Deixo para o acervo da Editora Livre Mercado todos os mimos de eventos especiais. Na última terça-feira, na solenidade de homenagem aos 15 anos da melhor publicação regional do País, no Legislativo de Santo André, recebi, entre outros, uma réplica do globo terrestre. Referência, segundo o vereador Marcos Medeiros, autor da proposta de homenagem, à boda de cristal, emblematicamente transparente. Quebrando a tradição, levei para casa o presente e o entreguei a um dos meus filhos, Dino. Diferentemente de Lara, decididíssima a trilhar caminhos jornalísticos, como André, já maduro e brilhante, Dino pretende enveredar pela genética.
Por que, afinal, fiquei com o globo de cristal que, na palma da mão, desabrocha esse planeta ensandecido? Primeiro, porque é transparente como a linha editorial da revista. Segundo, porque a regionalidade que praticamos, em vez do bairrismo obtuso de tantos outros, nos coloca permanentemente de olho em todos os territórios continentais.
É impossível praticar bom jornalismo regional, ou qualquer outra atividade eventualmente doutrinada a valorizar a regionalidade, se não houver contato direto, reto, persistente, instigante, com o restante do mundo.
Regionalidade sem globalização no sentido mais amplo do verbete é bairrismo puro, enclausuramento burro, idiotice descomunal.
Saímos na frente em muitas abordagens editoriais na revista Livre Mercado entre outras razões porque somos, como equipe, extremamente fuçadores. Imaginar que a indústria automobilística do Grande ABC, o carro-chefe de nosso equilíbrio socioeconômico, está imune às sacolejadas dos movimentos internacionais de exaustão da relação homens-veículo no Primeiro Mundo é mais que um déficit imperdoável de informação. Trata-se de haraquiri econômico e social.
A consolidação de pressupostos de regionalidade contemporânea nos obriga à leitura sistemática de publicações variadas, traduzidas em forma de artigos em jornais, revistas e livros. Meu principal guia profissional e pessoal chama-se “A Terceira Via”, de Anthony Guiddens, ideólogo do presidente britânico Tony Blair. Ali está concentrada em texto brilhante, fluente, sedutor, grande parcela dos pressupostos que me movem na luta por um regionalismo metropolitano redefinidor de funções de agentes públicos, privados e sociais.
Os acadêmicos, sempre inclinados a sofisticar terminologias e expressões, provavelmente atribuirão a essa pregação do conhecimento amplificado algo como “regionalidade transversal”, porque envolve as mais diferentes disciplinas e atividades. É isso mesmo. Repetiria, aliás, o que disse outro dia em reunião de pauta deste Diário: jornalista que não conhecer economia, no sentido macroeconômico e mesmo microeconômico, jamais conseguirá entender as nuances sociais. A economia irriga todos os demais vasos comunicantes da sociedade. Esse bombeamento é permanente e exige dedicação absoluta ao aprendizado, ao aperfeiçoamento.
Passei a consumir economia por necessidade em primeiro lugar e, em seguida, por paixão mesmo. Mergulhar em textos de especialistas que fogem do academicismo esnobe é uma das melhores fórmulas para nadar razoavelmente de braçadas na especialidade.
Cheguei a me inscrever num curso de uma universidade da região há uns 15 anos mas não passei da primeira aula. Tenho certa aversão às cartilhas nem sempre atualizadas. Devoro livros, jornais e revistas que tratam do assunto. Mas, plantar-me numa sala de aula onde não me resta alternativa senão acompanhar a metodologia de ensino em muitos casos distante de contextualização internacional, francamente não me apetece.
Sou empenhadíssimo aluno de economia regional, nacional e internacional durante pelo menos três horas por dia, tempo em que me lanço sobre a matéria. Outras duas horas são dedicadas a assuntos diversos. De cinema a esportes, de política a comportamento. Esse é o preço da regionalidade que outros profissionais que comigo dividem responsabilidades há muito ou há pouco tempo estão sendo devidamente impregnados.
Por isso, aquele globo de cristal que recebi na última terça-feira foi um presente sob medida, porque sistematiza com a leveza de traços dos territórios continentais os verdadeiros limites do sentimento de regionalidade. Os chineses estão aí com produção recordista de veículos a nos ameaçar fregueses. Os indianos com a indústria de serviços tecnológicos não são diferentes em estreitar nossos horizontes. As barreiras agrícolas de americanos e europeus emitem recados claros de que nossas commodities precisam ganhar valor agregado. As relações bilaterais e multilaterais têm vantagens e inconvenientes que assustam um país com baixíssima participação na balança comercial mundial, de menos de 1%. Enfim, não faltam inquietações extra-região em nosso dia-a-dia.
Por isso, quanto mais demoramos para dar forma e solidez à regionalidade, mais sofreremos. E as dores sociais locais são intransferíveis e endêmicas.
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06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)