Me sinto constrangido em escrever o que vou escrever, mas é preciso que escreva para evitar que me tomem por alguém com poderes paranormais. O negócio é o seguinte: a série de matérias expostas para deixar claro aos leitores alguns entre os muitos motivos porque querem me ver fora de linha de produção revela nível de análises assustadoramente certeiras. Assustadoras para os leigos, claro.
Como consigo tamanha façanha? Simples: a região é o território em que o difícil mesmo é um articulista incidir em erros quando tratar de economia, de sociedade, de gestão pública e de tudo o mais. Não somos o fim da picada por acaso.
Diferentemente de jogos de azar, nos quais fatores diversos e fora do controle pesam duramente, o traçar do destino da região é uma senhora moleza. Basta selecionar alguns ingredientes temáticos cada vez mais resistentes na praça desse bicho de sete cabeças e tudo estará resolvido.
Agenda impraticável
Antes de traçar o caminho das pedras para deixar claro que não há como errar em se tratando do futuro da região, e também sobre o presente, quero dizer que este texto não estava na minha agenda. Só está porque estou baleado, atingido frontalmente por duas vicissitudes que me desarticularam partes fisicamente importantes. Sou um convalescente que se mantém em atividade à meia força. Estou com meus movimentos físicos e sensoriais em recuperação.
Tenho engatilhado um texto sobre o IPTU de Santo André, mas as limitações impostas por contratempos não me têm liberado a incursões. Acho, entretanto, que até esta sexta-feira tudo estará resolvido, embora os desconfortos já mencionados devam continuar por mais alguns dias. O que posso adiantar é que o aumento do IPTU em Santo André é o que se resumiria como vanguarda do atraso em gestão pública.
O assunto é complexo -- e exatamente por isso a Administração de Paulinho Serra tem-se salvado de vexame. A simplicidade com que tratou do assunto é alarmante. Inclusive na chamada entrevista coletiva à Imprensa da região.
Voltando ao que interessa agora, ou seja, àquilo que não me exige escarafunchar dados diversos, vejam se não tenho razão ao construir há um bocado de tempo uma ponte à prova dos triunfalistas de plantão. Ou, traduzindo: como é fácil dizer que a Província é Província sem eira nem beira.
Carência absoluta de institucionalidade.
Representação empresarial sofrível.
Representação sindical fora de órbita.
Representação política mesquinha e individualista.
Cordéis de puxadores de saco improdutivos.
Baixíssima resistência aos poderosos.
Elevada solidariedade entre bandidos sociais.
Restrições desconstrutivas aos poucos resistentes.
Manipulação indecorosa de informações da Imprensa.
Alheamento completo dos estamentos educacionais.
Separatismo entre racionalidade e politização.
Ausência completa de cabeças pensantes.
Potencial gigantesco de caça aos cabeças pensantes.
Exibicionismo político nas redes sociais.
Deslumbramento coletivo e inócuo das redes sociais.
Ausência estarrecedora de informações agregadas.
Saudosismo dos tempos que não voltam mais.
Emperequetamento de oníricas vantagens competitivas.
Fadiga comprometedora de infraestrutura física.
Logística transformada em adversário cruel.
Baixíssima reposição de destaques que viraram obituário.
Ramais de corrupção ultraprotegidos.
Instituições classistas à espreita de vantagens públicas.
Desagregação contínua do reticente regionalismo.
Finanças públicas em estado de calamidade.
Marqueteiros políticos santificados pelos comandos dos paços.
Gulodice insaciável e deletéria do mercado imobiliário.
Legisladores continuamente em flerte com o ridículo.
Comandos estratégicos dissimulados e arrasadores.
Incapacidade de segurar os melhores talentos profissionais.
Desprezo à potencialização de vocações econômicas.
Discurso mistificadores dos Polos Tecnológicos.
Proteção aos grandes varejistas em prejuízo dos pequenos.
Desprezo completo à mobilidade urbana.
Certeza de que vale a pena contar com a impunidade.
Primeiro passo
Paro por aqui porque não é necessário esticar a corda com a qual nos enforcamos diariamente ao correlacionar o desempenho individual ou coletivo da região com outros territórios, quer na Região Metropolitana de São Paulo, quer nos três principais núcleos do Estado de São Paulo – Campinas, Sorocaba e São José dos Campos.
Chegamos ao fundo do poço não por acaso e não o deixaremos por obra do Espirito Santo. A região precisa se reinventar institucionalmente para dar um passo enorme em direção a outros movimentos restauradores. Mas não acredito nisso.
Nos últimos 20 anos tivemos duas experiências pedagógicas: a primeira com Celso Daniel sem apoio do governo do Estado e também sem suporte do governo federal. A segunda com Luiz Marinho sem apoio do governo do Estado, mas protegidíssimo pelo PT Federal. Qual o resultado?
Celso Daniel deixou um legado de programas sociais e de reestruturação econômica em Santo André, desmobilizado nos anos seguintes porque já não existia mais um elenco de gestores públicos para manter a bola rolando.
Luiz Marinho infestou São Bernardo de obras inacabadas. Nos projetos econômicos, forjados com ramais da Petrobrás, deu com os burros nágua.
Falta massa crítica
Até agora, passado quase um ano de novo agrupamento de prefeitos, não há sinal algum de que a entidade que supostamente os une, o Clube dos Prefeitos, deixará algum legado que administradores do futuro poderão dar continuidade sustentável. Vivemos um período tenebroso em ideia se em práticas. Valem mais as manchetes promocionais de gestores públicos que insistem em tornar efetivas apenas as quinquilharias, os varejismos do cargo, facilitados pela redundância que vem do passado. Quando se trata de utilizar massa crítica que gere frutos materiais e intelectuais para o futuro, o desastre é total.
Infelizmente, vou continuar acertando na mosca. Não há na Província ambiente a favorecer perspectivas otimistas. Muito pelo contrário: o mundo está girando e, sobretudo o setor automotivo, poderá infligir mais dores à região com a substituição do Inovar-Auto, herdado de sindicalistas mais que suspeitos de serem páreos duros para a incompetência de Dilma Rousseff, e cujos estragos, agora medidos, mostram que não existe saída senão a abertura às cadeias de produção. Sobremodo sem dinheiro público a socorrer recorrentemente as montadoras e os sindicatos espertalhões numa reserva de mercado de incompetências que sacrificam muitos setores econômicos e comprometem os resultados gerais do País.
IPTU que me aguarde
Como os leitores podem notar, posso não estar enxergando como antes (ainda) e indo mais vezes que o necessário ao banheiro (ainda), mas em matéria de futurismo sou um rebento com experiência dos velhos. Só me falta a paciência dos monges. Quando a tiver, podem acreditar que estaria à beira do nocaute e jogarei a toalha. É impossível, em estado de sanidade mental razoavelmente preservada, um jornalista aceitar tudo isso solenemente.
Me segurem que já-já estou pronto para mais batalhas. O IPTU de Santo André, escandaloso IPTU de Santo André, que me aguarde. Vou escrever tudo o que as mídias da região não conseguiram.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)