Tenho um bocado de nomes na lista do aplicativo Whatsapp que comecei a organizar há quase dois anos para me comunicar com leitores desta revista digital. Trata-se de minha primeira e exclusiva aventura nas redes sociais. Antecipo matérias postadas a cada dia. Vez ou outra acrescento algum comentário breve diretamente ou não ligado ao assunto. Também compartilho mensagens de terceiros. Nesse caso, na maioria das vezes, esterilizo a marca “CapitalSocial”. Evito que confundam o conteúdo paralelo com a linha editorial. Essa experiência de voyeurismo e confessionário é extraordinária.
Há gente na lista geral além dos leitores de CapitalSocial. A lista também tem grupos informais de determinados assuntos, caso de esporte, cujos integrantes, a maioria dos quais jornalistas do setor, ou parte dos integrantes, não teriam interesse em outras questões. Os leitores de CapitalSocial são os passageiros de primeira classe do aplicativo que utilizo, mas os familiares também podem ser relacionados como tais. Só não os misturo em assuntos privados, claro.
Seria dispensável dizer que a lista que recebe regularmente as mensagens de CapitalSocial é segredo de profissão. Respondo individualmente às mensagens quanto demandado. Não existe, portanto, compartilhamento de comentários individuais relativos ao que publicamos. Se alguém apoia ou critica um determinado artigo, a eventual resposta é restrita ao emissário. Na linguagem dos entendidos em tecnologia, essa é a síntese da lista. Que não tem nada a ver com grupos abertos, portanto.
Liberdade de manifestação
Não existe na lista de CapitalSocial do aplicativo que utilizo nenhum impedimento a mensagens específicas que inclusive fujam do espectro principal da interação. Conheço de cor e salteado o pensamento e as preferências, por assim dizer, de grande parte dos leitores mais participativos. Recebo e envio mensagens de diversas temáticas. Inclusive de interesse comportamental, por assim dizer. Diria que é o CapitalSocial em off. Mais pessoal do que institucional.
Há uma turma da pesada que adora mulher pelada. Outros preferem mulheres peladas em atividades diversas. Ou seriam mulheres peladas em atividades específicas? É melhor entenderem a distinção como algo que, em muitas situações, exige flexibilidade coreográfica. Repasso material de apelo sexual, por assim dizer, apenas a um grupo seletivíssimo que também me abastece.
Canso de dizer que é impossível passar 24 horas por dia sem largos espaços ao hedonismo. As ideias clareiam quando descansamos os olhos e a mente de um foco predominante. Meus intervalos são essenciais porque quando escrevo é preciso deixar o texto maturar por algum tempo. Caso contrário, erros clamorosos ou discretos jamais serão detectados numa segunda ou terceira leitura.
Mensagem equivocada
Tenho todo o cuidado para não confundir as bolas. Compartilhar material mais pesado com quem não faz parte de sublistas é um perigo. Não passei por nenhuma situação constrangedora ainda. Mas já cometi o desatino de enviar uma mensagem provocativa a um de meus filhos (“você é um idiota”) e, em seguida, dispararem os alertas. Não sou muito adestrado no manuseio de smartphones. Faço o básico. Naquele dia, troquei o destinatário especifico pelo grupo geral de CapitalSocial. Corri para consertar o erro. Tudo terminou em gozação. Coletivamente em gozação. A audiência explicita foi estrondosa naquele episódio. Audiência explícita é quando se dá retorno ao que se recebe.
O aplicativo tem ajudado muito porque quebra a barreira da mobilidade urbana e me aproxima dos leitores. Jamais em tempo algum seria possível tamanho resultado com o uso de telefone, por exemplo. Ou e-mail. Saber lidar com cada um dos leitores é desafiador. Acho que a participação poderia ser mais densa, mas desconfio de que existe um cuidado cada vez maior com riscos de vazamentos.
Elasticidade de atuação
Nada disso tem a ver comigo. Sou rigoroso com princípios que preservam segredo da fonte. Mesmo para questões banais. O que recebo em forma de comentário pessoal de alguém é sagrado e intransferível. Exceto se me permitirem eventual divulgação.
Também acho que nada substitui, no caso dos jornalistas, uma conversa tête-à-tête com as fontes de informações ou leitores. Diálogos pessoais são sempre mais profundos e explicativos. Mas o aplicativo é um bom começo de conversa com leitores que nem conhecemos. Em determinadas situações os contatos presenciais são incontornáveis. Sobremodo quando envolve denúncia ou indicativos a uma abordagem diferenciada.
Levo tão a sério o grupo de leitores do aplicativo de CapitalSocial que jamais vou utilizar os insumos decorrentes das mensagens pessoais como matéria-prima de trabalho. Recentemente tive arranca-rabo com uma autoridade pública. Não vou estender os motivos do entrevero senão os leitores matam a charada. O que sei é que jamais utilizaria o destempero do interlocutor como recarga pública.
Multiplicidade total
Minha lista de leitores é tão grande quanto múltipla em ideologia e partidarismo. Exercito no aplicativo de celular extraordinária experiência democrática. Jamais bloqueei ou eliminei qualquer leitor. É muito fácil diante de incômodos, eliminar quem eventualmente nos azucrina. Tenho alguns casos nesse sentido mais no campo pessoal que profissional. Há quem leve futebol e política ao mesmo patamar de fundamentalismo. Outros o são apenas fundamentalistas futebolísticos ou partidários. Raros o são triplamente, acrescentando-se a religião como máquina de moer paciência.
Diria que a manifestação de fundamentalismo religioso é exceção entre os leitores. Geralmente os mais radicais promovem contendas polarizadas de futebol e de política. Gente que defende político corrupto, torce por um determinado time e professa uma religião com a mesma intensidade é menos comum, portanto. O que existe em comum entre os radicais é que geralmente são contraditórios. Amam fustigar os adversários com as mesmas armas contraproducentes com que os adversários os fustigam.
De maneira geral, quando a temática é política nacional, com ramificações na região, a coerência não é melhor das companhias. Mais que isso: vai para o ralo do irracionalismo prático. O que vale como crítica ao Partido dos Trabalhadores e ao ex-presidente Lula da Silva não cabe na métrica de tucanos semelhantemente metidos em encrencas. A recíproca é verdadeira. É esse tipo de comportamento de cartas marcadas que exige jornalismo isento. Pena que a maioria não o seja.
Tapando sol com peneira
A maneira mais comum de tapar o sol com a peneira de preferências partidárias acima de preceitos de moralidade e ética destruídos com o escândalo do Petrolão é um imenso vazio sem respostas quando uma mensagem reveladora das vísceras de uma agremiação ou de outra ganha fluxo voraz nas redes sociais. A seletividade de comentários é constrangedora. Sei antecipadamente quem vai surgir na telinha. E quem continuará em cima do muro.
Tenho minhas artimanhas para detectar quem é quem entre os leitores de CapitalSocial. Estimulo-os a se manifestarem de alguma forma com alguma peça de escândalos em nível nacional. Os extremistas à direita e à esquerda são os primeiros a darem sinais de vida. Divirto-me porque, ecumênico, repasso as mensagens de forma democrática. E muitas vezes salomônica.
No âmbito regional também há divisões claras. Uma patetice de um prefeito é ignorada por leitores correligionários, em contraste com o rosnar inquietador de situações menos graves envolvendo outro gestor público.
Devo confessar que tenho satisfação em acompanhar tanto a lista de convidados das jornadas de CapitalSocial como de integrar grupos abertos do Whatsapp. Diferentemente do protagonismo de CapitalSocial, raramente me manifesto nos grupos administrados por terceiros e cujas mensagens são compartilhadas entre todos.
Voyeurismo implícito
Nesses casos, sou espécie de voyeur digital. Botei na cabeça que preciso saber o que andam falando e postando por aí. Meu filho diz que é perda de tempo. Ele tem razão para ele, mas não para mim. Como jornalista, minha obrigação é observar as marés montantes e jusantes comportamentais que pulsam na sociedade.
Não teria graça alguma se estivesse infiltrado num grupo de profissionais de odontologia. Agora, quando se trata de sociedade que, mesmo com vícios incontroláveis, debate questões públicas, não poderia deixar de monitorar. A crise do IPTU em Santo André me levou a vários grupos. Foi valiosíssima minha espionagem.
Não fico o dia inteiro grudado no celular em garimpagem nem sempre satisfatória. Tenho situações específicas para entrar em ação. Por não ser genuinamente fruto da geração digital, mas também por não ser avesso ao mundo digital, acho que sei lidar com certo conforto com a tecnologia no campo da comunicação social.
A recomendação que poderia passar é que procurem disciplinar-se na arte de viver neste mundo em transformações. É possível encontrar a racionalidade no uso das ferramentas que estão aí. O mundo dos aplicativos é um outro mundo, mas não pode ser o fim do mundo. Nada me tira o foco de obrigações funcionais.
Invencibilidade mantida
Estou surpreso comigo mesmo porque sigo invicto. Não retirei ninguém de minha lista nem abandonei grupos de terceiros. Mas já fui retirado de dois grupos, durante a crise do IPTU em Santo André. Os arbitrários ficaram enfurecidos quando, num artigo, me opus à burrice de seguirem com o movimento rumo ao Paço Municipal após o prefeito Paulinho Serra ter capitulado à evidência de que cometera tremenda bobagem. Previ que a manifestação se esvaziaria e que os gatos pingados que insistiram na iniciativa desvalorizariam o que fora abraçado pela sociedade como um todo. Não deu outra.
O unilateralismo rabugento das redes sociais é insuportável. Mas também pedagogicamente elucidativo. Cada um mostra se conta ou não com garrafa de conteúdo para apresentar ao distinto público. Há gente inteligente na praça. Também não faltam boçais. Todos têm o direito a se esbaldar nas mensagens. Só assim é possível saber quem é quem.
O mutismo é um perigo porque carrega sombras de dúvidas. O estrelato pode ser insidioso, porque revelaria nuances que o aplicativo em questão capta no fervor de uma mensagem original ou de uma réplica. Todos precisam participar. Sociedade omissa não leva a nada. Sociedade combativa, mesmo repetitiva na cantilena ideológico-partidária, nos dá a dimensão de onde estamos.
O Whatsapp de grupos abertos é uma Torre de Babel dos tempos modernos. Já no sistema de lista que administro, sem interação entre os leitores, a mediação é solitária, discreta e comedida. Na Torre de Babel dos grupos abertos cada um sabe muito bem o que os outros falam e acaba se entendendo no desentendimento. No grupo fechado que dirijo não há influência de terceiros no posicionamento individual de ninguém. Está-se, portanto, livre de contaminações. Acho que com isso há mais valor na definição do comportamento dos participantes. Tenho a impressão que dirijo um confessionário de mão dupla.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)