Neste que é o sexto capítulo de análise das respostas do prefeito Paulinho Serra a esta revista digital, encontramos as mais detalhadas informações sobre um temário específico. O tucano que assumiu o cargo em janeiro último foi detalhista. Trata-se da sétima resposta do total de 25 ao qual os leitores terão acesso no decorrer deste mês e, quem sabe, até o início do mês que vem. Como nas edições anteriores, repetimos a pergunta que consta da “Entrevista Especial”, publicada em espaço específico, e também a respectiva resposta do prefeito, igualmente naquele compartimento editorial. Introduzimos, neste artigo, o que chamo de “meus comentários”.
Pergunta de CapitalSocial
A troca de dívidas ativas de empresas do setor de saúde por atendimento médico, aprovada pelo Legislativo e já em fase de execução, carrega uma carga de desconfiança quanto à legitimidade formal: ou seja, seria inconstitucional, porque nenhum outro Município do País a aplicou, inclusive a vizinha São Bernardo, que optou por outro modelo embora tenha empresas igualmente devedoras de tributos. O senhor tem certeza de que não se trata de um equívoco legislativo que poderá lhe custar caro no futuro por supostamente infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal? O que sustentou do ponto de vista jurídico a medida adotada?
Resposta de Paulinho Serra
Inicialmente é importante dizer que o fato de determinada política pública não ser utilizada com frequência não a torna ilegal. Ademais, importante anotar que os prefeitos eleitos para um primeiro mandato em 2016 deverão ser criativos, caso queiram superar o quase intransponível nível de endividamento das cidades brasileiras.
Feitas essas duas ressalvas, relembro que pegamos Santo André com um verdadeiro colapso na saúde pública. Para se ter uma ideia, a fila de exames e consultas era interminável. No setor de cardiologia adulto a espera estava em agosto de 2016. Na demanda por atendimentos de dermatologia constatou-se que a espera estava desde outubro de 2015. Na proctologia, a fila datava abril de 2014, entre outros tantos lamentáveis exemplos.
Em paralelo e visando à ampliação da arrecadação municipal constatou-se que uma parte da dívida ativa municipal era formada por débitos de ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) advindos de contribuintes prestadores de serviços de saúde.
Assim, aliando a necessidade de diminuirmos rapidamente a fila de espera por exames e diagnósticos e verificando que parte da dívida com a municipalidade era de empresas que prestavam esse tipo de serviço e cujas cobranças judiciais não haviam sido propostas, optou-se, de forma excepcional, pela compensação tributária, autorizando que aqueles contribuintes detentores de créditos em face da Fazenda Pública Municipal utilizem esses valores para amortizar débitos perante o mesmo Fisco, regularizando a situação fiscal. A contrapartida para geração dos créditos é a prestação dos serviços essenciais de saúde pública considerados em situação crítica pela Administração Municipal, de modo que a participação complementar da iniciativa privada se dê no intuito de diminuir a demanda represada e normalizar o fluxo de atendimento.
E tal procedimento encontra amparo legal. Na esfera federal, a previsão para a compensação tributária encontra-se no artigo 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências.
No caso de Santo André, não há regulamentação para o instituto da compensação tributária. O Código Tributário Municipal (Lei nº 3.999, de 29 de dezembro de 1972), não traz norma específica para a compensação. Todavia, em seu artigo 281, o Código Tributário Municipal determina que são aplicáveis também os dispositivos do Código Tributário Nacional naquilo que fizer referência aos municípios. Assim, o artigo 170 do CTN vale para Santo André, havendo a possibilidade de edição de lei que regulamente a compensação tributária em âmbito municipal.
Assim, considerando que: (i) a forma clássica de extinção do crédito tributário se dá pelo pagamento, sendo essa a regra geral; (ii) a compensação tributária é uma alternativa à regra geral e pode ser limitada por lei, não existindo direito subjetivo do contribuinte à compensação ampla e irrestrita; (iii) o cenário da saúde pública municipal, com a existência de grande demanda por serviços públicos represada; (iv) a compensação tributária pode representar uma solução para que o devedores da Fazenda Pública regularizem a situação fiscal prestando serviços essenciais de saúde à população; há possibilidade de instituir a compensação tributária dos créditos gerados a partir da prestação dos serviços essenciais de saúde considerados como situação crítica pela Administração.
Meus comentários
É claro que o fato de uma determinada política pública ser inédita na administração pública não a torna ilegal. O questionamento ao prefeito de Santo André tem suporte em outra premissa: por que em todas as declarações à Imprensa a gestão do tucano jamais apresentou os aparatos legais que, só agora, nesta entrevista, veem à tona?
Também não se pode desconsiderar nestes tempos de marketing público febril, o qual tem no prefeito paulistano João Doria o grande condutor de iniciativas mimetizadas por administradores em todos os cantos do País, que qualquer cautela em estado crítico sempre será bem-vinda aos leitores.
Ainda recentemente o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, igualmente tucano, anunciou aos quatro cantos a cobrança de atendimento médico de acidentados nas rodovias que servem a São Bernardo, especificamente de moradores locais. O projeto de lei aprovado pelo Legislativo foi barrado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em recurso interposto pelas empresas concessionárias, alvos da iniciativa da gestão Morando até prova em contrário à margem da legislação.
Não vejo, diante das informações prestadas pela Administração Paulinho Serra, sinais de fragilidade da iniciativa do ponto de vista legal, mas não sou especialista no assunto. Mas que é intrigante o fato de Santo André manter-se única nessa modelagem fiscal-social. O que pretendíamos mesmo com a pergunta era trazer à luz da segurança legal, uma vigorosa defesa da medida. E nesse ponto, insistimos, o prefeito Paulinho Serra parece não estar contratando complicações no futuro, as quais poderiam lhe custar inclusive inabilitação à atividade pública. Mas isso só o tempo dirá.
De modo geral, entretanto, além da face fiscal distante da transparência informativa necessária, há baixa visibilidade também na aplicação desse modelo de relação com empresas privadas, sobretudo quanto aos valores dos atendimentos que resultarão na extinção da dívida ativa das corporações.
A gestão de Paulinho Serra poderia, nesse sentido, além de mostrar balanços mensais sobre os números de atendimentos e do tamanho da fila que ainda resiste, embora em muito menor escala, revelar detalhes sobre a planilha de despedaçamento das dívidas das empresas envolvidas, comparando os valores dos atendimentos nas mais diferentes modalidades aos limites do SUS (Sistema Único de Saúde).
De qualquer modo, é impossível não creditar ao prefeito de Santo André um lance de pragmatismo a ser festejado (sobretudo se superar o aspecto legal tão fortemente explicado na resposta a esta revista digital e também a escala de valores em relação ao SUS) porque os resultados são expressivos. Outros prefeitos, muitos outros, adotaram soluções que poderiam ser chamadas de convencionais. Abriram-se portas ao atendimento de saúde a empresas privadas sem ter como foco a compensação de dívidas ativas.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)