira sentença relacionada ao escândalo, na qual Rodrigues foi condenado a dez anos de reclusão por lavagem de dinheiro. Ainda há outros processos correndo por corrupção. Antes da condenação, Rodrigues vinha mantendo total silêncio. Ele e sua mulher, Cassiana Manhães Alves, chegaram a ser presos neste ano, em Juiz de Fora (MG), sob a alegação de que não estavam no endereço indicado à Justiça. Em troca de colaboração, Ronilson espera obter benefícios que aliviem sua pena. (...) O caso foi descoberto no final de 2013, após investigação da CGM (Controladoria Geral do Município), órgão criado naquele ano por Fernando Haddad (PT). Pelo esquema, os fiscais davam descontos para a obtenção do certificado de quitação das obras, em troca de propina. (...) Uma tabela achada (...) mostra como funcionava o esquema, em que o valor do imposto era calculado muito abaixo do correto. O documento listava R$ 29 milhões em propinas recebidas de 410 empreendimentos, entre junho de 2010 e outubro de 2011. Essas mesmas obras deveriam ter pago R$ 61 milhões em ISS, mas apenas R$ 2,5 milhões foram para os cofres municipais – escreveu a Folha. 

Máfia do Semasa 

É inevitável que a Máfia do ISS do setor imobiliário da Capital seja transposta à Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC. Principalmente porque houve aqui algo semelhante, o Escândalo do Semasa, em Santo André, e, inacreditavelmente, o Ministério Público Estadual só enxergou criminosos num dos lados do balcão de negócios espúrios, no caso servidores públicos e um advogado, Calixto Antônio Júnior, a mando, segundo afirmou, do então prefeito Aidan Ravin. 

Mas o escândalo do Semasa é pouco perto de tudo que já foi escrito nesta revista digital e que, exceção do Residencial Ventura, a cargo do promotor José Luiz Saikali, jamais foi devidamente apurado. 

O mercado imobiliário da Província é uma farra do boi. Não existe transparência alguma dos inadimplentes empresariais em termos de recolhimento do ISS. A dívida do conglomerado MBigucci com a Prefeitura de Santo André ultrapassava R$ 6 milhões há mais de dois anos e não se tem notícia de que tenha havido pagamento. Outros grandes devedores contumazes também seguem aparentemente tranquilos. Fala-se muito em trambicagens, em sumiços de valores sob a guarda e controle de prefeituras, mas não se tem certeza entre o que é realidade e o que é fantasia.  

As desconfianças, a bem da verdade, não estão restritas ao campeão regional de abusos contra a clientela, como definiu o Ministério Público do Consumidor de São Bernardo ao se referir às empresas do famigerado Milton Bigucci. Há estoque formidável de mercadores imobiliários cujas traquinagens jamais aparecem. 

Por isso, quando se afirma que construtoras e incorporadoras de grosso calibre, em larga escala, são as empreiteiras urbanas no financiamento de campanhas eleitorais irregulares, não há nenhum exagero. Há, de fato, subestimação de valores.

Bigucci denunciado

Voltando ao denunciante Calixto Antônio Júnior, com o propósito de que a memória editorial seja atiçada e fortaleça este texto, reproduzo alguns trechos da matéria que publiquei em 22 de agosto de 2012, em plena efervescência do Escândalo do Semasa, sob o título “Denunciante afirma ao MP que Bigucci beneficiou-se do Semasa”. Não há registro de que tenha havido alguma queixa-crime de Milton Bigucci contra o denunciante. Provavelmente o famigerado empresário prefira exclusivamente atacar jornalista independente. Aos trechos, portanto:

 O advogado Calixto Antônio Júnior, denunciante da Máfia do Semasa, esquema que envolvia graduados executivos da Administração Aidan Ravin, afirmou na tarde de ontem ao Ministério Público de Santo André que o empresário Milton Bigucci beneficiou-se de irregularidades na aprovação de um grande empreendimento imobiliário em fase de construção ao lado do Shopping ABC. (...) O promotor criminal Roberto Wider Filho tomou o depoimento de mais de quatro horas do homem contratado informalmente pelo prefeito Aidan Ravin para representá-lo naquela autarquia pública. Embora prefira não se estender sobre as declarações que prestou ao Ministério Público de Santo André, Calixto Antônio Júnior foi enfático em relação à participação de Milton Bigucci na liberação do empreendimento residencial ao lado do Shopping ABC. Afirma categoricamente que, como em várias dezenas de outras licenças concedidas pelo Semasa, prevaleceram irregularidades no uso e ocupação do solo, tendo como contrapartida propinas em dinheiro e concessão de unidades de apartamento. O Royale Nobre Residence reúne duas torres e 160 apartamentos avaliados individualmente em mais de R$ 1 milhão. A MBigucci juntou-se a duas grandes construtoras paulistanas no empreendimento. O jornal Repórter Diário publicou na edição digital desta quarta-feira, como desdobramento da presença de Calixto Antônio Júnior no MP, que o promotor Roberto Wider Filho contará com o Gaerco (Grupo de Atuação Especial para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado) no auxílio à Procuradoria Geral do Estado na investigação do esquema de irregularidades que, segundo o denunciante, tinha como origem o gabinete do prefeito Aidan Ravin e se estendia à maioria dos diretores do Semasa. (...) Em entrevista a esta revista digital, Calixto Antônio Júnior reafirma a declaração de que o fio da meada da corrupção no Semasa, sempre sob interesse do prefeito Aidan Ravin, está numa complexa devassa das licenças para construção de torres de apartamentos em Santo André. O ritual, segundo afirma, era praticamente o mesmo, sempre: com o suporte do então diretor do Departamento de Meio Ambiente, Roberto Tokusumi, contornavam-se todos os impedimentos legais previstos no Plano Diretor de modo a permitir obras muito acima dos limites especificados. Em suma, liberavam-se a construção de prédios com muito mais pavimentos e apartamentos do que o permitido, entre outras operações para fraudar os cofres públicos e premiar parceiros privados também com vistas ao financiamento eleitoral.



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