A economia de São Paulo esta se desacelerando gradualmente e algo precisa ser feito em termos de política econômica e industrial para reverter a situação. A constatação, em tom de ameno desabafo, é de um grupo de executivos de importantes empresas do setor químico e petroquímico paulista num encontro com o presidente da Petroquímica União, Henry Aidar. O debate, exclusivo para o Jornal da Tarde, aconteceu 10 dias após o anúncio oficial de que a Petroquímica União, a central de matérias-primas do setor no Estado, será privatizada pelo Governo Federal.
A privatização, apesar de saudada com entusiasmo pelos representantes empresariais, é apenas parte de um conjunto de ações que – segundo a avaliação dos executivos – precisam ser deflagradas para dinamizar as indústrias químicas e petroquímicas que se debatem com a problemática de controle de preços, com a defasagem tecnológica, com a regulamentação excessiva do Estado e, como ingrediente complementar, as mais recentes decisões da Assembléia Constituinte no capítulo de Direitos Sociais.
Privatizar a Petroquímica União – avaliam os empresários – será muito importante à medida em que colocará em pé de igualdade organizacional, de diálogo sobre as necessidades mais prementes do setor químico e petroquímico, a empresa-mãe e seus satélites. Hoje esse relacionamento é bloqueado pelo que o presidente do Sinproquim, o sindicato da categoria empresarial, Décio Novaes, chama de “grilhões estatais”. Isto é: as restrições legais e a tecnoburocracia que gravitam em torno da Petroquímica União inviabilizam um ritmo forte, constante, das empresas privadas que ocupam o que se convencionou chamar de indústrias de segunda geração, com reflexos diretos sobre as indústrias de ponta, aquelas que, partindo de produtos intermediários e finais, confeccionam artigos para consumo público.
Na realidade, a libertação administrativa da Petroquímica União, empresa do sistema Petrobrás controlada pela Petroquisa que encerrou o ano passado com lucro líquido de CZ$ 3,4 bilhões, mas que tem contra si o esgotamento da capacidade instalada, é vista como o ponto de partida para a retomada de investimentos no setor químico e petroquímico de São Paulo. Afinal, sem a expansão produtiva da central de matérias-primas, as indústrias de segunda e terceira gerações têm cerceado o planejamento de expansão.
Mas há outros condimentos que tornam bastante apimentado o cardápio de queixas dos executivos. A política petroquímica que favorece o Pólo da Bahia, que goza de incentivos fiscais e subvenções que as empresas instaladas em São Paulo jamais tiveram, é um dos aspectos de distorções no mercado. Mas há outros. A constante intervenção do governo no estabelecimento de preços, sem oferecer política estável no setor, inibe investimentos, naturalmente atrelados à expectativa de rentabilidade. E isso afeta diretamente a tecnologia, que já começa dar sinais de enfraquecimento.
O presidente da Química Industrial Barra do Piraí (QIBP) Eduardo Pereira Tostes, não consegue entender o controle de preços no setor químico e petroquímico. Evoca as lições da indústria automobilística, especialmente o último da General Motors, que reajustou os preços de veículos abaixo do índice estabelecido pelo CIP (Conselho Interministerial de Preços) como elemento de defesa de sua pregação. Eduardo Teixeira vai além. Sugere que todos os órgãos de controle de preços, como a CIP e a SEAP, sejam os primeiros a serem atingidos pela equipe econômica do governo federal na redução de gastos públicos, com a demissão de boa parte dos funcionários, inúteis numa economia livre.
Eduardo Teixeira acha até possível efetivar-se o sonhado pacto social, mas para isso considera indispensável maior confiança do governo em todos os segmentos produtivos. No caso químico e petroquímico, eliminando-se a indesejável tutela de preços.
Jean Daniel Peter, presidente da Union Carbide do Brasil, alerta que o intervencionismo do governo não se manifesta apenas nos preços, mas na excessiva regulamentação da economia, através do Conselho de Desenvolvimento Industrial e de outros órgãos. “Até hoje, 18 meses depois do anuncio oficial por parte do Ministério da Indústria e do Comércio, estamos aguardando a execução da política industrial do setor” – afirma.
O presidente da Union Carbide do Brasil critica a dependências das indústrias petroquímicas do Estado: “Isto acaba gerando política de favores, regionalização de interesses, clientelismo, coisas até válidas quando dos primórdios dessa atividade, mas não agora, quando São Paulo tem mais de 20 anos de experiência e não pode continuar manietada. Na verdade não passamos de concessionárias do governo” – afirmou.
Décio Novaes, presidente da Sinproquim e coordenador da reunião da livre iniciativa com a direção da Petroquímica União, manifestou-se mais claramente sobre a política de descentralização do setor petroquímico. Os favorecimentos oficiais para a criação e o desenvolvimento do pólo baiano e também do Rio Grande do Sul provocaram o “turismo molecular”.
Ele mesmo explica: “Com esses novos pólos, São Paulo passou a ser preterida nos investimentos oficiais na indústria de primeira geração, a Petroquímica União, e essa desconcentração da economia, como é chamada pelo governo, acabou não só estabelecendo custos diferenciados, principalmente porque na Bahia há subsídios e subvenções, como também implicou forte demanda paulista por produtos petroquímicos e químicos, devido às limitações do nosso pólo. Tudo isso se traduz na incidência de custos sobre o preço dos produtos e, em última análise, em inflação”.
Os empresários chamam a atenção: a falta de investimentos na área também relaciona-se às armadilhas preparadas pela instabilidade econômica. Um dele foi enfático: “Somos uma iniciativa privada que corre, paralelamente, dois riscos: o do mercado em si e da intervenção do governo”.
Eles lembraram também as recentes decisões da Assembléia Constituinte como componente adicional de preocupação desse setor que é responsável por 1,1% do PIB Nacional. Takashi Sanefuji, presidente da Companhia Brasileira de Estireno, foi conciso: “A constituinte está provocando a regressão econômica, na medida em que limita os vencimentos dos trabalhadores através da redução da jornada de trabalho. Estamos vendo a propagação da cultura de benefícios sem, entretanto, a contrapartida de responsabilidade”.
Já Rail Ziller Ribeiro, presidente da Polibrasil, entende que a disponibilidade financeira para investimento, caso de sua empresa e da maioria presente à reunião, recuou mais alguns passos depois do capítulo de direitos sociais votado pelos constituintes. “Enquanto até os menores já têm direito de votar, as empresas químicas e petroquímicas estão sob rígido controle do Estado, apesar da maioridade de estarem instaladas há mais de 20 anos. O controle de preços, por exemplo, é sempre defendido tendo como bandeira a questão de oligopólios e monopólios, mas isso só existe porque existe o CIP. O CIP cria e protege os oligopólios”.
Tão nocivo quanto o CIP, para os empresários, é a política de informática. Jean Daniel Peter, da Union Carbide, chama a atenção para o atraso tecnológico que já atinge o setor e recomenda investimentos em saúde e educação para a formação de cérebros voltados para o aporte de investimentos tecnológicos.
O representante da Unipar Química, Márcio Rossi, também reclama da falta de ambiente acadêmico voltado para a atualização tecnológica. Recorre à estatística de que o Brasil mantém liderança latino-americana em química e petroquímica, mas lamenta a carência de vários produtos em São Paulo, que acabam importados dos outros dois pólos nacionais. Essa carência, ressaltou Renato de Barros Medeiros, da Carbocloro, está ligada diretamente à falta de definições do governo e à baixa rentabilidade. “Desde 1986 importamos soda e estamos perdendo nossa condição de exportador de produtos, não por falta de competitividade, que mantemos, mas por limitação de produção, absorvida inteiramente pelo mercado interno”.
O presidente da Petroquímica União, Henry Aidar, ouviu a exposição dos executivos das empresas nacionais e multinacionais com atenção. A incômoda situação de ser adepto da livre iniciativa mas presidir uma empresa estatal tornou Henry Aidar cauteloso nas avaliações.
Fez o possível para manter a amistosidade do encontro. Só não agradou aos interlocutores, que expressaram descontentamento num sincronizado movimento de cabeça, ao tentar justificar a política petroquímica do governo federal em São Paulo. Disse Henry Aidar que ao ceder em favor de outros Estados, São Paulo contribui para o não aprofundamento das desigualdades regionais.
Em seguida, entretanto, recordou que a ação de políticos paulistas que cercearam durante três anos a instalação e a ampliação do setor químico e petroquímico por razões ecológicas, marchou em contra-fluxo com a decisão de classes políticas de outros Estados, decididamente interessados em absorver unidades industriais. O presidente da Petroquímica União disse, por fim, que a elevação em 80 mil toneladas/ano da capacidade de produção de etileno, a principal matéria-prima da central paulista, vai repor a capacidade instalada de 440 mil toneladas/ano que São Paulo perdeu quando várias empresas privadas, especialmente a Union Carbide, que detinha 50% daquela produção, foram penalizadas pela política de preços do álcool.
A explanação do presidente da Petroquímica União foi complementada pela intervenção do diretor-financeiro Norberto Tortorelli. Numa autêntica pregação privatista, Tortorelli lamentou a dificuldade de executar o planejamento financeiro da empresa-mãe do Pólo Petroquímico de São Paulo diante do corte de 26% dos investimentos projetados e na diluição das receitas orçamentárias corrigidas em apenas 120% num país que deverá atingir esse índice inflacionário antes do meio do ano. Aidar ainda contemporizou garantindo correções orçamentárias de praxe e a ampliação da produção de etileno até 1991. Algo que poderá ser agilizado com a participação de empresas privadas no capital da Petroquímica União, capitalização já aprovada pela Petroquisa, controladora da empresa, mas ainda em fase inicial de regulamentação.
O assunto não foi debatido no encontro por questão estratégica, mas é certo que a livre iniciativa do setor petroquímico, isto é, as empresas de segunda geração, pretende participar de forma substancial da privatização da Petroquímica União. O presidente da empresa, Henry Aidar, anunciou recentemente que a idéia da Petroquisa, controladora da Petroquímica União, seria pulverizar de tal modo as ações a serem colocadas à venda que isso permitiria a manutenção do controle da companhia.
Entretanto, existe a possibilidade de crescer um movimento pela privatização jurídica e institucional da Petroquímica União, expressa na participação acionária de empresas do Pólo Petroquímico de São Paulo, num modelo semelhante à composição acionária da Copene (Petroquímica do Nordeste S/A) que tem 48% de capital da Petroquisa, 47% da Norquisa (uma holding formada pelas empresas satélites do pólo do Nordeste) e os 5% restantes nas mãos de sócios diversos.
Uma fonte do setor petroquímico afirma que a formalização de uma holding para a absorção das ações a serem postas à venda pode tornar-se realidade porque significaria, fundamentalmente, efetiva parceria da iniciativa privada na gestão da Petroquímica União. Algo muito melhor que a simples privatização diluída, com a empresa fugindo do arcabouço burocrático do governo, mas, também, mantendo-se administrativamente distante dos principais clientes.
Em resumo, o que se planeja é algo mais que a simples privatização. É o controle da Petroquímica União. A Petroquisa, empresa do sistema Petrobrás, deixaria de ser controladora para ser coligada da Petroquímica União. A Unipar, grupo privado, detém 28% do capital votante da Petroquímica União, contra 68% da Petroquisa.
A indústria Petroquímica Nacional, uma das mais importantes do mundo, atingiu no ano passado 2,6 milhões de toneladas de etileno, propileno e benzeno, os principais produtos. São Paulo tem 28% no bolo produtivo, contra o restante quase dividido por igual (36% cada) entre a Copene e a Copesul (Companhia Petroquímica do Sul) gerida majoritariamente pela Petroquisa. Só a indústria automotiva supera a petroquímica em participação no Produto Interno Bruto e em geração de empregos diretor e indiretos.
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