Imprensa

Arquivo devastador

DANIEL LIMA - 16/02/2005

Disponho de arquivo particular devastador. São perto de duas mil pastas de temários tão diversos quanto essenciais. Todos em ordem alfabética. São perto de 100 mil páginas de jornais e revistas. Há 10 anos coleciono-os com rigor sacerdotal. Todos foram lidos avidamente por mim. Lidos, refletidos e, em muitos casos, codificados. Por isso a digitalização sugerida ainda outro dia por um amigo especializado em Tecnologia da Informação não me interessa. Pasteurizaria o que deve ser essencialmente manipulado.


Escrevi “Meias Verdades”, lançado em 1o de abril de 2003, acidentalmente. Pretendia fazer uma limpeza no arquivo, retirando as informações superadas por novos fatos quando me dei conta de que promessas, projeções, perspectivas, declarações e uma infinidade de decisões constituíam um corolário de equívocos, omissões, demagogismos, coisas assim. Descartei o descarte, evidentemente.


Para ter meu arquivo particular, capaz de encurtar a distância em pesquisa que tecnologia não consegue superar na mesma velocidade, por mais potentes que sejam os equipamentos e por mais modernos que sejam os programas, leio pelo menos durante quatro horas por dia, fora da Redação.


Minha residência é uma espécie de fortaleza de aprimoramento profissional. É aqui, onde aliás escrevo este texto, que mergulho disciplinadamente no afiar do machado.


Faço de minhas leituras matéria-prima de meu arquivo que, como não sou egoísta, está a serviço de companheiros de trabalho, da redação de Livre Mercado e deste Diário. Em média recheio as pastas com pelo menos 40 páginas diárias de jornais. Revistas e outras publicações obedecem ritual diferente, semanal, embora os leia também no dia-a-dia.


Tenho pastas de “a” a “z”, mas atropelo a lógica alfabética no sentido estrito com algumas especificidades. Por exemplo: há uma imensidão de pastas do governo Lula, cada uma com um determinado assunto. De discursos ao relacionamento com o Legislativo federal; de diplomacia a escândalos. Uma das mais preciosas não é propriamente apenas de Lula. “FHC vs. Lula” é algo especial que coleciono com atenção de ourives. Quem sabe um dia resolva escrever um livro sobre esses antípodas que se mostraram tão semelhantes na condução do País, embora se mantenham díspares na atenção dispensada ao Grande ABC.


FHC, como se sabe, foi um terrível algoz, para atingir o sindicalismo cutista-petista. Lula da Silva, com todos os problemas orçamentários, privilegia de alguma forma a nossa maior potencialidade –a indústria automotiva. Exatamente o setor metralhado por FHC e sua desídia descentralizadora a toque de caixa.


Há muita gente que sabe que coleciono notícias. Por isso, de uns tempos a esta parte vários deles deixaram de propagandear mentiras, ufanismos e ilusões. Sabem que a fatura poderá ser cobrada, como cobrei em “Meias Verdades”.


Longe de mim passar a ideia de que minhas pastas têm parentesco ideológico com os arquivos do ex-SNI ou de alguma repartição investigatória que todo governo que se preza dependura oficialmente ou não no organograma do poder. Minhas pastas são, ao contrário dessa ideia, a defesa da responsabilidade informativa.
Estava esquecendo que também colecionei tudo o que foi publicado pelos principais jornais paulistas sobre o caso Celso Daniel. Tivesse tempo, escreveria uma obra de pelo menos 500 páginas. Seria a desmoralização de muitas teses. A imprensa caiu feito patinho nas manobras diversionistas.


Tenho certo medo de minhas pastas denunciadoras, podem acreditar. A responsabilidade de dirigir redacionalmente dois veículos de comunicação me coloca de saia justa, porque a idéia dos leitores de que tudo passa por mim antes de ser publicado é tão verossímil quanto acreditar que o dono de uma transportadora acompanha em tempo real a traquinagem de um motorista que desrespeita o farol vermelho.


O melhor antídoto, por isso mesmo, é a conceituação das tarefas. Diariamente em reuniões destilamos a um grupo multiplicador os ideais de um jornalismo mais comprometido com a sociedade. Escrevi mais comprometido com a sociedade, não com grupos organizados da sociedade. São situações distintas.


Sugiro a todos que têm alguma responsabilidade social e econômica que se mantenham mesmo cautelosos com relação às minhas pastas. Sejam comedidos nas declarações. Não vendam gato por lebre. Não exercitem fantasias. Deixem de alegorismos. A maturidade de uma sociedade se mede pelo que seus representantes são capazes de vocalizar na Imprensa.


A coletânea de asneiras reproduzidas e comentadas em “Meias Verdades” é apenas uma fatia do imenso abacaxi de terceiros que descobri ao acaso vasculhando meu arquivo particular. Há lideranças, muitas das quais agora no ostracismo ou precavidamente na moita, que fizeram lambança sobre lambança no Grande ABC. Foram deliberadamente irresponsáveis para agradar poderosos de então. Outros, minoria, foram ingênuos, levados pela correnteza dos lobbistas.


Minhas pastas são parte de minha vida integralmente devotada ao jornalismo.


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