Imprensa

Diário sente calafrios quando
desindustrialização vira pauta

DANIEL LIMA - 19/02/2018

A manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) do Diário do Grande ABC de domingo tratou de um tema caríssimo àquela publicação. “Região perde mais da metade das grandes indústrias em 3 décadas” foi uma maneira de penitenciar-se junto aos leitores por negligenciar a derrocada econômica da região. Daí o termo “caríssimo”, no sentido não diria maroto, mas elucidativo, porque literal. 

Mas, nem assim, o jornal melhorou a cotação entre quem bota o cérebro a funcionar com o sentido crítico que deve ser uma rotina numa sociedade tão metralhada por informações controversas. A reportagem principal, vista por quem conhece bem o jornal, revela evidências de que existe trauma psicológico na redação do Diário do Grande AB quando o assunto é desindustrialização. 

É mesmo intrigante para quem não conhece a história das publicações da região o Diário do Grande ABC não mencionar uma vez sequer na reportagem principal o verbete “desindustrialização”. Bem como assemelhados. 

Existe uma cultura naquele jornal que sugere a intenção de pretender eliminar dos dicionários da língua portuguesa o resumo etimológico do que é uma tradução de empobrecimento social derivado do enfraquecimento industrial. “Desindustrialização” (e praticamente todos os derivativos) é uma palavra expurgada das páginas do Diário do Grande ABC. 

Prêmio à industrialização 

Quando aparece, como apareceu num texto complementar da reportagem de ontem, tem sentido de disfarçada esperteza, ao lembrar, equivocadamente, que o jornal sempre se preocupou com o tema. O Prêmio Esso, citado naquele texto, não tem qualquer parentesco com a clássica definição de “desindustrialização”. Ademir Medici e Edison Motta, jornalistas que arrebataram a premiação (o primeiro é meu amigo do peito e o segundo lamentavelmente já foi embora) discorreram com brilho e sensibilidade sobre os efeitos da industrialização de uma região que então fervilhava. 

A propósito, como resumo da ópera da distância que separa a natureza das análises que esta publicação (e a antecessora, revista LivreMercado) sempre dedicou ao tema, constam de nosso acervo digital 491 matérias que fazem referência direta ou complementar ao termo “desindustrialização”. 

Não é por outra razão -- além de todas as demais conhecidas -- que mandachuvas e mandachuvinhas desejam ardentemente via unilateral de comunicação na região. Qualquer contraponto é visto como pecado a ser eliminado. Ou judicializado pelos bandidos sociais. Para tanto, tem-se o respaldo de determinados magistrados que não entendem o riscado do jornalismo e da liberdade de opinião fundamentada no compromisso social.  

A retomada sazonal de ombudsman não autorizado nesta edição tem objetivo de analisar a reportagem do Diário do Grande ABC. A importância do tema assim o determina. Sou contrário ao formato do jornalismo convencional em que entrevistados deitam e rolam, sem contrapontos do autor do texto. A deformação informativa é filha dileta dessa velharia conceitual. 

Vamos, então, à reportagem do Diário do Grande ABC e às respectivas intervenções em forma de “meus comentários”. 

Primeiro trecho da reportagem do Diário 

 Desde o fim dos anos 1980, o Grande ABC vem passando por diversas transformações em sua economia. A região, conhecida pela forte presença da indústria, principalmente a automobilística, possui hoje número maior de empresas do ramo. No entanto, perdeu 58,3% das grandes indústrias (com mais de 500 funcionários). Entre as principais consequências deste processo está a drástica redução no número de empregos no segmento, que caiu quase que pela metade, dos 363.333 postos de trabalho em 1989 para 186.378 em 2017. Os dados foram levantados pelo Inpes (Instituto de Pesquisa) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) e cedidos com exclusividade para o Diário. O estudo considera a evolução dos empregos formais no setor e de estabelecimentos da indústria de transformação nas sete cidades, tendo como base informações do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). 

Meus comentários

Os dados no Inpes não acompanham os ajustes do Ministério do Trabalho e Emprego. Á frente da revista LivreMercado e de CapitalSocial, observamos e permanentemente o movimento das pedras do universo regional de empregos formais, comparando-o, inclusive, com outros territórios de destaque na economia paulista. Nossos arquivos registram dados anteriores aos citados. O que o Diário do Grande ABC chama de “exclusividade” do Inpes é patrimônio de CapitalSocial no sentido mais amplo da expressão, que vai muito além da frieza dos números. 

Mais trecho da reportagem do Diário 

 De acordo com as informações, o número total de indústrias cresceu 42,2% ao longo de 28 anos, de 4.166 para 6.164, impulsionado principalmente pela disparada de pequenas firmas (de um a 19 trabalhadores), que em 1989 somavam 2.596 estabelecimentos e, em 2016, passaram a 4.784, alta de 84,2%. Em compensação, a presença das indústrias com mais de 500 trabalhadores caiu de 120 para 50 (58,3%) no mesmo período. 

Meus comentários

A propósito da quantidade de indústrias na região, também dissecamos o assunto. Trata-se de algo que, isoladamente, não tem grande importância ao se pretender tratar de desindustrialização. Esse conceito vai muito além do número de unidades fabris. Reforço a constatação: é espantoso que não haja qualquer citação enfática à desindustrialização da região na reportagem principal, como se o enxugamento de trabalhadores não passasse por esse fenômeno que é uma combinação de vários fatores, mas que, depois de renitentemente negado, acabou reconhecido mesmo que a contragosto nos últimos anos, inclusive pelo Diário do Grande ABC.

Mais trecho da reportagem do Diário 

 O economista e professor da Escola de Negócios da USCS Jefferson José da Conceição, responsável pelo levantamento, destaca diversas razões para a mudança do cenário. Dentre elas, a fragmentação da grande empresa em pequenas unidades, a terceirização de serviços e os novos processos produtivos que, devido ao avanço da tecnologia, exigem espaços menores. “A grande empresa também já não toma como referência o número de empregados, ela vê o grande volume de funcionários como algo ineficiente. Além disso, as empresas terceirizaram muitas atividades e, enquanto uma parte vai para fora do Grande ABC e até para outros Estados, ao mesmo tempo outra parte da terceirização é feita por pequenas empresas. Outro motivo que leva a isso é a busca pela redução da carga tributária, pois as indústrias contratam uma parte do efetivo como empregados diretos e, a outra, como PJ (Pessoa Jurídica). ”

Meus comentários 

 O economista da instituição de São Caetano tem razão em tudo o que afirmou, embora pudesse ter acrescentado que o fenômeno da contração das grandes fábricas é internacional, não uma jabuticaba regional. Entretanto, o professor constrói um palácio de cartas de argumentação trepidante quando exposto ao vento da complementaridade informativa. Não custa ressaltar novamente que o enforque central da reportagem do Diário é falho. Afinal, expõe uma realidade justificada por uma série de motivos que vão além do que afirmou Jefferson da Conceição. O elefante maluco da desindustrialização está na raiz de tudo. 

Mais trecho da reportagem do Diário 

 Um dos casos mais emblemático de São Bernardo é a Volkswagen, que chegou a empregar cerca de 40 mil pessoas no fim dos anos 1980 e, hoje, possui pouco mais de 9.000 – quase cinco vezes menos. De lá para cá houve terceirizações, abertura de plantas em outros Estados, crises econômicas e PDVs (Programas de Demissão Voluntária). Para Conceição, entretanto, a perda de grandes indústrias ou a redução delas é prejudicial para a região. “Em termos de números de empregados, a tendência é mesmo a redução. O que é ruim é que o valor adicionado do ponto de vista da produção foi enviado para fora da região. ”

Meus comentários

O economista tem razão outra vez e desnuda, de novo, a falha de enforque da reportagem do jornal. Uma combinação de desindustrialização gravíssima e miniaturização das fábricas seria a abordagem ideal. E mais esclarecedora, de modo a não suscitar semânticas que pretenderiam retirar o tubo de oxigênio da derrocada econômica de um corpo enfermo.  

Mais trechos da reportagem do Diário 

 Outra razão, principalmente para a perda de empregos na região, é a influência de diversas questões da economia nacional. De 1989 até 1999 houve abertura acelerada às importações (que substituiu mão de obra nacional), juros elevados, valorização cambial (com o real chegando ao mesmo valor do dólar por conta de política do governo FHC), incentivos fiscais em outras cidades do Interior do Estado e a própria descentralização produtiva da região – o que gerou debandada, ao mesmo tempo em que os terrenos no Grande ABC escasseavam e, os imóveis, encareciam. Já nos últimos anos houve demissões após retomada das contratações entre 2002 e 2011 devido a crises política e econômica, das quais o setor começou a dar sinais de recuperação no segundo semestre do ano passado.

Meus comentários 

 O enunciado desses últimos parágrafos confirma o equívoco da abordagem principal do jornal. 

Mais trechos da reportagem do Diário

 “O período até 2011 foi de crescimento por conta de diversos benefícios, voltados principalmente à indústria automobilística, como o desconto no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Isso acabou amenizando o processo mais duro dos últimos anos”, diz o professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Metodista de São Paulo e coordenador de estudos do Observatório Econômico, Sandro Maskio. “Depois”, temos outro processo de desaceleração da economia, que sofre impactos da falta de demanda, então, assistimos muitas empresas que não conseguiram se segurar com essa escala menor e não tinham outros canais de fuga, sendo que muitas entraram em processo de recuperação judicial.

Meus comentários

Nada a acrescentar às declarações do representante da Universidade Metodista. 

Mais trecho da reportagem do Diário

 O coordenador do MBA em Gestão Estratégica de Empresas da Cadeia Automotiva da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Antônio Jorge Martins, cita que após os anos 1980 a centralização do movimento sindical na região também influenciou para a saída de empresas do setor. “Apesar de seis das grandes montadoras originais permanecerem no Grande ABC, houve companhias que saíram da região para não ficar tão dependentes do sindicato da região, que anteriormente teve postura mais combativa. ”

Meus comentários

Finalmente alguém se manifestou, embora sem a profundidade e a gravidade históricas, sobre os estragos do sindicalismo cutista e petista na região, sobretudo ao estabelecer patamar de supostas conquistas trabalhistas tendo as montadoras como referencial a explorar. O que o sindicalismo provocou na região (e ainda provoca, só que de maneira mais discreta, embora insidiosa, com os chamados comitês de fábricas criados em mais de uma centena de empresas em São Bernardo) foi uma hecatombe econômica e social que um economista e professor como Jefferson da Conceição jamais deveria deixar de dar destaque. Entretanto, como tem ligações com um esquerdismo tão radical quanto o direitismo destes tempos ideologicamente polarizados, seria demais esperar algo diferente. 

Mais trecho da reportagem do Diário

 O diretor de políticas públicas do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wellington Messias Damasceno, por sua vez, discorda, e cita motivos como a mão de obra e a automatização. “Muita empresa fechou porque quebrou. Houve movimento para fora do Estado até mesmo por conta da mão de obra mais barata, já que aqui a maior qualificação dos profissionais se reverte em maiores salários. Os sindicatos já foram muito combativos porque era necessário um enfrentamento, mas hoje negocia muito o viés da manutenção das fábricas e dos empregos. Na década de 1990 seria inimaginável discutir propostas para o setor de ferramentaria e até mesmo o Inovar-Auto e o Rota 2030. ”

Meus comentários

Não se poderia esperar algo diferente, senão a negação dos crimes cometidos, partindo-se de um sindicalista envolvido na questão. A realidade história da atuação sindical na região, que poucos têm coragem de expor é que, no balanço geral, os ganhos cidadania corporativa no chão das fábricas foram dolorosamente superados pelas ramificações políticas e ideológicas. Consequências? Eles, sindicalistas, afugentaram novos investimentos e escorraçaram fábricas. Fernando Henrique Cardoso em seus oito anos presidenciais, com uma política discriminatória e homicida às pequenas e médias autopeças, de capital familiar, completou os serviços funerais do sindicalismo.  



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