Imprensa

O que a Imprensa poderia
fazer para ajudar o País

DANIEL LIMA - 05/02/1997

A imprensa tem muita responsabilidade nos destinos do País. Se o Brasil é o que é, um Terceiro Mundo com a mais grave das endemias, a disparidade de distribuição de rendas, parcela da conta deve ser debitada aos donos de órgãos de comunicação, sobretudo os mais influentes, e a boa parte de seus profissionais.


Ao longo de décadas forjaram-se mitos que não valem pitadas de fumo. Escolheram-se heróis que não resistem à exumação moral e ética. Lustraram-se caudilhos demagogos e oportunistas. Endeusaram-se supostos líderes que não passaram de embustes. Tudo porque a Imprensa sofre da doença crônica do raquitismo analítico e do imediatismo informativo.


Um imediatismo cuja profundidade do noticiário geralmente não ultrapassa a superficialidade do descarte. Exceto em situações especiais, caso do impeachment de Collor de Mello, originário não de investigação da mídia mas da denúncia do irmão Pedro, a Imprensa dificilmente associa-se para alterar o rumo dos acontecimentos. É mais fácil praticar o jogo de interesses específicos, de perseguições tolas, de marketing escancarado, de composições estranhas, de incursões empresariais extramídia.


Exatamente porque não prioriza pontos essenciais, ao optar pela pulverização de pequenos esforços, a Imprensa perde a potencialidade de transformações que lhe é inerente.


O instituto da correção monetária, que, desvirtuado, resistiu três décadas com perversas consequências, talvez seja o exemplo mais flagrante do descaso da Imprensa às questões realmente relevantes. Ao dividir o País, durante todo aquele período, na banda saudável dos protegidos e na banda podre dos não protegidos da inflação, a correção monetária cavou o fosso social que só há pouco mais de 30 meses o Plano Real conseguiu estancar.


Nenhum dos muitos políticos que tanto mal fizeram ao País, vários dos quais canonizados ao baixarem à terra, produziu tantos horrores quanto essa divisão de dinheiro remunerado pelo mercado financeiro e dinheiro corroído pelo processo inflacionário.


Não convinha mexer no vespeiro da correção monetária e contrariar especialmente o sistema financeiro, cuja participação recorde de 26% do PIB lhe permitia amplo desprezo pelo financiamento da produção.


Nem tampouco o Estado em suas várias esferas e na temporalidade de mandatos, porque protelava sistematicamente seus compromissos de pagamentos e encurtava permanentemente os prazos de recolhimento de impostos.


Os grandes conglomerados empresariais, com reserva de mercado alfandegária e voltados apenas para um terço da população com capacidade de consumo, isto é, a Bélgica da Belíndia, também fizeram da inflação corrigida automaticamente seu melhor instrumento de gestão, contando para tanto com a elite sindical mais propensa ao estrelato do que ao acerto de contas nacional.


E a classe média do dinheiro remunerado igualmente se deleitava com a engorda bancária, inclusive durante o fastio de prolongadas férias em terras e mares cada vez mais distantes.


Os efeitos de três décadas de inflação para os pobres e de correção para os demais tiveram força separatista e destrutiva para o País, cuja repercussão torna-se até difícil de avaliar, porque a mais crítica das conclusões poderá parecer adocicada diante dos fatos que escapam aos olhos, em forma de miserabilidade e violência na periferia metropolitana. E jamais tiveram, em momento algum dessa trajetória tortuosa, mobilização responsável da mídia. Nem mesmo quando dezenas de pacotes e de oito planos pretensamente econômicos, a partir do demagógico Cruzado, costurados sob medida para alcance eleitoral, imobilizaram precariamente a subida dos preços.


Se questão tão candente quanto essa, da correção monetária e suas sequelas, foi tratada com tão pouco-caso pelo conjunto da mídia, o que esperar de outros temas nacionais cujas resoluções exigem rápidas tomadas de decisões num mundo que se globaliza? Estão aí as emperradas reformas administrativa, previdenciária, tributária e eleitoral sufocadas por interesses corporativos e políticos, para comprovar o magro empenho da mídia em forçar a aceleração do ritmo.


No âmbito regional, o Grande ABC é, infelizmente, reprodução fiel dos equívocos e omissões administrativas das esferas federal e estadual, salvo honrosas exceções de gestores mais suscetíveis ao compromisso de bem-servir.


É verdade que nos últimos tempos acentuou-se por parte da mídia mais influente junto aos formadores de opinião, uma ação mais coordenada de cobrança de programas e ações públicas, empresariais e comunitárias. Mas isso é apenas o começo de uma revolução à qual cada profissional de comunicação deve encarar como doutrina, não como simples circunstância enquanto não se lhe oferece um novo contrato de trabalho que lustrará seu currículo, como se o melhor currículo não fosse a efetiva participação nas mudanças socioeconômicas de um Município, de uma região, de um País.


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