Se você quer saber a resposta que o título induz seja eu o mais provável conhecedor sugiro que não aposte um tostão furado nessa possibilidade. Está certo que desconfio de alguns motivos que levaram o prefeito de São Bernardo Orlando Morando a constar das três matérias mais lidas de CapitalSocial de novembro, mas não existe convicção monolítica. O que escrevo em seguida é apenas uma suposição, com alguma dose de credibilidade, é verdade, mas nada além do mínimo indispensável a não visto como charlatão.
Orlando Morando protagonizou as três matérias, duas das quais se referem ao escândalo imobiliário que um secretário municipal, Mário de Abreu, poucos andares abaixo do gabinete do prefeito, engendrou com auxiliares igualmente vorazes em transformar segmentos do mercado imobiliário em rede de corrupção, segundo as denúncias. Escrevi alguns artigos no mês passado.
Quando digo que escrevi isso significa que fui muito além do trivial da mídia regional. Procurei desvendar os meandros que levaram a força-tarefa do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil a uma ação fora dos padrões com que as autoridades em geral lidam com as falcatruas do setor de construção civil. Ou alguém tem alguma dúvida?
A terceira matéria a ocupar as três primeiras colocações deu conta do embate virtual que promovi por conta de uma entrevista do ex-prefeito Luiz Marinho ao jornal Repórter Diário. Peguei o touro a unha das declarações do petista e as confrontei com o que considero fatos da gestão de Orlando Morando. Não imaginava que a repercussão fosse tanta. Se deu – e aí vai uma especulação – é sinal de que o petismo e o tucanato seguem às turras em São Bernardo.
Questão de interpretação
Mas, voltando ao que interessa: por que Orlando Morando deu tanto Ibope nestas páginas? Acho que tem tudo a ver com a postura que adotamos faz séculos: Não nos conformamos com o noticiário fastfood da mídia regional. Seguimos com linguagem que preenche às necessidades de curiosidade, quando não de cidadania, dos leitores. Nada diferente do que se encontra nas publicações mais prestigiadas do mundo. Ficaram no passado os textos supostamente factuais, que nada explicam e, mais que isso, são espécies de passaporte a delinquências dos entrevistados.
Costumo dizer que se me restasse apenas o direito de fazer jornalismo tal qual o que observo na região e também na Capital (exceto entre os colunistas) não haveria razão alguma de continuar jornalista, essa que é uma das profissões mais aviltadas do planeta – sem contar também perseguida pelos justiceiros reunidos em nichos de bandidos sociais.
A graça da profissão é a prestação de serviços. E prestação de serviços é ir muito além da informação rasa ou compulsória ditada frequentemente pelos entrevistados protegidos por assessores. Aí entra em campo o que chamo de interpretação. E interpretação veste a armadura protetiva da análise, quando não da opinião fundamentada nos fatos.
De acordo com passado
Durante duas décadas fiz de LivreMercado o exemplo mais bem acabado e revolucionário de jornalismo nas regiões brasileiras. Criada em 1990, LivreMercado já expunha na chamada de primeira página (então, tratava-se de um tabloide em papel especial, como durabilidade física para combinar com a durabilidade editorial) a dependência da região do setor automotivo. Até então, a crônica jornalística da região jamais tocara nesse calcanhar de Aquiles. Muito ao contrário: as forças automotivas eram muito mais sacralizadas do que hoje, como se jamais representassem o menor risco à região. Apontamos o dedo em direção ao futuro justamente para deixar evidenciado aos mandachuvas de plantão, prefeitos de então, que todos estavam a dormir em berço esplêndido.
LivreMercado sempre contou com o DNA deste jornalista porque este jornalista foi inoculado pelo vírus da avaliação muito além das informações quando nos anos 1970 devorava o melhor jornal de então, o Jornal da Tarde, no qual mais adiante cheguei a trabalhar tanto como supridor de reportagens na sucursal da Agência Estado (do Grupo Estadão) em Santo André) quanto como repórter especial na própria sede, na Capital.
Aliás, numa experiência horrível porque não suporto o dia a dia paulistano. Sou um provinciano físico que procura contrabalançar a deformidade com cosmopolitismo de conhecimentos.
Digo sempre aos meus filhos que muitas vezes deixava de comprar a mistura do jantar para garantir o Jornal da Tarde de cada dia, bem como as semanais Placar e Isto É. Aliás, nesse período ainda trabalhava no Diário do Grande ABC, no qual comecei como repórter esportivo e acabei saindo depois de chegar ao posto máximo, abaixo do chefão da Redação, Fausto Polesi. Aliás, foram quase dois anos dividindo para valer o comando da redação do jornal, juntamente com Ademir Medici (que cuidava das reportagens especiais) e Valdir dos Santos (que costurava a edição de primeira página).
Estranho no ninho
Nunca esqueço que ao chegar ao Diário do Grande ABC enfrentei resistência ao retirar o noticiário esportivo da vala comum do conservadorismo de A Gazeta Esportiva, um jornal que jamais me capturou como leitor assíduo. O Jornal da Tarde era o mantra de minhas pregações.
Escrevi tudo isso para dizer que não teria cabimento e lógica criar LivreMercado em 1990, como criei, e abandonar o perfil interpretativo. Ao longo dos anos cansamos de desmascarar fontes oficiais, sobretudo do setor público, useiras e vezeiras em repassar estatísticas furadas que jornais em geral publicavam sem o menor senso crítico. Jamais engolimos traquinagens estatísticas. Não seria diferente neste CapitalSocial.
Os leitores de CapitalSocial que acessam estas páginas há mais tempo sabem que não serão surpreendidos. Aqui o espaço reservado a análises é sagrado. A versão oficial de cada gestor público jamais está imune à curadoria independente.
Ainda na semana passada opus observações à política fiscal de Orlando Morando. O prefeito pretende elevar o número de empregos em São Bernardo com o uso do IPTU, uma versão simplificada da Loto Fiscal liderada em 1998 pelo então prefeito Celso Daniel. Já os demais veículos de comunicação da região ficaram na versão oficial, incompleta e por isso mesmo a exigir contraposições. E olhem que não terminamos de analisar a iniciativa, a qual chamamos de Cacheta Fiscal.
Não terminaremos esta temporada sem escrever sobre a nova política de correção de valores do IPTU de Santo André. Ainda estamos nos recuperando de uma cirurgia que nos impede de consultar dados complementares que destruirão o conceito alardeado de que o IPTU de Santo André é fonte de fragilidade orçamentária. Trata-se exatamente do contrário.
Para completar, as três matérias mais lidas de novembro mostram também que Orlando Morando é chamariz de audiência. Dividido entre a Prefeitura de São Bernardo, o Clube dos Prefeitos e as andanças por outros gramados dos tucanos, ele criou monumental expectativa sobre o que vai fazer nos próximos anos. Até agora, a bem da verdade, o saldo é muito mais negativo. Poderia ser bastante positivo se houvesse assumido São Bernardo e a Província com o senso crítico de deputado estadual que foi durante várias legislaturas.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)