Economia

Pós-Plano Bresser tem efeitos
semelhantes ao pós-Cruzado

DANIEL LIMA - 04/03/1988

Um novo abalo, de conseqüências semelhantes ao registrado após o fracasso do Plano Cruzado, ameaça pequenas, médias e microempresas. Não há uma voz discordante sequer sobre a extensão dos efeitos pós-Plano Bresser. Uma nova onda de falências e concordatas aproxima-se com uma avalanche, à medida que os indicadores econômicos sinalizam que a inflação cada vez mais alta contrasta com os níveis decrescentes de produção e comercialização.


As milhares de empresas que se socorreram da Resolução 1335 do Banco Central, refinanciando dívidas a juros favorecidos e com correção monetária pela metade, durante seis meses, já não têm mais fôlego. A partir do sétimo mês de contrato, que começam a vencer, a correção plena sufoca as minguadas receitas desses tempos de estagflação.


Dirigentes das mais diferentes entidades de classe de pequenos, médios e microempresários convergem analises para a mesma direção: ou o governo federal adota alguma medida drástica, preferencialmente de moratória de seis meses, ou os índices de falência, que já subiram em fevereiro último, numa comparação com janeiro, segundo a Associação Comercial de São Paulo, atingirão níveis comprometedores ao equilíbrio sócioeconômico de vasto contingente da área de produção e serviços.


Como os contratos de refinanciamento começam a vencer em grande maioria a partir deste mês e do próximo, o desespero que se detectou num encontro de 128 representantes de associações comerciais de todo o Estado de São Paulo, em São Caetano do Sul, ainda na foi transposto às estatísticas oficiais. A situação é alarmante, segundo Antônio Pascotto, presidente da Associação Comercial de Dracena, representando na reunião uma série de cidades daquela região. Antônio Pascotto desfiou um conjunto de oito propostas para evitar o caos no Interior e propôs, inclusive, como medida preventiva para sensibilizar os governos estaduais e federais, uma grande concentração na sede da Federação do Comércio, em São Paulo.


A denúncia generalizada, naquele encontro, de que os tomadores de empréstimo estão proibidos de trabalhar com novas linhas de crédito, especialmente o desconto de duplicatas, estende-se também a representações industriais e comerciais da Grande São Paulo. Os bancos são acusados de endurecerem o jogo para os pequenos, médios e microempresários que refinanciaram dívidas, o que contribui para agravar o quadro. Não é a toa que os cartórios de protesto de títulos indicaram em fevereiro elevação de registros.


O Ceag (Centro de Apoio à Micro, Pequena e Média Empresa) de São Paulo, braço estadual do Cebrae, órgão do Ministério da Indústria e do Comércio, é uma espécie de termômetro confiável da temperatura econômico-financeira do segmento. E o número de consultas sobre dificuldades com os financiamentos, que saltou de 59 para 100, numa comparação entre janeiro e fevereiro deste ano, retrata bem a inquietude do setor. Andiara Barbosa Automare, diretora do Balcão do Empresário, que presta atendimento pessoal e telefônico, sente de perto o crescimento dos casos de inadimplência. O Ceag, através do superintendente Antônio Carlos Bonetti, faz o que pode para amenizar a situação. Bonetti intermedeia diretamente com as agências bancárias o reescalonamento das dívidas, evitando postura mais drástica das instituições financeiras.


Mas nem sempre é possível a renegociação ou quitações em termos viáveis para o devedor. Os próprios dirigentes de associações comerciais reunidos em São Caetano denunciaram casos de discriminação. Os bancos são acusados de inflexibilidade quando captam sinais de recuperação do devedor. Nestes casos, afirmam os dirigentes, a renegociação não implica em redução do passivo porque o devedor é o grande interessado em ver-se livre do débito com correção plena. Já para quem está mal das pernas os bancos facilitam a quitação da conta, principalmente se os bens hipotecados não têm liquidez.


O presidente da AMPEMESP (Associação de Micro, Pequena e Média Empresa do Estado de São Paulo) o industrial Renê Baldacci, estima que grande parte dos 1,2 mil associados da entidade vive momentos difíceis. Acusa o Plano Cruzado de desestabilizar o setor e o Plano Bresser de dar apenas a ilusão de que os problemas seriam resolvidos. “A grande parte das empresas tem compromissos financeiros de duas a quatro vezes superiores à folha de pagamento dos funcionários e agora, com a correção integral, muitos não terão recursos para sobreviver. Isso tudo implica em queda do nível de emprego e, mais do que isso, em rotatividade imensa, na tentativa de barateamento de custos” – afirma.


Baldacci avalia a resolução 1335 como um alívio temporário aos empreendedores que não sucumbiram com o pós-Cruzado, mas que, por ser de curta duração em relação ao realinhamento da economia, que continua fora das rédeas da equipe comandada por Mailson da Nóbrega, é tecnicamente impossível de oferecer resultados favoráveis. “A única saída é prorrogar por pelo menos mais seis meses as vantagens da resolução 1335, com o pagamento mensal de juros de 3% ao mês, de forma que a esperada estabilização da nossa economia coincida com a correção plena da dívida num patamar bem mais modesto que o atual, realmente asfixiante” – disse.


Os perto de 400 associados da Anapemei (Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas Industriais) são uma exceção nesse revolto mar de problemas. Isso se deve à própria estrutura filosófica da entidade, comanda por Cláudio Rubens Pereira. Providenciais circulares emitidas assim que se deflagraram o Plano Cruzado e o Plano Bresser, alertando os empresários para as armadilhas da tentativa de se eliminar a inflação por decreto, possibilitaram a cautela indispensável para que não se desse o passo maior que a perna. Recomendou-se a fuga de endividamento bancário, “Porque a inflação zero, ou próxima disso, era simplesmente um exercício onírico”.


A Anapemei tem o maior número de filiados no ABC Paulista, mas isto não quer dizer que a região ficou incólume às quebradeiras do Plano Cruzado e aos danos do Plano Bresser. Nas associações comerciais e industriais de várias cidades da região, além das delegacias do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) há um pipocar constante de desventuras empresariais. A inadimplência aumentou em fevereiro, com títulos protestados, concordatas e falências retomando o processo evolutivo.


O descontrole inflacionário abaterá uma leva significativa de empreendedores e aprofundará o desemprego. Nem mesmo uma confessada disseminação da estratégia de sonegação, como alternativa para diminuir o impacto da pronunciada queda de vendas, dá o equilíbrio desejado. O jogo de braço contra a inflação parece perdido. Por isso, de Luis Augusto Frigeri, diretor do Departamento de Micro, Pequena e Média empresa do Ciesp de Diadema, a Valter Moura, diretor executivo da Associação Comercial e Industrial de São Bernardo do Campo, passando por Hiroshi Hashimoto, do Ciesp de Santo André, há um coro uníssono contra os gastos do governo. Sem uma ação enérgica não haverá salvação, afirmam. Todos irão de roldão.


A correção plena dos débitos bancários coloca milhares de empresas na fase terminal. O estágio pré-falimentar, prolongado por seis meses de refinanciamento a juros favorecidos, agrava-se à medida que os prazos de carência vão se esgotando. Mas enquanto existir a possibilidade de um decreto de congelamento ou de postergação de pagamentos, haverá a esperança de manutenção do empreendimento. Por isso, pequenos, médios e microempresários enquadrados nesse contexto não aceitam expor dificuldades. A identificação dessas empresas tem dupla ação negativa: os fornecedores cortarão as encomendas e os credores poderão agilizar pedidos de falência.


Uma dupla de professores de Educação Física, por exemplo, torce para que a economia entre nos eixos. Embalados pela promessa de inflação européia, eles resolveram construir uma sede própria de uma escola de natação, em Osasco. Deram-se mal. Agora discutem com uma agência bancária o reescalonamento da dívida. Pagar correção plena é impossível.


Os custos financeiros engoliram quase toda a receita líquida. Os dois professores clamam pelo anonimato. Seus alunos, acreditam, debandariam se soubessem que de uma hora para outra a escola poderia ser fechada, porque é a hipoteca da dívida.


Quitéria Cordeiro, diretora de uma fábrica de móveis em Hermelino Matarazzo, libera sua identificação porque está confiante que a empresa não vai falir. É verdade que perdeu grande parte de seu efetivo de funcionários, que caiu de 42 para 12. É verdade também que os dois empréstimos através da linha 1335, para capital de giro exaurido pelas distorções do Plano Cruzado, estão pesando demais nos custos fixos e que, a partir de agora vão dar um tom heróico à manutenção do empreendimento, porque estão sendo corrigidos com base na inflação. Mas Quitéria Cordeiro tem esperança de moratória ou congelamento. Só assim sua família inteira, que vive da fábrica de móveis, deixará a condição patronal para procurar emprego.
Menos problemática é a situação de Cinco B Indústria Metalúrgica, de Renê Baldacci, também presidente da AMPEMESP (Associação de Micro, Pequena e Média Empresa do Estado de São Paulo). Também para uso como capital de giro ele recorreu a empréstimo bancário pela linha 1335.


O prazo de carência venceu e Renê não teve como resgatar a dívida, porque isso implicaria em ficar de novo sem capital de giro. A correção plena do passivo vai sobrecarregar seus custos fixos, ainda absorvível. Por pior que esteja o mercado, Renê Baldacci se considera privilegiado. “A grande maioria está com a corda no pescoço e só não sai a público para dizer por que isso representaria o fim de tudo”.


Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000