Chegamos ao antepenúltimo capítulo da série desta revista digital que trata de liberdade de expressão e de liberdade de opinião convergentes ao interesse público. Está em confronto o tratamento dispensado a este jornalista pelo juiz da 3ª Vara Criminal de Santo André, Jarbas Luiz dos Santos (um leigo na missão de entender o que é jornalismo), e artigos escritos nos últimos tempos por articulistas em grandes publicações brasileiras.
Reproduzo cada um dos 11 artigos que escrevi no primeiro semestre de 2013 sobre a atuação do milionário empresário Milton Bigucci à frente do Clube dos Construtores do Grande ABC. O empresário metido na Máfia do ISS de São Paulo procurou me criminalizar em nome daquela entidade. A diferença ficará patente: a liberdade de opinião foi violada pelo meritíssimo de Santo André.
Um ponto importante desse caso é que Milton Bigucci jamais contestou as informações deste jornalista. Ele se apegou ao uso parcimonioso de verbetes (mequetrefe, chinfrim e até mesmo clube) para atacar a liberdade de expressão. Nada mais que pretextos flácidos que viraram sentença judicial inacreditável. A democracia informativa foi violada claramente.
Expomos nesta série artigos que tratam do Supremo Tribunal Federal, ou então do Judiciário como um todo, sem contar a Operação Lava Jato. Não necessariamente endossamos juízo de valor. A razão é outra: se críticas contundentes dirigidas ao Judiciário e a outras instâncias do País superam largamente os textos que produzi sobre as desventuras de Milton Bigucci à frente do Clube dos Construtores do Grande ABC, qual a razão de o meritíssimo condenar verdades tão inconvenientes como de domínio público?
O que seria de profissionais que contestam a atuação do Judiciário e outras instâncias do País, ou especificamente do Supremo Tribunal Federal, se fossem julgados em primeira instância pelo meritíssimo de Santo André?
Fui condenado num processo recheadíssimo de irregularidades processuais, segundo denunciou o advogado Alexandre Marques Frias em recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Sofri flagrantes agressões como profissional amparado pela Constituição Federal e também pelo Código de Processo Criminal. O processo que lastreou minha condenação é um festival de erros. É um acinte jurídico. Afirmar que se tratou de um processo com face visível ao acovardamento deste jornalista possivelmente seria exagero na opinião de especialistas, mas que a sentença foi uma agressão ao devido processo legal, eles não têm dúvida.
Estou parcialmente livre da punição imposta pelo juiz Jarbas Luiz dos Santos por decisão inicialmente liminar em Brasília, e, recentemente, em 2ª Instância, no Tribunal de Justiça de São Paulo, por ter a sentença retificada, mas ainda não atirada no lixo.
A ofensiva de Milton Bigucci (campeão regional de abusos contra a clientela, segundo denúncia do Ministério Público do Consumidor de São Bernardo) tem endereço certo: ele sempre atuou com a perspectiva de que nenhuma mídia, nenhum jornalista, lhe oporiam contraditórios tanto como empresário como suposta liderança do Clube dos Construtores do Grande ABC, entidade da qual foi apeado do topo da hierarquia após envolver-se na Máfia do ISS, em São Paulo.
Segue a nona matéria criminalizada pelo meritíssimo Jarbas Luiz dos Santos, de 14 de junho de 2013 (“Inocente em São Bernardo vira bandido na vizinha Santo André”), entremeada por artigo do jornalista Elio Gaspari, colunista da Folha de S. Paulo, publicado na edição de 7 de março de 2018 sob o título “Quando um magistrado expõe o poder que julga ter”.
Preparem-se, mais uma vez, para tomar contato com o absurdo da sentença de Jarbas Luiz dos Santos.
Uma história surreal
Vou contar até esta quarta-feira, 19 de junho, uma história surreal: um inocente julgado em São Bernardo vira bandido em julgamento realizado em Santo André. Não acreditaram? Tratem de acreditar, porque o inocente é este jornalista, e o bandido é também este jornalista. Sabem os leitores quem é o acusador ao qual a Justiça de Santo André, contrariando a Justiça de São Bernardo, resolveu dar guarida? O empresário Milton Bigucci, presidente da MBigucci, presidente do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC. Ainda outro dia Milton Bigucci foi condenado pela Justiça de São Bernardo por uma transgressão continuada. A pena foi sentenciada após denúncia formal do Ministério Público do Consumidor, por abuso contra a clientela e também por enriquecimento ilícito.
Manifestação de juízes
Para quem acha que já viu tudo, a Associação dos Juízes Federais convocou uma greve da categoria para o próximo dia 15, uma semana antes da sessão em que o Supremo Tribunal Federal julgará a legalidade do auxílio-moradia dos magistrados. Uma manifestação de juízes contra um julgamento. Não bastasse isso, a Ajufe argumenta que "esse benefício é recebido por todas as carreiras". É verdade, pois os procuradores também recebem o mimo, mas é também um exagero, pois não se conhecem casos de outros servidores que recebem esse auxílio sendo donos de vários imóveis na cidade em que moram. A Ajufe poderia defender a extinção ampla, geral e irrestrita do auxílio-moradia, mas toma uma posição que equivale, no limite, a defender a anulação de todas as sentenças porque há pessoas que praticaram os mesmos atos e não foram julgadas. Uma ilegalidade não ampara outra.
Atacando um inocente
Pretendia relatar a história absurda de ter virado bandido assim que soube da decisão do magistrado de primeira instância em Santo André. Preferi esperar a reação já esperada de comemoração de Milton Bigucci. Quem o conhece bem, como este jornalista, sabe que ele não perderia a oportunidade para atacar um inocente que virou bandido. Estava esquecendo de dizer que o empresário Milton Bigucci também está metido no arremate fraudulento de uma área pública em São Bernardo, onde pretende construir o Marco Zero, empreendimento festejado como o suprassumo do encontro entre geografia estratégica e infraestrutura fenomenal. O Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado de São Paulo, ou seja, o chefe do MP paulista, já determinou a abertura de inquérito criminal para apurar o caso mais que esmiuçado por este jornalista e que consta desta revista digital. Uma falcatrua irrebatível.
Greve e ridículo
A greve da Ajufe está fadada ao ridículo, mas reflete um culto à onipotência que faz mal à Justiça e ao Direito. A magistratura é um ofício poderoso e solitário. Em todos os países do mundo os juízes são soberanos nas suas alçadas. Os ministros do STF dizem-se "supremos". Lá nunca houve caso em que um deles, ao votar num julgamento de forma contrária à que votara em caso anterior, tenha explicado a mudança com a sinceridade do juiz David Souter, da Corte Suprema dos Estados Unidos: "Ignorância, meus senhores, ignorância". (Tratava-se de um litígio sobre a legalidade da existência de casas de striptease perto de escolas.)
Propagação do autoritarismo
Utilizando-se de assessoria de comunicação do Clube dos Construtores, entidade estruturalmente falida e sem representatividade institucional na região, Milton Bigucci mandou para um mundaréu de gente a notícia de que este jornalista fora condenado pela Justiça. Uma meia verdade, claro, porque sofismar é sua especialidade. Tanto sofismar quanto se utilizar da infraestrutura material do Clube dos Construtores para um assunto que ele diz ser de caráter pessoal, ou seja, este jornalista o atingiu como pessoa física. Uma bobagem sem tamanho. Ele sabe que este jornalista só se refere a ele como pessoa institucional e como pessoa corporativa. Sua vida privada não me diz respeito. Como tantas outras vidas privadas. Ao utilizar assessoria de comunicação do Clube dos Construtores, Milton Bigucci confessa publicamente o que tanto a promotora criminal e o juiz de Santo André preferiram desqualificar: trata-se de questão jornalística de interesse público dizer que Milton Bigucci é inoperante como dirigente de uma entidade de classe e não exatamente um primor de exemplo como empresário.
Na rede social
Graças ao repórter Kalleo Coura, está na rede um áudio de nove minutos no qual o juiz Solon Mota Junior, da 2ª Vara de Família de Fortaleza, ofendeu a defensora pública Sabrina Veras. Desde novembro, a advogada pedia urgência, sem sucesso, para ser recebida pelo magistrado para transferir a guarda de duas crianças para o pai, pois a mãe as espancava. Em janeiro uma das meninas morreu. Duas assessoras do juiz acusavam a defensora de ter dito que elas haviam matado a menina. Ela nega que o tenha feito. (Mota Junior repreendeu a advogada quando ela o tratou por "você", mas chamou-a de "minha filha".). O meritíssimo chamou-a de "advogada desqualificada". Poderia ser o jogo jogado, pois nos bate-bocas do STF vai-se por essa linha, mas ele foi além: "Você se queimou comigo. Lamento dizer, você está começando agora... Se queimou comigo. E vai se queimar com tantos quanto eu fale essa história". Juiz ameaçando advogada é uma anomalia.
Braço desatualizado
Milton Bigucci se esqueceu de contar a história completa que vou relatar na edição de quarta-feira. A história de que um braço da Justiça desatualizado sobre o significado de liberdade de expressão e liberdade de imprensa, me tratou como bandido sanguinolento no campo jornalístico. A atividade sacrossanta de informar o público sobre assuntos de interesse social foi simplesmente jogada no lixo por influência de uma promotora criminal que mantém explícita hostilidade a este jornalista. Vou contar toda a história aos leitores. Sem mais nem menos. A sentença do juiz de Santo André colide não só frontalmente com a sentença do juiz de São Bernardo como também me transforma em bandido que só não está trancafiado porque se ofereceu benevolente permissão para que eu possa traduzir a pena em indenização. É claro que estou recorrendo à segunda instância. Milton Bigucci tem duas manias quando trata com a mídia: ou a lubrifica com promessas e a bajula permanentemente, sempre com recíprocas editoriais, ou vai à Justiça quando encontra algum jornalista independente. A Justiça de Santo André me transformou em bandido. Por mais bandido que supostamente seja este jornalista, sempre estarei muitos patamares acima do nível ético e moral de Milton Bigucci. A clientela da MBigucci, o promotor de Justiça do Consumidor de São Bernardo e a juíza da 7ª Vara Cível de São Bernardo, que deu total respaldo à denúncia sobre os métodos que o empresário utiliza, me asseguram certeza absoluta de que o jogo jogado em Santo André foi apenas e exclusivamente um descuido por conta de perseguição de uma integrante do MP, cujo comportamento denunciarei ao Corregedor-Geral do Ministério Público. A medida a tomar é uma questão de bom senso, porque respeito essa instituição que não pode ser julgada por excessos no encaminhamento de denúncia claramente manchada de hermenêutica muito particular.
Esperando crescer
As crianças contavam que a mãe as espancava e um meritíssimo de Vara de Família argumenta: "Uma criança de quatro anos tem discernimento? Vai interferir num posicionamento de um juiz?". Tudo bem, deve-se esperar que ela atinja a maioridade. O doutor Mota Junior não exercitou seus conhecimentos do Direito, apenas expôs o poder que julga ter. O Brasil tem 17 mil juízes e não se pode achar que coisas desse tipo sejam comuns, mas quando a Associação dos Juízes Federais pede uma greve contra um julgamento, alguns parafusos estão soltos. Graças à deusa da Justiça, os nove minutos do meritíssimo Mota Junior estão na rede, no site Jota. Se ele soubesse que iria ao ar, certamente seria mais comedido.
Total de 1884 matérias | Página 1
13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)