Imprensa

Conselho providencial

DANIEL LIMA - 15/08/2004

Por mais que os latino-americanos tenham vocação para o autoritarismo, não há por que descabelarem-se todos aqueles que, em uníssono típico da seletividade de versões, esbravejam contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Quem conhece a história da comunicação no País sabe que não há risco algum de atropelamentos suplementares ao que já vivenciamos no cotidiano de produzir informação. Há autoritarismos, abusos, provocações e perseguições aos mangotes nas redações de jornais, por exemplo. De jornalistas contra jornalistas, muitas vezes a mando de quem mal se alfabetizou.


O buraco da informação qualificada no jornalismo é bem mais embaixo do que eventuais tentativas de sequestro da liberdade de expressão. E nesse ponto o CFJ pode contribuir e muito para minimizá-lo. O jornalismo está em crise porque, de maneira geral, os veículos vivem situação financeira e econômica difícil e não se aperceberam que, sem investimentos e aperfeiçoamento dos profissionais, a pressa de produzir sob o modelo de linha de produção vira uma espiral de incorreções, deliberadas ou não.


A ameaça de que o Conselho Federal de Jornalismo colocaria de joelhos profissionais de mídia durante eventual trajetória de exceção democrática do País, ou mesmo em possível período de democracia simulada, apresenta-se, reversamente, como antídoto à letargia de muitos anos. Os jornalistas, de maneira geral, perderam a capacidade de pensar e agir tanto como mediadores de informações de terceiros quanto como representantes de uma categoria profissional.


O sucateamento das redações torna os jornalistas, em grande escala, simples correias de transmissão de análises de fontes suspeitas, quando não indecorosamente manipuladoras. Escrevo a respeito do assunto no livro “Meias Verdades”, compêndio de trapaças geralmente patrocinadas por agentes públicos, privados e sociais que deitam e rolam no sufoco diário da notícia. 


Se o Conselho Federal de Jornalismo for regulamentado sob a condição de que nem a subjetividade ou a explicitude da informação e da análise sofisticada e fundamentada se confundirá com o ataque tosco, primitivo e encomendado por quem faz dos veículos simples ramal de interesses escusos, provavelmente toda a barulheira que se ouve nestes dias será sufocada. Principalmente de donos de grandes veículos nem sempre devotos da ética acima de interesses políticos e econômicos.


O Conselho Federal de Jornalismo e seus filhotes regionais poderiam, contrariamente à oposição metralhadora, postar-se, por exemplo, como barricadas contra manipuladores estatísticos que até recentemente desfilaram garbosamente pelo Grande ABC. Esses falseadores de informações não teriam vida longa e não colocariam em risco a saúde dos investimentos. Mais que isso: seus denunciadores não precisariam se defender na Justiça. Os malfeitores seriam simplesmente varridos do mapa da informação responsável.


E o que dizer então do caso Celso Daniel, quando o noticiário foi dominado por forças políticas que transplantaram o sequestro seguido de assassinato para um corredor polonês de especulações sobre propinas administrativas? O soterramento do contraditório em nome da versão única e exclusiva prevaleceu em largo tempo e espaço.


Um CFJ seria providencial para colocar ordem no galinheiro de informações oficiais e oficiosas. O delegado que apurou o inquérito da Polícia Civil, Edson de Santi, está arrolado como testemunha de defesa de Sérgio Gomes porque reúne documentos que provam que o primeiro amigo de Celso Daniel é inocente. O delegado do DHPP está impedido de dar declarações porque não costuma desafiar ordens superiores de patentes políticas tão graduadas quanto interessadíssimas em ver o circo eleitoral pegar fogo no paiol do vizinho adversário.


Já imaginaram um Conselho Regional de Jornalismo indo a campo, institucionalmente, para cobrar de autoridades públicas o afrouxamento das amarras do policial requisitado pelos advogados do acusado? Ou alguém é capaz de imaginar que os defensores de Sérgio Gomes arrolariam o delegado se não houvesse provas substantivas de um grupo de policiais sob seu comando e cuja especialidade é a investigação?


Em vez de estrilar, os jornalistas realmente éticos e que não têm rabo preso com quem lhes paga os salários deveriam agradecer pelo CFJ. Até porque, se a regulamentação abrir eventuais brechas a caneladas institucionais de eventuais demagogos e ditadores de plantão, provavelmente estaremos unidos para reagir com firmeza.


Muito diferente do que temos hoje, portanto, quando se sabe que, à falta de arcabouço regulamentar, não há qualquer mecanismo contra arbitrariedades de quem não sabe distinguir jornalismo de mercantilismo.


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