Iniciamos hoje uma trajetória de contraditórios que acreditamos fértil. É o primeiro capítulo em resposta às declarações do prefeito de Santo André, Paulinho Serra, entrevistado por esta revista digital. No total da Entrevista Especial, disponível em editoria específica desta publicação, são 25 questões centrais enviadas ao titular do Paço Municipal. Como se observa, é longa a jornada que nos aguarda.
Os assuntos mais candentes de uma Santo André reconhecidamente debilitada foram explorados na Entrevista Especial. Esse contraponto é indispensável quando se observa a atividade jornalística como ação de mão dupla. Nesse caso, significa que tanto as perguntas originais quanto as respostas do entrevistado carregam possibilidade de nova investida questionadora ou interpretativa.
Paulinho Serra tornou-se uma entrevista interessante. Bem melhor para a sociedade consumidora de informação que a experiência malsucedida recentemente com o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando. Enquanto o tucano da cidade vizinha esmerou-se em fugir das questões, omitindo respostas ou oferecendo conteúdo pífio, quando não desprezível, Paulinho Serra trilhou o caminho da responsabilidade social.
As respostas do tucano de Santo André não foram, na maioria dos casos, as esperadas por este jornalista, mas não houve omissão, o que é muito importante. Paulinho Serra não tem necessariamente a obrigação de responder o que o entrevistador deseja como pretenso intérprete da sociedade, até porque ocupa função social diferente da deste jornalista. Exatamente por isso que CapitalSocial reserva-se o direito de eventualmente apresentar aos leitores contrapontos às respostas. É o que faremos a partir de hoje. Até se esgotarem todas as declarações do prefeito.
Pergunta de CapitalSocial
O senhor tem alguma ideia do que fazer para minimizar a herança de estrangulamento logístico de uma Santo André que há décadas deixou de ter a centralidade da Avenida dos Estados como veio de articulação econômica da região, mais especificamente com a chegada da Rodovia Anchieta, depois com a inserção da Imigrantes e mais recentemente com o desembarque dos trechos sul e leste do Rodoanel? O que era elemento de potencialização de dinamismo econômico, no caso a Avenida dos Estados, virou estorvo à mobilidade urbana. O que fazer?
Resposta de Paulinho Serra
Como gestor público, não posso encarar como estorvo as dificuldades de uma cidade que não foi devidamente planejada. De fato, a Avenida dos Estados está abandonada há décadas e o resultado desse descaso se materializa com a queda de pontes e o solapamento de suas margens. Precisamos buscar apoio dos municípios vizinhos e também do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), do governo do Estado, para receber auxílio na execução dos serviços de contenção das margens do Tamanduateí e das pontes. Fizemos um estudo que indica o custo total R$ 79,2 milhões para a contenção das margens, bem como a reconstrução das pontes e serviços de recapeamento asfáltico. Desse total, R$ 19,4 milhões seriam destinados a obras de contenção das margens, R$ 43 milhões para construção de pontes e R$ 16,8 milhões para recapeamento asfáltico. E a importância que o atual governo dá à Avenida dos Estados é tanta que está inserida no projeto apresentado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID -- que busca captar US$ 25 milhões para importantes obras de mobilidade, em especial dois viadutos na própria avenida, desafogando o gargalo.
Meus comentários
A Avenida dos Estados referencia uma Santo André poderosa no passado e fragilizada desde muito tempo. O traçado que corta vários municípios da região e que tem na Capital o endereço mais nobre envelheceu tremendamente com a chegada primeiro da Rodovia Anchieta, depois da Imigrantes e por fim do trecho sul do Rodoanel Mário Covas.
É muito pouco provável, quase impossível, que a Avenida dos Estados volte a ter protagonismo logístico indutor de desenvolvimento econômico no sentido mais amplo da expressão. Não bastassem as condições desfavoráveis no jogo de competividades com a concorrência que chegou e tomou conta do pedaço, a Avenida dos Estados está jogada às traças em manutenção.
Há evidentes processos de esclerosamento econômico ao longo da Avenida dos Estados. O perfil de ocupação remete a um espetáculo pouco apropriado a empresas de alto valor agregado que supostamente poderiam se interessar por saltos de competitividade que investimentos públicos poderiam despertar.
É mais provável que tudo que se fizer em favor da Avenida dos Estados tenha apenas, mas não desimportante, o efeito de dar alguma musculatura de resistência a Santo André na tentativa de evitar mais evasões industriais. Entretanto, como recursos públicos são cada vez escassos e a iniciativa privada interessada em infraestrutura como negócio conta com opções muito mais interessantes, o melhor mesmo é não sonhar. O quadro é dramático e mais dramático pode ficar. O prefeito Paulinho Serra recebeu uma herança maldita dos antecessores e, embora afirme publicamente, como nesta entrevista, que a Avenida dos Estados não é um estorvo, como colocamos na pergunta, está longe de sustentar-se como ferramenta de avanço econômico. Santo André é uma carta fora do baralho no mapa de sensibilização de empreendimentos que fazem a diferença entre outras razões porque a Avenida dos Estados estrangulou quem sabe que custos logísticos fazem muita diferença.
Pergunta de CapitalSocial
Existe uma relação estreita, embora não única, entre o esgotamento da Avenida dos Estados como estimuladora da produção e a desindustrialização de Santo André. O senhor considera irreversível a derrocada industrial de Santo André? Já encontrou uma saída que possa amenizar os estragos históricos? O terciário de Santo André, ao contrário do que pretendia o então prefeito Celso Daniel, não tem nada de agregador de riqueza. Perdemos a batalha pela Tecnologia da Informação? Ficamos com o ramal mais frágil do setor de serviços?
Resposta de Paulinho Serra
A nova Luops (Lei de Uso e Ocupação do Solo) identificou cerca de dois milhões de metros quadrados ao longo do eixo da Avenida dos Estados e limitou a utilização para atividades comerciais. Cabe a uma gestão moderna, identificar e estimular diversas atividades comerciais. Nossa região é muito forte e atua com destaque na indústria 4.0, no segmento de tecnologia da informação e comunicação, no setor automobilístico, na química e petroquímica, além da indústria do plástico e da borracha. A batalha pela tecnologia da informação ainda não foi perdida, visto que ainda continua em expansão. Temos uma gestão atenta a esse tema, alinhada com as potencialidades existentes, em diálogo com as universidades regionais e atenta às novas oportunidades que esse mercado ainda produz.
Meus comentários
O otimismo do prefeito Paulinho Serra com o futuro econômico de Santo André, notadamente com a chamada indústria 4.0 se configura resposta esperada. Mas o dirigente público sabe que a batalha pela tecnologia de informação de alto valor adicionado esta batalha está praticamente perdida em Santo André e também na região porque desprezamos o bonde da modernização industrial a bordo do descaso histórico da relação entre Poder Público e livre-iniciativa. Não só por isso, claro. Há outros territórios no Estado de São Paulo que compõem o mapa da mina dos investidores, entre várias regiões. Caso da Grande Campinas, a área que mais cresceu nos últimos 30 anos, na qual há forte intersecção entre livre iniciativa e academia, representada sobretudo pela Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas. A resposta do prefeito Paulinho Serra deve ser vinculada a alguns pontos esparsos e pouco significativos no cômputo geral de modernização tecnológica no território municipal mais abalado ao longo dos anos pelo esvaziamento econômico. Há algumas ilhas de excelência de indústria 4.0 que devem ser vistas, exatamente porque ilhas, como exceção, não como regra.
Tradução: Santo André praticamente perdeu a corrida pela competitividade industrial em ampla escala porque uma combinação de fatores agiu de forma tempestuosa. A Avenida dos Estados é uma explicação física. O despreparo dos dirigentes públicos e das instâncias privadas, além do pouco caso de setores acadêmicos, completa a obra-prima de esfacelamento econômico.
A conclusão derradeira é que o legado de Celso Daniel, o chamado Eixo Tamanduatey, que colocaria a Avenida dos Estados como centro de operações de uma nova engenharia urbanística, social e econômica, virou pó. Quase duas décadas desde o lançamento daquele projeto o resultado não poderia ser mais desolador. Sobram poucos vestígios materiais de investimentos consolidados naquele território específico a uma grande arrancada. O Eixo Tamanduatey virou cinzas, atropela por imprevidências e também pela chegada de novas e muito melhores opções logísticas.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)