Imprensa

“Como se sente condenado
por revelar a pura verdade?”

DANIEL LIMA - 21/12/2017

Essa é a pergunta que mais me fazem. E o fazem constantemente. E, a todos, a resposta é sempre a mesma: “pergunte para o doutor Jarbas”. O doutor Jarbas é o meritíssimo de primeira instância em Santo André. Ele me tratou agressivamente o tempo todo. Até parecia pretender me levar a uma reação de hostilidade semelhante para dar voz de prisão. Pensei nessa possibilidade dias depois daquela audiência que de fato foi uma sessão de tortura psicológica denunciada pelo advogado Alexandre Marques Frias. Sem contar os gravíssimos equívocos processuais. Nem o direito de permanecer em silêncio me foi concedido. Quem estava à frente do meritíssimo era um bandido e bandido precisa ser punido.  

Principalmente um bandido que ousou escrever, sem a conotação que o meritíssimo atribuiu ao texto, que preferia estar com as cachorras da família do que naquela audiência com Milton Bigucci. Marcola teria tido tratamento mais humano. Até porque, convenhamos, tem mais institucionalidade. 

Mocinho era o empresário Milton Bigucci, denunciado não faz muito tempo (mas já àquela audiência judicial) pelo Ministério Público Estadual como integrante da Máfia do ISS. Sem contar outras denúncias que, inexplicavelmente, o retiraram da cena de crimes. Menos a de campeão de abusos contra a clientela, pespegada pelo Ministério Público do Consumidor de São Bernardo. A denúncia do MPE é contundente. 

Toda vez que leio ou ouço um comentário mais ou menos ou mesmo muito ácido sobre a conjuntura política nacional, que também poderia ser chamada de conjuntura policial nacional, sinto um nó na garganta. 

Consumidores decidem 

Alguns coleguinhas de jornalismo ultrapassam a linha de fundo e jamais são incomodados. Nem devem.  Eles exercitam a liberdade de opinião como profissionais de comunicação. Eventuais ou constantes excessos não podem ser levados ao tribunal, ou se o forem precisam ser cuidadosamente analisados.  Compete aos consumidores de informação tanto recompensa como castigo. A credibilidade é o bem mais precioso do jornalista.  Um Reinaldo Azevedo, por exemplo, jogou no lixo do partidarismo todo o capital amealhado com a crise petista no governo federal. Afundou-se com Michel Temer. A máscara da conveniência narrativa caiu. Jornalista com time político é jornalista sujeito a despencar.  

Escrever como escrevi que o Clube dos Construtores é um monumento à improdutividade, mequetrefe e chinfrim, não é crime em lugar nenhum do mundo democrático. A verdade institucional precisa ser multiplicada sem medo porque é de interesse público que o seja. E o tempo provou que aquelas eram verdades inconvenientes, mas essenciais.

Fábrica de mentiras 

Tanto eram fatos que o Clube dos Construtores sob nova direção e mesmo à sombra da família Bigucci ganhou novos ares. As mentiras estatísticas que ludibriaram milhares de compradores de imóveis viraram pó, após seguidamente denunciadas aqui. A troca de prestidigitadores estatísticos por empresa especializada e com tradição foi a resposta dada pela nova direção daquela entidade. Fui condenado por revelar verdades que o Ministério Público Estadual e o Judiciário não levaram em conta. Atribuíram-me pedaços do Código de Processo Penal ao invés de uma carta de agradecimento.  

Os termos mequetrefe e chinfrim foram criminalizados pelo meritíssimo de Santo André em atendimento à demanda judicial de Milton Bigucci, então presidente do Clube dos Construtores. Também “Clube dos Construtores” ganhou ares de delinquência jornalística, enfatizado pelo sentenciador.  O meritíssimo provavelmente jamais ouviu falar do Clube de Paris ou Clube Militar. Para não dizer Clube de Assinantes de jornais e revistas. Ou Clube dos Prefeitos, que o deputado Orlando Morando sempre reconheceu, mas o agora prefeito Orlando Morando, amigo de Milton Bigucci, espinafra.

Trata-se do mesmo meritíssimo (e meu depoimento sob pressão psicológica o tempo todo é prova cabal do que vou dizer na sequência) que preferiu ignorar minhas declarações que colocam a Província num posto avançadíssimo de corrupção. 

Fosse o que deveria ser no entendimento de um jornalista que é o que deve ser, o meritíssimo teria tomado providências para, num inquérito à parte, numa ação a parte, no que quer que seja à parte, providenciasse novo depoimento. E tomasse as devidas providências constitucionais de alguém com poder de decisão para apurar as irregularidades que propus lhe apresentar. 

Quadrilha descartada 

A força-tarefa do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil que desbaratou ainda outro dia a quadrilha instalada na Prefeitura de São Bernardo é resultado de denúncias de terceiros. Fossem feitas ao meritíssimo de Santo André por este jornalista, certamente seriam ignoradas. Como as que pretendia repassar em detalhes. 

Portanto, o que respondo aos meus interlocutores é sempre a mesma coisa: a pretensão do empresário Milton Bigucci, incomodado com uma voz que não conseguiu jamais doutrinar às causas que defende, ou seja, uma parceria sem dores com o noticiário da mídia regional, demonstrava claramente que existe na região um vácuo mesmo que localizado de representantes do Judiciário incapazes de compreender a gravidade dos ataques à cidadania, entendendo-se cidadania como a essência de viver sem sobressaltos delituosos. 

O que pouca gente sabe mas que é preciso dizer é que a sentença do meritíssimo de Santo André foi a terceira que sofri por me opor ao empresário Milton Bigucci. A queixa-crime do Clube dos Construtores não foi outra coisa senão a extensão jurídica do unilateralismo do presidente do conglomerado MBigucci. Anteriormente, fora este jornalista condenado em instância civil e criminal ao sofrer o mesmo tipo de investida retaliadora: pegam-se trechos de alguns artigos, descontextualizam-se e atribuem-se subjetividades que ferem frontalmente a tudo que resumidamente se apresenta como informação indispensável aos leitores. 

A armadilha é tão sórdida do ponto de vista ético que possivelmente por ser isso, ou seja, sórdida, foge do controle de qualidade interpretativa dos meritíssimos. É um atentado à liberdade de opinião reconhecidamente bem orquestrado. 

Liberdades sacrificadas 

Talvez os responsáveis pelas peças conheçam fartamente os pontos fracos de avaliação do Judiciário sempre assoberbado e em muitos casos sem sensibilidade quando decide decidir. Sim, porque o interesse público inerente à atividade jornalística não pode ganhar uma roupagem burocrático de um caso comum a ser julgado. 

A liberdade física é um bem valioso demais para ser cerceada em função do estrangulamento da liberdade de opinião. Principalmente da liberdade de opinião fundamentada em provas que nem o Ministério Público Estadual nem o meritíssimo se preocuparam em coligir para identificar a improcedência, quando não o abuso, a engenhosidade maquiavélica, da queixa-crime. 

Para completar, diria que me sinto cada vez mais um jornalista fora do campo de jogo. Vou explicar: o campo de jogo é pesado, as afirmações são contundentes, os bandidos sociais são escrachados sem dó nem piedade e nem mesmo os membros do Supremo Tribunal Federal escapam à onda de degola crítica. 

Com tudo isso, quando dou uma olhada de vez em quando no processo que o meritíssimo transformou em condenação e insisto nos parágrafos em que sou tratado como bandido porque escrevi que uma entidade mequetrefe e chinfrim no período de subjugação a Milton Bigucci era uma entidade mequetrefe e chinfrim, não um exemplo de institucionalidade que apenas ignorantes ou idiotas seriam capazes de afirmar, quando dou essa olhada, só não tenho vontade de chorar porque a condenação é digna mesmo de desprezo absoluto. 

Acho que vou deixar esse texto sempre engatilhado quando ouvir de novo a mesma pergunta de sempre: “Como se sente condenado por revelar a pura verdade?”. A resposta está aí. Talvez decida, também, formular uma pergunta endereçada ao meritíssimo de Santo André: “Como se sente ao condenar um jornalista que lhe ofereceu a oportunidade de desbaratar quadrilhas que infestam a região?”. 



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