As montadoras de veículos trouxeram progressos inegáveis ao Grande ABC e continuam a ser indispensáveis ao equilíbrio sócio-econômico regional. Essa é uma verdade tão asfixiantemente incontestável que raramente sofre o impacto de algum contraponto. Mas que existe contraponto existe. Tanto que não se pode contemplar as montadoras com pretensa santificação regional. A recíproca também é verdadeira: não se pode satanizá-las como matrizes das fundas disparidades sociais que se acentuam no Grande ABC à medida que a globalização corta postos de trabalho.
Maiores geradoras diretas e indiretas de empregos e de tributos, as automobilísticas da região consagraram o sindicalismo de Lula e seus parceiros num período de obscuridade política no País e de absoluto despreparo administrativo do empresariado.
A elite sindical do Grande ABC fez das montadoras palanque obrigatório e, com o suporte dos trabalhadores, pressionou os patrões numa frenética corrida de indexação salarial e de contínua incorporação de benefícios sociais extra-constitucionais.
Referência maior das relações entre capital e trabalho na economia nacional, as montadoras de veículos e os metalúrgicos botaram lenha na fogueira inflacionária ao longo dos anos. Os pequenos e médios empresários da região, de autopeças num primeiro estágio e dos demais setores em seguida, pagaram o pato porque tiveram de acompanhar as conquistas trabalhistas.
Pesos diferentes
Deram-se mal com isso, porque o peso relativo da folha salarial numa pequena e média empresa é três ou quatro vezes maior que o de uma automobilística. Os salários indiretos, em forma de transporte, alimentação, bolsa de estudos, cesta básica, seguro-saúde, entre outros, completavam o sadismo econômico que atingia as pequenas e médias, cuja margem histórica de negociação de preços é dramática, atingidas de um lado por grupos estatais monopolistas de fornecedores de matérias-primas e de outro lado por grupos oligopolistas de clientes.
Os novos tempos, de abertura comercial e de estabilização, acabaram por agravar as desvantagens de os pequenos e médios estarem tão próximos da influência síndico-empresarial das montadoras.
Beneficiadas pelo regime automotivo que lhes garante quase que a reserva de mercado em forma de alíquota de importação de veículos protecionista de 70%, ao mesmo tempo em que lhes escancara as portas do fornecimento de autopeças em prejuízo das empresas locais, as montadoras batem recordes de produção.
E continuam servindo de referencial aos sindicalistas, para azar das autopeças desprotegidas e de pequenas e médias de outros setores tratados sem o mesmo desvelo pela política econômica do governo federal.
Poucos empresários, mesmo de grandes empresas não listadas no setor automotivo, caso de Hugo Miguel Etchenique, presidente do Conselho de Administração da Brasmotor, que esvaziou a fábrica da Brastemp em São Bernardo, têm coragem de dizer em público que o setor automobilístico do Grande ABC causa problemas aos demais no estabelecimento de políticas salariais.
Além dele, apenas Dirk Blaesing, executivo da Fairway Filamentos, do setor têxtil, lamentou recentemente o destrutivo efeito montadoras-metalúrgicos no relacionamento com os recursos humanos, admitindo-o como complicador de novos investimentos na região.
Dupla face
Essa dupla face das atividades automobilísticas no Grande ABC não pode ser interpretada por seus representantes como análise oportunista e injusta diante das evidentes constatações históricas da importância do setor para o desenvolvimento da região.
Trata-se, sim, de uma espécie de chamamento à reflexão dos agentes econômicos e sindicais para se debruçarem de forma madura e consciente no problema. Os sindicatos cutistas, por exemplo, continuam a idealizar pautas de reivindicações a partir de conquistas junto às fábricas de veículos sem levar em conta que, recebendo tratamento alfandegário diferente do das montadoras, a defesa natural dos empreendedores de menor porte, até mesmo para que não fechem de vez as portas, é o enxugamento cada vez mais forte do quadro funcional.
Enfim, representações mais expressivas do capital e do trabalho ainda não se deram conta de que padrões de relacionamentos que naufragaram em períodos de clausura econômica são absolutamente inviáveis em tempos de globalização. Quem paga a conta é o trabalhador desempregado. Mas o que se pode fazer se, como disse outro dia o governador petista do Distrito Federal, Christovão Buarque, a esquerda (que tem a fama de preocupar-se mais com o social) continua a sensibilizar-se apenas com a minoria barulhenta, esquecendo a maioria silenciosa.
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