Imprensa

Circo mambembe regional
precisa ganhar forma de livro

DANIEL LIMA - 22/12/2017

Algum dia precisarei escrever as letras mais importantes de minha carreira profissional. Tenho quatro livros na coleção formal, ou seja, em formato de livro propriamente dito, embora centenas de artigos possam ser adaptados em coletâneas. Entretanto, sinto-me impelido a colocar em campo um conjunto de análises costuradas sistemicamente, ou seja, com encadeamentos fora do esquadro convencional de reprodução de textos do cotidiano. Não sei se vou dar vazão à explosão de ideias. O dia a dia tem me tomado muito tempo. Não faltam projetos a desafiar quem se tem tornado mais seletivo.  

O que sei é que ninguém melhor do que este jornalista – afinal, vivi intensamente tudo, absolutamente tudo, inclusive em detrimento da família – para esmiuçar a história do jornalismo regional mais revolucionário do País num contexto de esvaziamento econômico da porção até então mais reluzente da constelação nacional. 

A soma de quase 30 anos de LivreMercado (revista mensal que fundei em 1990) e de CapitalSocial (desde 2009 sucedânea daquela publicação impressa) não pode ser lotericamente analisada por eventuais interessados sem intimidade com as duas publicações. Acrescente-se a isso a experiência do contraponto econômico regional indispensável ao entendimento da obra como algo muito além do jornalismo, e então teremos resultado imperdível. 

Afinal, quantos entendem de jornalismo na praça e quantos compreendem o que se passou na Província desde que, por exemplo, surgiu o movimento sindical liderado por Lula da Silva? Mais que isso: quantas fontes confiáveis, sem vínculos partidários, ideológicos ou tudo que mais quiserem poderiam se lançar nessa empreitada? 

Uma longa jornada 

Por mais argutos que sejam muitos profissionais da mídia regional, ninguém alcançará a dimensão do que LivreMercado e CapitalSocial retrataram nos últimos quase 30 anos. Nem tudo que reluz nas páginas impressas e digitais é ouro de transparência explicativa. O cotidiano extracampo faz muita diferença. Ignorar o arcabouço doutrinário seria algo tão arriscado quanto desvendar os segredos de um time vitorioso sem dedicar-se ao dia a dia da engrenagem propulsora de resultados. 

Por essas e por outras sonho escrever em capítulos – e depois transformar em obra física – o que chamaria preliminarmente de “Revolução do jornalismo na Meca do capitalismo”. O título seria provisório, mas sujeito a definitivo, já caiu do cavalo da criatividade. Adotei já mesmo sem ter a certeza de que produzirei a obra, a marca de “GrandeCircoABC”. Esse título é mesmo definitivo. Abarca os dois lados da mesma moeda – primeiro, do regionalismo mais denso do quadro nacional, no sentido de territorialidade conurbada e de intersecções que independam de cidadania; e, segundo, do jornalismo mais prospectivo na ânsia de desvendar mistérios e destruir mitos.   

Quem acha que exagero na definição de jornalismo mais revolucionário da imprensa regional do País teria a oportunidade de avaliar o que fizemos com nossa equipe no período de LivreMercado e, há quase nove anos, na revista CapitalSocial. Sinto-me na obrigação de repassar a experiência acumulada, mas ainda coloco o livro na condicionalidade. A publicação irromperia o futuro e desvendaria sinergicamente o passado que explica o presente. Ninguém individualmente, ninguém coletivamente e nenhuma instituição jornalística sequer faz cócegas nos legados que pretendemos alinhavar numa linguagem relativamente diferente do dia a dia.  

Rompendo padrões 

Executamos ações fora do padrão convencional do jornalismo em geral. Como não tenho preocupação alguma com o politicamente correto e, somado a isso, movo-me por inquietação enorme pelo que se passa nesta região que me recebeu no final dos anos 1960 em cima de um caminhão de mudança, egresso do Interior de São Paulo, o histórico do jornalismo de LivreMercado e de Capital será didático também sobre os veículos de comunicação da região. 

Sem exceção, todos estão num compartimento de conservadorismo e de mesmices dos anos 1950. Quem tiver a curiosidade de consultar arquivos de jornais daquele período vai ficar surpreso com a similaridade de tratamento. Os mandachuvas seguem mandachuvas, embora identidades pessoais sejam outras. 

Por motivações nem sempre nobres, a maior parcela do jornalismo regional apenas circunstancialmente invade o terreno legítimo e obrigatório do interesse social. O encabrestamento das publicações repete ritual comum em todas as unidades do País. Em nome da salvação do próprio negócio, fragilizam-se controles da informação. Não faltam tentativas de libertação, claro, mas a conjuntura econômica e social não favorece gritos de liberdade. 

Esse é apenas um dos pecados capitais da relação entre Imprensa e setores organizados geralmente a partir da Administração Pública. É impossível que reciprocidades deixem de parir conflitos nocivos à opinião pública. 

Uma obra abrangente 

Depois de escrever quatro livros (Meias-Verdades, Complexo de Gata Borralheira, Na Cova dos Leões e República Republiqueta) entendo que está na hora, ou já passou da hora, de uma obra mais abrangente, fora da coletânea de textos já publicados na revista LivreMercado ou nesta revista digital. GrandeCircoABC é o acerto de contas comigo mesmo no sentido de organização de ideias num plano editorial transversal que teria o jornalismo e a economia em confluência de traduções sociológicas. 

É indispensável mostrar o que chamarei de Província dos Sete Anões tendo como ângulo de observação as duas publicações que mais me proporcionaram sentimento de jornalismo participativo, embora nas demais não houvesse frustração como saldo. 

A contextualização dos fatos mais importantes da região de acordo com diretrizes editoriais é a melhor maneira de mostrar aos leitores de ontem, de hoje e de amanhã o quanto revolucionamos uma atividade que, no uso da massa crítica que mais interessa, ou seja, a responsabilidade junto à sociedade, não encontra nada semelhante. Sei que esse veredito pode parecer pedante, mas se não o fizer baseado sobretudo na reação dos leitores ao longo dos anos, provavelmente ninguém o fara. Essa região é uma calamidade também em senso crítico. 

Para evitar equívocos 

Disse outro dia a Maria Luiza Marcoccia -- jornalista que durante mais de uma década foi peça-chave da revista LivreMercado -- que não poderia deixar escapar a oportunidade de contar a história do jornalismo que praticamos nos últimos 30 anos. Até mesmo por instinto de sobrevivência profissional no sentido de que se não o fizer possivelmente despreparados o farão algum dia. 

Que o façam inclusive aqueles que não se comportariam como tal, mas uma obra que expresse a voz do comandante dessa revolução parece mais compatível com a expectativa de quem pretende entender o que se passou tanto com o jornalismo como com as transformações sociais, econômicas e culturais na região. Aliás, essas são peças do mesmo mosaico. Não há como separar aquelas publicações da cronologia da derrocada da Província.

É claro que GrandeCircoABC não pretende ser um imenso guarda-chuva das atividades na Província. Seria impossível e deslocaria o foco principal que, insisto, é a perspectiva de mudanças na região sob a ótica deste jornalista e da realidade de pelo menos três dezenas de anos. 

“Regionalismo sem partidarismo”, o mantra desta revista digital, é o estágio mais avançado de amadurecimento de um projeto profissional que se confunde com um projeto de transformações sociais de uma região estupidamente medíocre que sobrevive ao turbilhão de interesseirismos nada republicanos. A Província é a antecipação da Brasília da Lava Jato. A diferença é que a impunidade é afrontosa nos mais de 800 quilômetros quadrados locais.

Comendo poeira 

Nos próximos dias pretendo esquadrinhar a estrutura dos capítulos que seriam inicialmente publicados nesta revista digital, embora nem me passe pela cabeça quando isso será possível.  Planto a ideia como se fosse um compromisso no futuro cronologicamente indefinido. 

Definir a estratégia editorial de um livro que pretende consolidar três décadas de experiência memorável em não mais que quatro centenas de páginas é uma etapa decisiva para dar fluidez às abordagens. Uma operação bastante distinta, por exemplo, de “Complexo de Gata Borralheira”, escrita em uma semana, nos intervalos que criei no cotidiano já intenso naquele 2002. 

Já defini alguns conceitos-chave. O principal é que a quase totalidade da obra será voltada ao insumo básico que interessa majoritariamente aos leitores: os caminhos percorridos editorialmente tanto por LivreMercado como por CapitalSocial para justificar com sobras a garantia de que nenhuma publicação regional do País deixa de comer poeira quando se trata de um perfil editorial que ultrapasse referenciais acomodatícios que regem o tratamento das forças de pressão nas redações. Hoje muito mais que antes. 

As novas tecnologias de comunicação dinamitaram as receitas financeiras mais tradicionais do jornalismo impresso. A desindustrialização empobrecedora da região completou o serviço, ou se antecipou à tecnologia. Fomos, portanto, atacados duplamente. Nossa fortaleça de independência editorial, ou de menor grau de dependência editorial, foi destruída. 

Sem convencionalismos 

O livro que pretendo escrever não sei exatamente quando seria uma sucessão de fatos que geraram análises numa Província em forma de laboratório social possivelmente sem paralelo no regionalismo brasileiro. Estar nesse território, portanto, reserva especialíssima experiência profissional e pessoal. É disso que trataríamos. 

Não fizemos jornalismo repassador de informações de terceiros, como os jornais na maioria das localidades brasileiras. Interferimos direta ou indiretamente na história. Nosso legado, portanto, vai muito além da função ainda anacronicamente festejada pela mídia convencional – uma ponte entre interesses de terceiros que tomam decisões e a sociedade consumidora de informações. Fizemos muito além disso. 

Sei que preciso escrever esse livro. Sei das dificuldades que encontrarei. Terei de promover um rearranjo do cotidiano para reservar uma hora por dia e me debruçar no plano de voo para iniciar a jornada, sem direito a quebra do ritmo. Não será fácil. Por isso não sei se o farei de fato. Sobretudo porque não existe uma única razão incentivadora à medida. A Província dos Sete Anões desgarra-se cada vez do mínimo recomendável que possa ser traduzido em algum resquício de cidadania. As redes sociais, por exemplo, e como cantei a bola, vieram para fragmentar ainda mais nossa regionalidade.

Compromisso geracional 

No penúltimo feriado prolongado assisti aos 10 episódios da primeira temporada da série “Mainhunther”, que conta a criação de uma tímida força-tarefa do FBI para desvendar os chamados “seriais killer”. Neste último final de semana prolongado consumi um livro de 500 páginas. Sem contar tantas outras tarefas impostas a quem leva jornalismo a sério. 

Preciso escrever GrandeCircoABC. As futuras gerações precisam saber o que antecessores fizeram durante tanto tempo para jogar no lixo um bilhete premiado. Nossa galinha dos ovos de ouro – a indústria automobilística e empresas satélites – virou um bumerangue, como mais uma vez provei nestes últimos dias ao esmiuçar o nosso PIB (Produto Interno Bruto). 

Temos todas as razões do mundo para contar a degringolada regional, território onde a mobilidade social desapareceu. Só já não temos mais o entusiasmo de antes, embora por me conhecer, tenha medo de esticar mais uma vez a corda e esquecer tudo que me cerca além do jornalismo. 



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