Vou reproduzir neste espaço a parte final de manifestação a um companheiro de jornalismo sobre o suposto racismo envolvendo o jornalista William Waack. Não pretendia fazê-lo. Idealmente não se configura como tema que comporte o mote desta revista digital. Entretanto, como fiquei em dúvida sobre esse enunciado que acabo de emitir, de que o assunto não pertence ao “regionalismo sem partidarismo”, decidi transferir aquele material aos leitores.
Acho que tudo que diz respeito à comunicação tem espaço em qualquer geografia do mundo. Ainda mais nesta Província submissa às forças de pressão.
Embora não pretendesse trazer para CapitaSocial o incidente do maior jornalista brasileiro (William Waack é uma combinação perfeita de talento, capacidade cênica, equilíbrio, conhecimento e todos os predicados que se procurar numa espécie de Pelé do setor), não resisti ao contexto.
Reiterei solidariedade a William Waack em dois campos de batalha saudáveis, embora encardidos. O primeiro de leitores do aplicativo com o qual me comunico diariamente. O segundo, em endereço eletrônico, do jornalista cuja identidade preservo em nome da ética.
Questão cultural
Entendo (e foi isso que explicitei tanto numa quanto noutra situação) que William Waack não cometeu delito algum. Foi infeliz, é verdade, mas quem conhece bastidores jornalísticos (e de corporações em geral) sabe que há culturas comportamentais entranhadas que passam longe da tipologia de preconceitos.
Diria que a maioria dos brasileiros (inclusive os negros) já se utilizou de linguagem metafórica que, observadas com lentes discriminatórias, quando não revanchistas, tornam-se supostamente delinquência de caráter verbalizado sem compaixão. Também há quem reaja de forma límpida, cristalinamente límpida, forjada na individualidade coerente de conduta. Parece ser o caso do meu interlocutor secreto.
William Waack (os desdobramentos do caso, com depoimentos de companheiros de trabalho, provam essa assertiva) exercitou uma liberalidade de linguagem em ambiente informal. Nada mais que isso.
Racismo duplicado
Meu interlocutor, numa primeira avaliação, entendeu que a iniciativa de defender William Waack me imporia carga de racismo sub-reptício. Ou seja: seria um racista defendido por outro racista. Após receber que o que repasso em seguida, meu interlocutor, sensato, sensível e longe de pretender-se dono dos sentimentos alheios, me enviou uma resposta que me excluiu do enquadramento delitivo mantido a William Waack.
Costumo dizer que pagamos ou usufruímos de nossas manifestações. Paradoxalmente, o caso envolvendo William Waack é estimulador a quem passa por pressões. O global é considerado, vejam só o tamanho da aberração, um péssimo profissional, odiado por muitos. A lição que retiramos disso é que vivemos ambiente de conflagração no qual prevalecem radicalismos míopes. A bem da verdade, meu interlocutor não nega qualidades profissionais a William Waack, embora faça série de restrições.
Repasso em seguida o breve texto em que desqualifico a ideia de que sou racista em defesa de racista:
O tratamento que dispenso eventualmente ao segurança do prédio de meu escritório, quer em forma de "Negão", quer em forma de "Neneca", um goleiro negro que parece separado no berço do nosso personagem, está enquadrado na mesma bitola de "Alemão", quando me refiro ao garçom de uma churrascaria em Santo André com o qual mantenho relação igualmente respeitosa. Temo que por chamá-lo de "Alemão" venha a ser rotulado de racista caso amanhã uma onda que remeta às atrocidades dos nazistas venha a ganhar retumbância. Também meu neto, filho de nissei, chamo uma ou outra vez, de forma carinhosa, de "Japinha" ou de "Japa", embora prefira Gael.
A julgar pelo veredito manifestado hoje em novo artigo, sou um serial racista. É claro que não dou a menor pelota a esse tipo de constatação. Ingressa-se no terreno pantanoso da subjetividade que muitas vezes competiria à psicanálise tentar decifrar. Tenho parentes de todas as cores e sabores. Seria estupidez colocá-los no mesmo saco de gatos do oportunismo atual de rotular tudo sob o guarda-chuva de preconceitos. Minha avó paterna era quase negra. "Vó Preta", diziam todos ao se referirem a ela. Carinhosamente. Certamente fosse minha família toda de negros, uma avó branca seria chamada de "Vó Branca". Sem preconceito, claro.
Os racistas de verdade, creio, jamais se apresentam em atitudes supostamente antirracistas. Eles precisam negar privadamente, ou mesmo publicamente, o que se passa em seus interiores. Da mesma forma que falsos cavalheiros de fala mansa e diplomática desnudam mulheres nos elevadores e em outros ambientes com olhares pecaminosos que ultrapassam os limites da civilidade. Mas eles, esses cavalheiros de araque, se acham cavalheiros de verdade, a fina flor da espécie, porque são bem nutridos e expressam verbalmente o que os menos rebuscados desprezam não por outra razão senão porque são simplesmente "simples".
Coleciono farta experiência corporativa de atitudes reprovadoras que não passaram impunes. Um exemplo é de um funcionário que, ante as deficiências plásticas de uma das funcionárias, insistia em tratá-la como ser humano de segunda classe. Até que, cansado de esperar reação de algum colaborador, decidi repreendê-lo. Esse tipo de preconceito, parente próximo do racismo, é comum nas organizações. E poucos reagem. A covardia é marca registrada de uma sociedade sem cidadania.
Não custa lembrar que, em muitas situações, a forma e o conteúdo não são exatamente o que parecem. Posso chamar alguém de "meu amor" em tom sarcástico, agressivo, e, também, de "filho da mãe", de forma carinhosa. Tudo depende das circunstâncias no sentido mais amplo da expressão. "Negão" dito em tom agressivo é ofensa racial. "Negão", "Alemão" e "Japinha" em tom amistoso, é carinho, é amizade, é tudo menos ofensa. Por falar nisso, você me deu uma boa ideia: na próxima vez que encontrar o garçom, vou chamá-lo de "Brancão", embora o mais comum mesmo seja "Alemão". Parente muito próximo de "Negão".
O artigo do Demétrio Magnoli hoje na Folha de S. Paulo expressa em larga escala o que penso sobre o caso William Waack. Minha rede de um aplicativo reúne algumas centenas de participantes, e as manifestações mais ferozes sobre o caso vem de uma extrema-esquerda que, provavelmente, não mexeria uma palha fosse o jornalista desastrado em questão defensor de Lula e seus parceiros. No meu caso, fosse Reinaldo Azevedo não William Waack, a posição seria a mesma.
Não levo em conta na apreciação desse caso qualquer resquício de subjetividade quanto ao comportamento extracampo de William Waack. Arrogância pode ser uma característica dele para uns e não para outros. Não o vejo como arrogante em cena. Talvez até o seja, mas, sobretudo no Painel, a meus olhos, é extremamente didático a quem interessa ser, ou seja, os telespectadores. O conteúdo do programa também não deve servir de baliza a apreciações comportamentais. Defendo a tese de que os leitores, ouvintes e telespectadores não atendidos por determinados programam têm sempre o caminho livre da deserção.
Para completar, o racismo neste País precisa ser combatido duramente, mesmo. Minha preocupação é que essa premissa civilizatória vire tribuna a falsos humanistas, cujas ações e omissões cotidianas geralmente anônimas se contrapõem ao discurso fácil destes tempos politicamente corretos. Os bandidos sociais da política estão aí para confirmar o quando é fácil levar no bico todos nós.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)